CUOTIDIANO

sábado, janeiro 27, 2007

Quando eu for grande também quero ser gestor (e, de preferência, despedido de uma empresa pública)

Segundo o Tribunal de Contas (TC) citado pelo “Público”, as indemnizações pagas a gestores por “cessação antecipada de contrato” (ou, mais prosaicamente, “despedir os do outro partido para empregar os do meu”), custaram-nos a todos – já que foi o Estado a pagar - 5,1 milhões de euros, sendo que, desses, só à conta da Caixa Geral de Depósitos (CGD) foram 4,2 milhões. Entre as várias “contratações milionárias” que, por sua vez, implicaram “despedimentos milionários”, estão as dos consagrados gestores de carreira internacional Armando Vara e Celeste Cardona, grandes e reconhecidos profissionais da gestão, como é do conhecimento público...

Segundo o TC, os fundamentos destas trocas são “regra geral, vagos e imprecisos ou até inexistentes [...] dando lugar a pesadas indemnizações”. Para além disso, essa dança “coincide, regra geral, com a mudança de titulares de pastas governamentais que tutelam as empresas em causa”. Ah coincide? Por definição, só pode ser coincidência!

Já agora, outros números referidos pelo TC e igualmente citados pelo “Público”:

- 6,1 milhões de euros – Quanto a ANA, CGD, CTT e AdP gastaram em remunerações de gestores num ano;
- 1,85 milhões de euros – Custo com viaturas dos gestores das mesmas empresas, entre 2003 e 2005.

Finalmente, queria deixar aqui claro que não sou contra (bem pelo contrário) o facto de que pessoas competentes e com provas dadas dessa mesma competência sejam bem pagas – veja-se, por exemplo, o caso do Dr. Fernando Pinto, na TAP, que colocou uma empresa falida no topo da aviação europeia e, sintomático da sua qualidade, os trabalhadores nunca mais fizeram greves, greves essas que, anteriormente, eram constantes – não só porque o que elas auferem é uma gota de água no que conseguem para os Cofres do Estado, como melhoram - e muito - o funcionamento das empresas que gerem. Como digo, o problema não está aí - o problema reside no facto de que grande parte daquilo que os competentes conseguem, é logo esbanjado em pornográficas indemnizações e chorudos ordenados nos incompetentes que, gravitando à volta do poder, são chamados para os “cargos de amigo” assim que vira a cor política. Citando a canção associada a uma dança popular, “meninos vamos ao vira, ai que o vira é coisa boa”. Mas só para alguns, claro, que os outros pagam (caro) o espectáculo!

quinta-feira, janeiro 25, 2007

O camarão era tigre

O camarão era tigre a tarde era quente a cerveja gelada o teu corpo só teu o olhar era sonho o vento era suave o calor era lento o teu cheiro teu só teu vestido era azul a tarde era tão tarde a noite era tão nova a lua era tão perto o segredo evidente as ondas eram de notas o tempo era sem tempo e os tons eram de medo

então

a cerveja mais uma o teu corpo era água o teu beijo era quente teu olhar era azul a cor era até outra a palavra era som a sombra aconchego os gestos eram nuvens as aves sonolentas a noite era só nossa camarão era gelo a cerveja era ajuda a palavra era beijo a vontade era jorro teu olhar era pão e teu medo era estranho

então

a cerveja era ritmo tua mão era toque teu toque era sede a lua era cheia a cerveja era alegre o olhar era quente teu cheiro era azul a noite era já tarde a lua era crescente as palavras hipnose camarão era em cascas a lua era em cerveja a vontade era em mão o desejo verdade o ritmo era demais e o som era embalo

então

a cerveja era gotas teu corpo era sorriso a esplanada deserta a vontade era embora teu corpo era nosso a lua era só sempre maresia era noite e manhã eram dunas

então

a cerveja era copo meu corpo era teu o amor era seda a certeza era morta a vontade era nervo a alma era de carne a tristeza era além o amor era ali o amor era nosso o amor eras tu o amor era copo o amor eram corpos

então

o tigre era o Hobbes o camarão era o Calvin e desatámo-nos a rir depois de termos feito amor na praia.

domingo, janeiro 21, 2007

Se, no referendo sobre o aborto, eu votasse “não” e fosse um gajo coerente...

- Proporia – melhor, exigiria, já que a Vida não se discute - ao Estado Português que cortasse relações com 90% dos países da União Europeia, já que têm em vigor leis equivalentes à que irá ser referendada;
- Também o proporia em relação a mais de 80% dos países do Mundo, pelas mesmíssimas razões;
- Acharia que as violações de direitos humanos na China não eram nada de especial, quando comparados com os “assassinatos em massa” nos países nossos aliados, nomeadamente em França – um dos tais com quem cortaria relações diplomáticas;
- Instauraria processos-crime por homicídio a todos os deputados que aprovaram a lei actual, já que permite o aborto nas situações, por exemplo, de mongoloidismo ou de violação – então e os "fetos mongolóides" e os “consequência” de violação serão “menos gente” que os outros?

Mas como nem voto “não” nem sou um gajo coerente...


PS – Também telefonaria ao meu psicólogo clínico para me salvar de uma eminente crise de contradição...

sábado, janeiro 20, 2007

Passado tanto tempo...

já nem sei onde nos amámos – se nos corpos feitos sede, se nas palavras feitas beijo, se naquela pensão rasca feita Dubai, se apenas e só pela pele fora, feita destino sem destino nenhum. Nem interessa. Apenas sei que adormecíamos ao som da música desafinada que se escapava pelas janelas do barzito do rés-do-chão; era nessa altura que a luz atravessava o teu corpo - e não havia nenhuma luz de nenhum néon desta cidade que não te viesse dar as boas-noites - nem que fosse só para, num instante prolongado, te lavar o corpo sujo de dias sonâmbulos, lentamente, a esponjas de mares sem norte, a águas de especiarias vindas de muito longe. Mas nem interessa. Apenas sei que todos os dias adormecia a teu lado e observava curioso – sempre como da primeira vez – o estranho ritual das luzes; primeiro as violeta, depois as azuis... depois ainda, sei que acordava a teu lado, a manhã ali estava, desperta de saborosos minutos de maçã, para saborear em lentos olhares com que te percorria - como se de um barco que em ti navegava se tratasse - disfarçando sorrisos sempre envergonhados – ainda hoje estou para saber porquê. Mas, mais uma vez, nem interessa. O que interessa é que houve uma vez em que acordei só, no sobressalto do dia, sem te ver, sem te tocar. O que interessa é que tu não estavas lá. Havias ido, não sei, com os pássaros talvez, talvez com aquele saxofonista que, pensando em ti, havia finalmente acertado com a tal estranha melodia que, mais estranhamente ainda, estava sempre no tempo certo do ritmo ainda mais certo dos nossos corpos. Mas nem interessa. O que interessa é que nessa noite, na noite seguinte e nas seguintes das seguintes tu não mais adormeceste a meu lado, não mais te vi despertar. Agora percorro as noites sonâmbulo, à procura de ti em todos os néons da cidade. E só isso interessa. Só isso.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Diálogo ecuménico

Estava um dia de Sol em Roma. Aproveitando esse facto, o Papa foi à varanda experimentar um chapéu novo. Chamou o seu secretário.

- Ouve lá, que tal me fica?
- Mais ou menos, Vossa Santidade.
- Mais ou menos, o que é que isso quer dizer?
- Mais ou menos, é isso, é que esse chapéu é assim... (como dizer?) um pouco... apalhaçado, é isso, apalhaçado.

O Papa não se conteve e deu-lhe duas galhetas na cara, embora estivesse mais inclinado em dar-lhe no rabo (as galhetas, claro). E perguntou:

- Então, agora já te parece melhor?
- Sim, Vossa Santidade.

No dia seguinte, nos jornais, a notícia surgiu, divulgando que o Papa impunha a sua opinião pela violência e não convencendo pela razão.

O Vaticano desmentiu, dizendo que o acontecimento tinha sido mal interpretado e que o Papa apenas tinha tentado promover o diálogo entre diferentes convicções.

Ainda hoje o secretário está à espera do pedido de desculpas - ou, ao menos, de uma palmadinha no rabo.

Ah, é verdade, o chapéu era horroroso, só melhorando se usado em conjunto com uma saia plissada bordeaux.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Lendo o “Público” (2007/01/16) – “Homem Moderno fez sexo com Neandertais”

É bem feito – não tivesse bebido demais no “Dinossauro Branco”!

Já agora, qual de nós poderá criticar ou, com uma expressão mais da época, atirar a primeira pedra? (“Ah e tal, estava grosso(a), nem sei como consegui ir para a cama com aquela(e) gaja(o) – é que, além de cheirar mal dos pés, era burra(o) comó caraças!”)

domingo, janeiro 14, 2007

1.000 Clientes!

Há três dias atrás, quando este blog fazia, rigorosa e curiosamente, 9 meses do seu nascimento, atingiu a bonita soma de 1.000 clientes – não o número de entradas, mas sim o de “IP”’s diferentes, contado nas “visualizações de perfil”.

(Bom, há sempre a hipótese mais deprimente de só ter 500 clientes, cada um com 2 computadores; ou... 250 clientes com 4 computadores cada; ou... 1 cliente apenas mas com 1.000 computadores!).

Não, não há brinde nenhum para o milésimo cliente, de uma maneira geral não conheço as pessoas que por aqui passam – espero apenas que gostem de o fazer, sendo esse o único brinde que posso dar a cada um e a todos por igual.

(Agora seria a altura de um balanço, com algumas mágoas e muitas alegrias, terminando com uma frase que até faria chorar - outra lágrima ainda - os cãezinhos de canil, de medo escondidos dentro dos cartazes das lojas de fast-gift. Mas não. Apenas uma frase em mau português).

Gramo muito estar convosco!

sábado, janeiro 13, 2007

Ida ao dentista

Ontem fui ao dentista. Ao Pedro Maria Ânus. Sim, eu sei que é um nome um bocado ridículo, passível de trocadilhos como “Pedro Mariano” – confesso que também os faço. Mas sejamos correctos, que o homem é um grande profissional - seja lá do que for. Bom, recomeçando.

Ontem fui ao Pedro Mariano. Ah, desculpem. Ao Ânus. Melhor, ao Dr. Ânus, assim é que é. Adiante. Chegado lá, cumprimentei, quase em surdina, a recepcionista

1º mistério – Porque é que as pessoas falam baixinho no dentista? Será para não abafar o maravilhoso som das brocas furando os dentes - e, como dano colateral, os tímpanos de toda a gente?

e sentei-me, esperando a minha vez. Peguei numa revista - obviamente “do coração” – e, ao folheá-la, estranhei a existência de múltiplos artigos sobre a passagem do milénio. “Outra vez”, pensei? Só algum tempo depois é que reparei na data – eram dessa altura.

2º mistério – Porque é que as revistas das salas de espera dos dentistas têm, pelo menos, cinco anos? E, já agora, mais de vinte folhas rasgadas? E, pior ainda, a Lili Caneças, mais rasgada ainda?!

Devolvi a revista à companhia de suas amigas de longa data – divirtam-se, garotas! - e olhei à minha volta. Todos os outros condenados estavam como eu, divididos – por um lado ansiosos, com a esperança de serem eles os próximos a entrar para ficar sem dores; por outro, esperando que fosse a vez de outro pacóvio qualquer por... puro e instintivo medo! Enfim... à minha frente, a recepcionista namorava com o próprio telefone,

3º mistério – Porque é que as recepcionistas também usam bata branca? Será para não se sentirem inferiores, como quem diz “reparem bem, eu também sou enfermeira e, ainda por cima, sei atender telefones, coisa que as outras não sabem fazer. Além disso, a minha bata está mais branquinha do que a delas, nunca tem sangue.”

telefone esse que, diga-se, já estava com um ar um pouco farto – afinal sempre havia alguém com bom senso ali. Sem nada para fazer, a não ser ouvir a 7ª sinfonia para brocas e gritos em dó maior, e embora não estivesse com muita vontade, resolvi ir à casa de banho,

4º mistério – Porque é que, nos dentistas, se pede à recepcionista para ir à casa de banho? Será que, como na escola, é para os adultos verem que nos portamos bem, somos bons meninos, e a seguir nos tratam – “tratam” aqui cai bem, tem duplo sentido, o dentista inspirou-me – melhor? Já agora, porque será que, nestes consultórios, o vulgo “WC” é normalmente elevado à superior condição de “lavabo”?

nem que fosse para conviver com o meu único amigo ali disponível. Quando voltei, sem dar tempo, sequer, para me sentar outra vez, finalmente (ou seria infelizmente?) chegou a minha vez. Chegado à porta, pedi para entrar.

5º mistério – Se é o médico que nos manda chamar, donde virá o servilismo idiota de “pedir licença”?

Fui superiormente autorizado a fazê-lo, sentei-me na cadeira da câmara dos horrores e esperei pelo matador, empunhando firmemente a seringa, dançando em olés mentais de fazer faísca e... lá vai disto – espetou-me a agulha, numa chicuelina cheia de garbo e profissionalismo, na zona mais roxa da minha pobre gengiva em pânico. Depois de outras cinco bandarilhadas, ao fim das quais tinha anestesiado não só a dita gengiva como o lábio, a sobrancelha e mais 324 cabelos - que ficaram espetados durante quatro horas, de tal forma que mais parecia saído de um qualquer ritual satânico -, achou-me pronto para a estocada final – o arranjo do dente. Magnânimo, autorizou: “pode cuspir!”.

6º mistério – Porque será considerada uma benção o acto de dar uma ‘escarradela’? Será porque imaginamos a cara do assassino no lavatório? E se esta moda pega para outras profissões liberais? Por exemplo, imaginemos que, a meio de uma reunião de engenharia, toda a gente cheia de gravatas e salamaleques, quem a dirige diz “podem cuspir”? Tudo aos gritos “luta de escarros, luta de escarros!”, a seguir... – bom, chega!

Aproveitei aquele momento de generosidade e... aí vai amarela! De regresso à tortura, mais buraco menos buraco, mais massa menos massa, fiquei consertado e lá me pirei dali para fora, agradecendo parvamente. De regresso à sala de espera, o único grande momento do dia – o olhar para os outros condenados! Um a um contemplei-os vagarosamente, rodando o olhar, como se dissesse “agora és tu, não, afinal és tu, não, enganei-me, és tu...”, com a saborosa certeza de que não seria eu. Depois desse pequeno gozo sádico, voltei-me para a recepcionista e perguntei-lhe quanto era, ao que ela – que, naquele momento, já me parecia com muito melhor aspecto, pelo menos dois whiskies e meio melhor – me respondeu com um qualquer número que ultrapassava o pornográfico - roçando, até, o Cavaco Silva completamente nu a fazer jogging. Paguei (conquistando, assim, a hipótese mais que provável de não almoçar nos três meses seguintes) e agradeci na mesma,

7º mistério – Porque será que, sempre que vamos a uma qualquer loja, e nos pedem um preço elevadíssimo por qualquer coisa protestamos, pedimos desconto, choramos, até convidamos a vendedora gorda, sebosa e borbulhosa para jantar se for preciso - e no dentista pagamos e agradecemos?

com uma cara misto de parvo com “à banda”. Em troca, recebi um simpático cartão-convite-se-não-vens-‘tás-lixado com as minhas próximas marcações - mas sempre em surdina, não fossemos (eu, aquela maravilhosa enfermeira de impecável bata branca e o desesperado telefone digital) estragar o orgasmo iminente do Dr. Ânus, ao som esplendoroso da 7ª sinfonia para brocas e gritos em dó maior.



PS – O nome do meu dentista é MESMO Pedro Mariano – nem a minha imaginação retorcida e delirante conseguiria inventar uma coisa dessas.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Lendo o “Público” (2007/01/10) – Coisas absurdas que vamos lendo

“ETA reivindica bomba em Madrid, mas diz que mantém ‘cessar-fogo’” – Mas só para os outros...

“Economia e Metro de Lisboa: Porque é que os trabalhadores do Metro de Lisboa acham que os contribuinte têm o dever de pagar todos os seus 36 dias e meio de férias por ano?” - ... E um período de trabalho de 6 horas diárias (sendo três delas passadas sem conduzir) e prémios de produtividade automáticos (ou seja, desligados da produtividade) e...

“Tribunal condenou Monterroso 17 anos depois dos factos – Ex-autarca respondia por participação económica em negócio. Condenado a um ano de prisão” – E, já agora, com pena suspensa.... E andámos todos a pagar isto durante 17 anos. Bom, se este demora 17, o “Apito Dourado” deve durar pelo menos 77!

“Pedro Catarino quer que despesas militares sejam produtivas” – O quê, para recuperar o deficit, agora “militares alugam-se”?

“Preço do petróleo cai para níveis de 2005” – Então porque é que, cá em Portugal, a gasolina só sobe, nunca desce?

“Aniversário de Elvis celebrado com foto icónica na Casa Branca – A fotografia [entre Elvis e o ex-Presidente norte-americano] foi tirada a 21 de Dezembro de 1971, para discutir com Nixon como poderia ajudar no combate às drogas” – Ao que parece, tomando-as todas sozinho!

domingo, janeiro 07, 2007

Apaixonei-me - apenas isso

Enquanto falava contigo, apaixonei-me pelas palavras que te ia dando – o problema é que, na confusão, apaixonei-me por ti. Depois pensei: se nos encontrarmos mesmo, as palavras não chegarão, infelizmente – é que depois sobro eu, que não chegarei, tenho a certeza.

Então e de repente, fiquei sem palavras - sobraram os desejos, os sons.

Sabes? - enquanto falava contigo apaixonei-me. Apenas isso.
Apenas isso.

Ele há coisas...

Há coisas que só aos poucos aprendemos a gostar: caviar, ostras, narizes de palhaços e... o suplemento “Carga e Transportes”. Sim, falo d’O Suplemento! (“The Supplement”, em estrangeiro).

Para começo de conversa, é completamente injusto ser apenas um suplemento, ao nível de um “Golfe e Golfistas”, “Sardinhas e Assadores” ou, pior ainda, “Cães, Cadelas e Coisas Indefinidas” – isto já para não falar de coisas extraordinariamente evoluídas, como o suplemento “Caracóis”, meses a fio no “Expresso” (aliás, durou cem vezes mais do que a esperança de vida de um caracol). Mas, como diria o pequeno (mas enorme) Calimero, filósofo neognathae da ordem dos anseriformes - esta é a parte cultural do texto, aproveitem que não há mais cultura por aqui -, “it’s an injustice, it is!”

Sim, a injustiça é enorme. Quem quer lá saber se o Sócrates prometeu qualquer coisa mais (enquanto sacava qualquer coisa ainda mais com a outra mão, a que não fazia figas), quem quer lá saber se houve um tufão em Hong-Kong ou se o Banco de Portugal promove festas orgíacas com as notas dos incautos - isto tudo se O Suplemento nos diz a que horas é que parte o “Infante D. Henrique” para Marrocos? Mais palavras para quê, meus amigos? Por favor, saibamos relativizar as coisas... O Suplemento é que deveria ser o Corpo Principal, qual Ellie McPherson mas com cuecas.

Ah, já me esquecia - foi n’O Suplemento, que só vim a descobrir anos depois de o ter lido pela primeira vez (sim, porque a Cultura é lenta de absorver e é só para maiores de qualquer coisa), que aprendi que os momentos acontecem, não os criamos. Por mais que queiramos.

Lembro que em miúdo (jovem, vá lá...), nas Grandes-Noites-De-Mudar-O-Universo, combinava com os meus amigos grandes saídas para o dia seguinte, com um objectivo tão nobre quanto estranho e obscuro, tão complicado e brilhante ao ponto de não me lembrar – encontrávamo-nos na gare das camionetas às 7, íamos acampar para a Arrábida (antes que houvesse co-incineração, já na altura tínhamos visão de futuro!), à noite fogueira, guitarras e amor universal, de manhã ressaca descomunal... enfim, tudo pelo Objectivo, fosse ele qual fosse. Depois acertávamos os relógios, para que não houvesse desculpas nos atrasos, íamos embora - cada um para sua casa - antecipando cada hora, cada minuto da nossa estadia, do que isso iria implicar de mudanças no rumo do Mundo, o que aquele tempo poderia representar para o futuro da Humanidade. Como é evidente, no dia seguinte ninguém aparecia às 7 (ou às 8, ou às 9...) fosse onde fosse, a não ser no terceiro sono a contar da direita.

Aí comecei a perceber o significado do “Carga e Transportes” – eram partidas adiadas, eram chegadas inexistentes, eram tempos, eram barcos, comboios, nuvens, eram sonhos, delírios, saudades, eram cargas, pesos e desesperos, eram...

Foi então que definitivamente percebi - O Suplemento era a própria Vida!


Quando, anos depois, voltei à Arrábida, já tinha netos e, para cúmulo, era mulher – Porra, lá vou ter que transportar esta carga até ao fim dos meus dias...

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Passagem de ano

Sentado nas escadas que dão acesso ao sótão das recordações por criar, olhei a noite através da nebulosa que me transporta - com vista sobre a minha eventual alma - nesta estranha viagem a que chamo “vida” – ou, quando bebo demais, “Zé”. Tentei esquecer-me, esquecer-te, esquecer tudo, esquecer – apenas - carregando no escape do portátil que guardo escondido por detrás do ventrículo direito - mas que, por azar, parece que anda avariado desde há uns tempos a esta parte. Depois lembrei. Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Desci as escadas, em direcção ao quarto - crescente do meu lado lunar. Ao lado da cama poisei o fogo com que afugento o meu tempo a passar. Depois desembainhei a espada que, cobardemente, combate os meus medos com pomadas contra a comichão e poisei-a junto à cómoda - onde guardo os olhares de soslaio. Então deitei-me. Sob a persa forma de gato ou de feto - ou de bolo - e como que no regaço de uma nuvem sem água, resolvi adormecer, esquecendo até a própria sensação de nada. Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Esticando-me torcicolicamente, olhei lá para baixo, para a rua. Vi luzes disfarçadas de desalmadas almas, recicladas pelos Deuses dos sem-abrigo - aquelas que, de tão humanas que são, também morrem na voraz caça de si mesmas, de um único minuto seu que seja. Mas deixei-me ficar querendo partir, olhando, entorpecendo, com um estranho sabor a gerúndios e a deserto na boca, sabendo o mal a que sabe sempre esta excessiva dose de destino – e que, placidamente, nos vai conduzindo à loucura (ou ao próximo semáforo). Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Respirei fundo. Momentaneamente fiquei sem alma, atrasada que estava (“não me digas que ficaste outra vez a beber um copo com aquela alma loura do 3º esquerdo, caramba?”), quase perdida em relação a mim, aos meus passos, ao que abandonei numa qualquer esquina imaginária do meu corpo. Olhei para mim. Respirava, é certo. Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Revolvi-me na cama. Sem “sutra”. Sem sono. Então resolvi sair, ver luzes, sentir brisas, criar brechas em mim. Fechei os olhos e andei sem tempo, sem direcção, sem silêncio, sequer. Parei. Na loja de conveniência bebi sedes dos outros. Soube-me bem, confesso. Saí. Respirei o ar fresco, como refresco da alma, porque é preciso, porque às vezes preciso, ou apenas porque sim - como razão, já chega bem. Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Inconvenientemente, passei ao lado de um relógio que não me cumprimentou. Perguntou-me as horas, o incompetente, disse-lhas, ele agradeceu. Em troca, deu-me um ponteiro (o maior, claro!) e eu agradeci também (convém sempre ser educado com o tempo, não vá esgotar-se-lhe a paciência para nós). Ou seja e em suma, a partir de agora as horas doem menos porque não há minutos, está decretado. Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Não sei onde estás, com quem estás. Estranhamente, não sei onde estou, só sei com quem não estou. Sei, também, de uma noite – esta - que há que percorrer sem saber porquê, que tem um qualquer caminho por descobrir, sem qualquer mapa de fogo que nos ajude - e que há que atravessar sem pontes, sem margens para dúvidas, com dores pesadas e, poisado na mão, apenas um livro do Lobo Antunes. O das crónicas, sabes? Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Entretanto passam as horas, sem minutos agora. Olho à volta - as estrelas vomitam sono em hálito de Bacardi. Entro num estranho bar estranho, com pessoas e tudo. Estranhas pessoas ou apenas pessoas apenas. As sombras olham-me, desconfiadas, e eu digo apenas que te espero apenas, sob o olhar altivo de um copo um, o único e último resistente da sobriedade. Estranhamente, rio-me. Rio-me mais. Rio-me mais ainda. Desato-me a rir ao desatar-me de amarras, suspenso de um estranho gozo suspenso de me julgar vivo. Mas

Que farei com esta noite, imensa, sem ti?

Saio. Vejo o nascer do Sol sobre os barcos, sobre as lágrimas, afugentando a noite que percorre, beijando na despedida, telhados e tristezas. O Tejo sorri-me, atira-me à cara a maresia envergonhada dos estuários. Eu? eu guardo comigo os passos, os cheiros e uma enorme sede de ti. Mas

Amanheceu. Que farei contigo, imensa, agora sem noite?

terça-feira, janeiro 02, 2007

Previsões para 2007 (II) – Acontecimentos que não acontecerão

Anões transexuais tomarão de assalto a Assembleia da República e violarão todos os deputados carecas (ou, no mínimo, farão umas brincadeiras parvas com a estátua da entrada).

Lili Caneças não fará uma plástica.

Manuel Maria Carrilho apaixonar-se-á por alguém que não ele próprio.

Santana Lopes também.

A TVI vai deixar de transmitir 147 novelas diárias.

Fernando Mendes vai ter uma crise de anorexia.

87% das porteiras vão deixar de cheirar a estrume.

Elsa Raposo vai apaixonar-se por um gajo teso (vá lá, remediado).

Bárbara Guimarães vai ler um livro em vez de um resumo feito à pressa pela produção.

George Bush vai ser preso por crimes contra a Humanidade (como eu adorava estar enganado nesta...). Ou então ler um livro.

O Canal do Panamá vai querer ser um boné.

O primeiro-ministro vai pedir a reforma ao abrigo de uma lei que proíbe reformas antecipadas.

Um gajo completamente bêbado vai convencer, durante uma “Operação Stop” da qual sairá incólume, um GNR a ler um livro que a Bárbara Guimarães não leu - ou então a casar com o Manuel Maria Carrilho. Ah, e tudo isto apesar de lhe ter mostrado um ás de paus em vez da carta de condução.

Um aborto não identificado (mas muito parecido com o Francisco Louçã) vai exigir um referendo sobre a Igreja.