CUOTIDIANO

quinta-feira, abril 26, 2007

O traficante (Parte I)

Ano: 2069. Local: aqui.

Pois aqui estou. Dentro. Sim, na prisa, na choça, dentro. E porquê? Porque fui condenado por tráfico. Eu explico. Comecei a consumir apenas por curiosidade, a curiosidade deu lugar à necessidade, depois, quando as necessidades aumentaram, tive que começar a vender para satisfazer as minha próprias carências e... acabei apanhado.

Mas deixem-me fazer uma breve cronologia para que percebam todo o contexto e não comecem, desde já, a fazer julgamentos sumários, como fariam três beterrabas a um bife lilás (não perceberam a piada? ... são coisas modernas, é natural que não entendam, ainda estão umas dezenas de anos atrasados). Ah, já me esquecia – o tráfico que eu fazia era de hidratos de carbono, não de esteróides nem de expressões idiomáticas; nada disso, eu não sou desses, atenção! Bom, mas vamos lá do princípio, apenas com os acontecimentos mais relevantes para vos enquadrar.

2010: Proibição dos enchidos.
2015: Defenestração do último fumador.
2020: Electrocussão do penúltimo alcoólico (o último foi para o Museu de Cera de Madame Tussaud, em Londres). Início dos trabalhos preparatórios do aeroporto da Ota.
2025: Sodomização do Pai Natal por uns putos da escola C+S de Fitares. (Este acontecimento não foi muito importante para nós, humanos, mas há que ter também respeito pelas renas, já que, pelo menos uma delas - Rudolfo, o Penca Azul – é minha leitora assídua).
2030: Obrigatoriedade do jogging a partir dos 11 meses de idade ou de um metro de altura (não confundir com peso).
2035: Reprodução obrigatória por fertilização “in-vitro”.
2040: Proibição da pesca de peixes gordos e da caça de animais terrestres gordos e vice-versa.
2045: Ilegalização de todas as gorduras animais e vegetais e dos desodorizantes em forma de pénis. Fim dos trabalhos preparatórios do aeroporto da Ota e opção governativa pelo uso de para-pente em vez de avião.
2050: Supressão do sexo selvagem ou de qualquer outro tipo, excepto se efectuado pela Internet e com animais domésticos do outro lado do ecrã.
2055: Ilegalização dos hidratos de carbono.
2060: Proibição da asneira, calão ou de qualquer tipo de praguejamento, incluindo as expressões “Paulo Portas” e “Abdulah para ti também”, para além da palavra “frigorífico”, esta apenas por um capricho palerma do legislador.
2065: Primeiras grandes manifestações e jornadas de luta de obesos, seguidas das primeiras grandes manifestações também (mas curtinhas, já que as forças não eram muitas) de apenas não esqueléticos.

Agora que estão situados, facilmente perceberão - um homem não é de ferro! – que, às tantas, uma pessoa cede à tentação. Comecei, apenas, por sonhar com uma batatinha, só uma, uminha, para acompanhar o meu “Vita-Prota Perfect”, o obrigatório comprimido da hora de almoço (e que, hélas!, o substitui...). Depois, e sabendo desses meus desejos, um amigo indicou-me um vendedor de batatas que, todos os dias às 4 da manhã, estava numa determinada esquina pouco iluminada (mas muito cheirosa) no Bairro Alto. Lá fui. Comprei só uma, para experimentar, tanto mais que eram caríssimas. Chegado a casa, cozi-a e, devagarinho, saboreei-a. Que delícia, há quanto tempo! (na verdade, a última tinha-a comido salteada, no Verão de 2054, acompanhada com dois ovos ilegalmente estrelados em manteiga e por um pêssego de sabor a cerveja com álcool).

Na manhã seguinte, a minha namorada desconfiou que qualquer coisa de estranho se passava, não só pelo meu ar de satisfeito - mesmo após uma crise de impotência com o gato dela pela Internet - como, também, por um altamente denunciador arroto matinal.

- Andas metido nos hidratos de carbono, eu sei; vi muito bem a que horas chegaste ontem e o estado em que estavas, com aquela cara de parvo sorridente com que se deitam todos os agarrados à batata!

disse-me com ar reprovador. Nem perguntei como é que ela sabia disso só para não piorar, ainda mais, a situação. Vai daí, disfarcei-me de lagarta parda e resolvi pirar-me sorrateiramente, enquanto ela me insultava sem perceber que o horroroso verme que estava a varrer para fora de casa, afinal, era eu. (E depois eu é que sou o totó do drogado!...)

- Hidratado! Não passas de um carbonatado! Por isso é que nunca terei filhos contigo! E também porque és um cocó de peru azul!

gritava ela já bem longe - que eu rastejo depressa. (Bem sei que também não perceberam o último insulto dela mas vão-se habituando que, para a frente, há mais – conforme já vos expliquei, são coisas modernas... e parvas também).

Bom, adiante. Enquanto ela continuava naquilo (“desgraçado!”, “hérnia de peixe surdo!”, ...) eu punha-me a caminho do Bairro Alto, ansioso por mais uma compra.

- E se hoje experimentasse umas massinhas italianas, será que aquele dealer também as vende?

pensei eu, enquanto apanhava um autocarro ecológico, movido a ventosidade sonora expelida pelo ânus (*) sempre diligente de uma pobre vaca que, atada no andar de baixo, tinha inserido na dita cavidade um tubo que, daí, ia directo para o motor. Ouviu-se mais um estampido e lá fomos nós.

- Massinhas, hummm...



(Continua)

_______________________________________
(*) – Como em 2060 foi proibida a asneira e o praguejamento, não posso dizer “peido” (Olha, afinal disse, lá vou eu ser multado, porra! – Outra, que chatice. Olha outra, ‘tou lixado! – Oh não, outra vez. Bem, vou pagar cá uma multa...)

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terça-feira, abril 24, 2007

Rimas (a propósito do 25 de Abril)

Rimas a adoptar a 25 de Abril

Povo – Homem novo
Abril – Esperanças mil
Unido – Nunca vencido
Revolução - Libertação
Igualdade - Fraternidade
Camarada - Amada
MFA - Vencerá
Classe operária – Reforma agrária
Companheira – Porreira
Fascismo - Salazarismo
Capital – Mal
Luta – Capitalista explorador filho da p***!
Reacção – Exploração


Rimas a não adoptar nunca

Povo – Ovo
Abril - Senil
Unido – Prurido
Revolução - Beatificação
Igualdade – Feijão frade
Camarada – Queijada
MFA – Que será?
Classe operária – Doença venária
Companheira – Rameira
Fascismo - Malabarismo
Capital – Bolsa marsupial
Luta – Truta
Reacção – Doce de pinhão
Pai Natal – Pai Anal (esta foi de bónus)


PS – Viva o 25 de Abril!

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Ainda a propósito do massacre da Virgínia

Segundo as leis do Estado da Virgínia, a partir dos 12 anos já é possível comprar-se uma arma. No entanto, não se pode (uau!) levá-la para a escola. Curiosamente, segundo a Associação dos Proprietários de Armas Norte-Americanos, esta última restrição é que provocou o massacre! Porquê? Porque se os outros putos estivessem armados, rapidamente o assassino teria sido morto por um outro aluno qualquer. Argumentam esses iluminados que, com essa limitação, "as escolas da nação ficam à mercê de loucos". Fantástico!

Mas não será que, afinal, é o próprio país que está à mercê de loucos que governam e fazem leis – uns às claras, outros nas sombras - , e que têm poder, dinheiro, influência? E não será que, bem vistas e analisadas as coisas, esses loucos é que são os verdadeiros assassinos por detrás do adolescente (completamente perturbado) que fisicamente cometeu o crime?

Bom, mas seguro, seguro era fechar as escolas todas – nunca mais haveria assassinatos destes e, como bónus adicional, ficavam todos ainda mais ignorantes. Repare-se que não estou a fazer mais do que aplicar o mesmo tipo de teoria exposta por Bush, o Grande Iluminado, aquando dos enormes fogos florestais na América, há dois anos atrás, quando esse grande... qualquer coisa dizia que a solução para acabar com aquele flagelo seria abater mais florestas!

... 'bora aí todos parar de respirar para ver se nunca mais ninguém tem uma doença respiratória, boa?!

Vá – 1, 2, 3, começou!
...

...

...

Ainda aí estão? Batoteiros... vou dizer ao Bush!

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quarta-feira, abril 18, 2007

Lentamente

Lenta e saborosamente, vou adormecendo contigo.

Deixando-te, beijo a beijo nas mãos, o meu rasto de sonhos.

Tudo isto só para que me sigas, até ao ponto em que eu te encontre e abrace.

Finalmente nua.

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sexta-feira, abril 13, 2007

O Meu Declínio (Capítulo I – Alzheimer de Unidades)

Em determinada altura da sua vida, toda a gente atinge o auge, o seu pico de maturidade - a partir daí, evidentemente, é sempre a descer. Há quem defenda que esse ponto é atingido aos quarenta anos, outros aos cinquenta; outros, ainda, juram a pés juntos que só é possível atingi-lo quando já se consegue imaginar o Alberto João Jardim totalmente nu sem começar, de imediato, a vomitar – ou sem desatar aos urros selváticos contra a própria Natureza, que criou aquilo.

Adiante. Comigo, esse momento deu-se logo no ventre materno o que, para um optimista, poderia ser encarado como um promissor sinal de precocidade. Mas eu, que só o serei depois de ganhar o Totoloto ou de a Helena Christensen me convidar, no mínimo, para lhe atar os sapatos, limitei-me a constatar que, a partir desse momento, se deu início à minha lenta decadência. Mas façamos a cronologia do declínio.

Idade: 8. Doença: Alzheimer de unidades. Como é que descobri? É simples. Uma bela manhã comecei a sentir-me mal, pus o termómetro e constatei que estava com 39,5 quilos de febre. Assustado, dirigi-me de imediato às Urgências e, apenas 48 centímetros quadrados depois, fui atendido por um médico recém-chegado do fecho de mais um bloco de partos.

(Pequeno aparte. Devem ter estranhado o facto de, logo aos 8, eu ter ido, por minha alta recriação, ao Hospital. Eu também. Principalmente na altura. Ou, até, dois anos antes da altura. Ou três. No entanto, relembrando um dos momentos “gold” da minha infância, ou seja, quando a minha mãe, aos 4, me apanhou deliciado com cerveja e Chocapic e desatou aos berros perguntando - com muito amor, é certo -,

- o que é que são essas caganitas aí a estragar a porcaria da cerveja, seu puto estúpido?

constata-se que, afinal, até nem é tão estranho assim. Ah, é verdade, e também porque, aos 5, fui viver sozinho - não contando com as baratas e suas amigas, claro - já que, conforme atrás insinuei, sou precoce comó caraças!)

Continuando. Comecei a ser visto pelo tal médico reciclado.

- Então diga lá: o que é que o traz aqui hoje?
- É que, sabe sôdôtôr, comecei a trocar as unidades todas – por exemplo, quando ia ao café pedia uma cerveja de polegada, no supermercado comprava laranjas aos minutos, em casa pesava-me e estava com graus a mais... para cúmulo, então não é que, anteontem de manhã, estava com 39,5 quilos de febre?!
- Bom, de facto não me parece brilhante. Vamos lá ver isso. Passe ali para a marquesa, se faz favor.

A custo, lá subi para a dita. Então começou a analisar-me, verbo “soft” que eu uso para evitar dizer “apalpar-me freneticamente como se não houvesse amanhã”. Mas, enfim, devia ser um bom profissional - fosse lá do que fosse: sinalização de aeroporto, cozinha paquistanesa, canalização ou, quem sabe e com um pouco de sorte, medicina. “Encoste-se ali àquela régua, se faz favor”. Obedeci.

- 150 cavalos-vapor de altura, nada mau!
- ...
- Quanto é que disse que pesava?
- Não disse.
- Ah, sendo assim, está tudo explicado, você sofre de Alzheimer de unidades.
- ...??
- Tome aqui este comprimidinho que eu volto daqui a uma caloria para ver se se regista uma evolução positiva.

Não sei porquê – apesar do paleio eminentemente técnico de “ver se se regista alguma revolução passiva” -, aquele diminutivo (“comprimidinho”) preocupou-me; comecei a pensar se o médico não seria, afinal, um simples empregado de balcão numa pastelaria ucraniana em Cuba do Alentejo, usando o título, apenas, por questões sociais. “Bom, que se lixe!”, pensei, antes de agradecer, estúpida e servilmente, como é da boa e ancestral tradição portuguesa que, inconscientemente, nos vai comandando - mesmo depois de nos amputarem todos os membros, incluindo o special one.

Bom, continuando. Enquanto ele não regressava e eu ia esperando pelo efeito do comprimidinho, comecei a interrogar-me (também não tinha mais nada para fazer, reconheço): “Será que voltarei ao normal? Será que Gandhi poderia ter sido um grande golfista? Será que o médico usa Sonasol na sua roupa interior?”. Tudo, evidentemente, legítimas e prementes interrogações. Estava eu nestas conjecturas quando ele voltou.

- Então vamos lá pôr-lhe o termómetro outra vez, para ver como isso está a evoluir.

5 libras por metro quadrado depois, disse:

- Está muito melhor, agora já só tem 37,3 anos-luz, observam-se francas melhorias. Se quiser, leve o resto da caixa e acabe o tratamento em casa. Mas, já sabe: de 8 em 8 pés, um comprimido. Não se esqueça, é fundamental!

Agradeci novamente. Dirigi-me ao “guichet” de saída e perguntei quanto era. A simpática senhora respondeu-me “156 milímetros, IVA incluído”. Como, de momento, estava sem nenhuma nota no bolso, perguntei se poderia pagar por Multibanco. Ela respondeu que, infelizmente, não podia ser, a balança estava avariada.

Conclusão: desde esse momento aqui fiquei, neste belo Hospital, limpando sanitas, noite e dia e dia e noite, só para pagar a consulta. Contas feitas, ainda me faltam 46 hectares para acabar de pagar a minha dívida que, com os juros freneticamente aos saltos na cama da Euribor (essa perversa maluca!), subiu para os 657.987 metros cúbicos.

Enfim, mas estar aqui sempre tem as suas vantagens - todas as tardes, à saída, o médico verifica-me o peso para ver se a temperatura não subiu. Ou seja, aparte a infecção bacteriológica que apanhei nas sanitas, estou melhor, muito melhor – para aí uns dois quilos.

(Continua)

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terça-feira, abril 10, 2007

Sócrates por um cano

Segundo notícia de hoje à tarde da “Lusa”, “José Sócrates foi apresentado como engenheiro no Parlamento em 1993, surgindo na Biografia dos Deputados da Assembleia da República como licenciado em engenharia civil em 1993 - um diploma que, eventualmente, obteve em 1996 na Universidade Independente”. Tal era a ganância de ser “sôrengenheiro”!

Ainda a propósito deste caso, algumas perplexidades que me continuam a atormentar (bom, a comichão por causa do pé-de-atleta atormenta-me mais mas, em todo o caso, isto também é chato):

- Não sendo o curso da Universidade Independente (UnI), em 1996 (e, muito menos, agora...), reconhecido pela Ordem dos Engenheiros, porque é que se transferiu do ISEL - não completando ali a licenciatura, ficando-se pelo bacharelato - para lá terminar os seus estudos, num curso pelo qual nunca poderia usar o tão desejado (conforme demonstra a notícia da “Lusa”) título de “engenheiro”?

- Será que o fez porque, no ISEL, ainda lhe faltavam 12 cadeiras ministradas por desconhecidos e, na Independente, apenas 5(!) cadeiras dadas por um amigo e com processos mais (digamos) “soft” de as tirar?
- Porque é que não tendo (conforme o próprio já admitiu publicamente) a “pós-graduação em Engenharia Sanitária, na Escola Nacional de Saúde Pública” (que consta do Portal do Governo) mas sim um MBA em Gestão pelo ISCTE (de acordo com o que disse ontem o ministro Mariano Gago), na biografia oficial continua a aparecer o primeiro e não o segundo? Será que, este último, também mete confusões?

Tudo isto é estranho, muito estranho. Mas, aparentemente, mais estranho ainda é o silêncio do PSD que, meio moribundo e com uma gigantesca garrafa de oxigénio à mão, prefere não a usar. Mas... e se, afinal, não é tão estranho assim, mas apenas o costumeiro “bloco central” a fazer a sua gestão?

Explicando. A maioria das universidades privadas alberga, como administradores, professores ou alunos, grande parte da nossa classe política “central” que, assim, vai conseguindo estatuto e cargos “mais à sua medida” - vejam-se as coincidências do líder do PSD, Marques Mendes, ser, em 1996 (curiosamente o ano da eventual licenciatura socrática), docente da UnI ou de Armando Vara, do PS, acabar o seu curso (na Independente, pois claro!) exactamente uma semana antes de ser nomeado para a administração da Caixa Geral de Depósitos.

Por outras palavras: para além de serem locais de fácil lucro (os pais que querem que um seu filho entre numa universidade para tirar um curso e ele não consegue notas de admissão às estatais, sacam das notas – se as tiverem, evidentemente – para o conseguir), como também são o sítio onde alguns “centrais” vão administrando o alto fluxo monetário (e acumulando riqueza e poder), outros vão dando aulas (e acumulando notoriedade e prestígio) e outros “centrais” ainda, disfarçados de alunos, vão fazendo cursos à medida, bem cozinhados e... na brasa!

Então será que, a esta luz, não se perceberá porque é que os sucessivos relatórios e recomendações de inúmeras inspecções efectuadas aos estabelecimentos de ensino superior privado nunca tiveram consequências? E não se perceberá melhor, também, que só seja agora, quando se dá uma bronca de lavagem de dinheiro e tráfico de diamantes – ou seja, quando já não seria possível continuar a tapar o sol com a peneira - que se tenha reparado na “manifesta degradação pedagógica”, citando Mariano Gago?

Por fim, uma nota mais pessoal: Considero José Sócrates dos melhores (se não o melhor) primeiro-ministros que Portugal teve e, conforme já escrevi em texto anterior, é-me totalmente irrelevante qual a sua profissão de origem. Mas, infelizmente, toda esta situação parece reveladora de um carácter que não se encaixa, minimamente, com a imagem sempre transmitida por Sócrates de trabalho e perseverança, para além do respeito por todas as regras socialmente aceites - e, diga ele o que disser na quarta-feira, o facto é que enganou os portugueses ao fazer-se passar, anos a fio, pelo que efectivamente não era. Para além disso, mesmo que, nesse dia (na televisão e não no Parlamento – fantástico o respeito pelas regras da democracia!), dê uma explicação credível e cabal para toda esta confusão, não acredito que lhe reste cara para falar em sacrifícios, trabalho ou moralidades, acabando por sair desta trapalhada completamente enfraquecido.

E tudo isto só para não ser tratado por “Sr. Sócrates”...

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sábado, abril 07, 2007

Sócrates por um canudo

Antes do mais e como ponto prévio, queria que ficasse bem claro que, na minha opinião, o facto de o primeiro-ministro ser ou não engenheiro é totalmente irrelevante, já que não está a projectar nem pontes, nem barragens, nem a fazer engenharia de qualquer tipo, mas sim a exercer um cargo político, cargo esse em que o mais importante não é possuir títulos nem grandes conhecimentos científicos, mas sim ter mínimos de cultura geral e inteligência (bom, de preferência um pouco mais que mínimos...) e um máximo de bom senso. Ou seja, Sócrates poderia ser, de origem, padeiro, médico, merceeiro, advogado ou motorista que não interessaria rigorosamente nada para as funções que exerce. Esclarecido este aspecto, prossigamos.

Segundo a biografia oficial do primeiro-ministro, recentemente alterada no portal do governo(*), o primeiro-ministro é “licenciado em engenharia civil” e não “engenheiro civil”, conforme, aliás, constava da versão anterior no mesmo site. Ou seja, o primeiro grande mistério de que tanto se fala foi resolvido pelo próprio – José Sócrates não é, de facto, engenheiro. Mas... “licenciado em engenharia” ou “engenheiro” não é a mesma coisa? - perguntarão alguns leitores. Não, efectivamente não é. Esclarecendo: após a conclusão da licenciatura e para que se possa exercer engenharia, é necessário apresentar na Ordem dos Engenheiros certificado de habilitações passado pela instituição – por aquela reconhecida - onde o estudante se licenciou, fazer exame ou tese de admissão (este aspecto foi sendo alterado ao longo do tempo) à mesma Ordem, ser-se nessa sede aprovado e, posteriormente, inscrever-se como seu membro. A partir daí, e só nesse caso, se poderá assinar projectos e utilizar o título de “engenheiro”. Assim, deduz-se que, a José Sócrates, falta um ou mais destes requisitos, sendo legítimas e possíveis diversas interrogações, nomeadamente “será que o curso e a instituição que frequentou são reconhecidos pela Ordem dos Engenheiros?” ou “será que tem certificado de habilitações válido?” ou, mais prosaicamente, “será que, apenas, não esteve com paciência para fazer outro exame?” (esta última não parece muito plausível, já que, segundo a biografia oficial, ainda fez um curso de pós-graduação... ). Bom, conclua o leitor como (e se) entender...

Quanto ao outro mistério - se realmente fez a licenciatura -, como em qualquer filme de suspense que se preze, fica-se à espera de resolução nos episódios seguintes, sendo previsível que o próximo passe na segunda-feira que vem numa televisão perto de si.

Duas reflexões, no entanto, me parecem importantes fazer sobre todo este caso. A saber:

- A primeira, a do folhetim “tem título ou não tem”. José Sócrates, o grande defensor dos “planos tecnológicos” e das “formações profissionais” mostrou que, infelizmente, também segue o bacoco exemplo do país que temos: quer sempre fazer-se passar por algo que, realmente, não é (veja-se o boom do crédito para compra de carro e outros bens pessoais, à custa de astronómicos endividamentos...), sendo que o “canudo” - que tomou uma importância que só se pode justificar como forma de "tapar" a incompetência ("não sabe fazer nada, é certo, mas é doutor!”) - e não a capacidade e os valores pessoal e profissional, ainda abre muitas portas e carrega consigo resmas de prestígio. Mas, por comparação, olhemos um pouco lá para fora: Lula é metalúrgico (e di-lo - e bem - alto e bom som, com sentido orgulho), Blair não tem (como Churchill não tinha) qualquer curso superior, Chirac (como Miterrand) também não, Putin (como Gorbachev) nunca se formou - e por aí fora - e não é por isso que houve, há ou haverá qualquer problema; é irrelevante a “profissão civil”, o que interessa é se se é um bom primeiro-ministro ou um mau primeiro-ministro. Apenas isso. Aliás, não nos esqueçamos, no pólo oposto, da bela governação de Santana Lopes, que não só é “Dr.” como, ao que se sabe, legítimo e ilustre membro da Ordem dos Advogados...

- A segunda, sobre o próprio ensino superior privado em Portugal. Como salta à vista de um cego, este caso só vem revelar factos que toda a gente está careca de saber, nomeadamente a completa incompetência, desorganização e nenhuma credibilidade da grande maioria dos cursos desse tipo de ensino, cujo único objectivo de excelência é cobrar elevadas propinas. Por outras palavras, há cursos em Portugal em que quase se compram "canudos". Como é evidente, existem excelentes universidade privadas (a “Católica”, por exemplo) que ministram óptimos cursos, não está “tudo no mesmo saco”. Mas precisamente por isso e por forma a “separar o trigo do joio”, terá sempre que haver (e, actualmente, não há, sabe-se lá com que interesses por detrás...) controlo, inspecções periódicas, análises frequentes e todo um vasto conjunto de mecanismos de salvaguarda da qualidade do ensino, por forma a que os estudantes realmente interessados em aprender (e respectivas famílias) não acabem a comprar “gato por lebre” e façam a sua escolha de universidade de um modo informado, livre e consciente. Acessoriamente, todo este caso está também a mostrar à evidência o regime de compadrio em que boa parte do ensino superior privado funciona - hoje és meu professor, amanhã meu acessor, depois contratas amigos meus, a seguir eu nomeio amigos teus para a administração de uma empresa pública, depois dás-me um mestradito...

Finalmente, uma curiosidade a propósito: só mesmo neste país é que a (brilhante) série televisiva de título original "House" tem direito a “canudo”. Ou seja, em Portugal é... Dr. House!
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(*) “http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Primeiro_Ministro/Biografia/”
“Primeiro-Ministro - breve nota biográfica
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Nascido em Vilar de Maçada, concelho de Alijó, distrito de Vila Real, em 6 de Setembro de 1957
Licenciado em engenharia civil
Pós-graduado em Engenharia Sanitária, na Escola Nacional de Saúde Pública”

A título de curiosidade apenas, a biografia oficial não assinala nem data de conclusão de curso nem por onde, contrariamente ao que acontece com outros membros do Governo - provavelmente por ser, apenas, “breve”, conforme consta do seu título,“breve nota biográfica”. .. (que, se calhar, é assim abreviada porque o seu autor não tinha tempo para mais, atrasado que estava para as aulas...)

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sexta-feira, abril 06, 2007

A fuga

A semana passada perdi um testículo.

...

...

Já pararam de chorar? Bom, continuando.

Foi assim: ia a andar na rua, descontraidamente e sem pensar em nada de especial, nem mesmo imaginando o meu colesterol completamente nu – imagem recorrente que me assola sempre que vejo um passeio em calçada à portuguesa, vá lá saber-se porquê - quando, de repente... plim!... pirou-se! Ainda o vi a correr (ou, mais precisamente, a rebolar) rua fora, esquina fora, rua fora, mas não havia qualquer hipótese de o apanhar – toda a gente sabe que, quando um testículo começa a correr (ou a rebolar, seja), nunca mais ninguém o alcança. Bom... mas, de facto, não faz mal - felizmente às sextas sou mulher. Adiante.

O problema, evidentemente, não foi esse, isso foi apenas um sinal – é que, dois dias depois, fugiu-me uma orelha. Uma hora mais, a outra. “Chiça!”, gritei eu sem me ouvir, situação normalmente designada, em Medicina, por “síndroma de Beethoven” ou, no jargão da luta greco-romana, um "duplo Van Gogh". Mas, infelizmente, o pior ainda estava para vir. No dia seguinte, foi a vez da boca. “Que porra, é demais”, disse eu sem hipótese de o dizer, no tecnicamente chamado “síndroma de Que Porra Esta”. Mais dois dias e era o nariz que tirava bilhete. “Isto já me está a cheirar mal!”, pensei eu sem hipótese de cheirar – ou, em termos técnicos, “snifas mas não snifas”. Mais um dia ainda e piraram-se os dois dedos mindinho, situação inqualificável dos pontos de vista quer técnico, quer emotivo, quer da própria ‘TV- Guia’.

“Que mais me poderá acontecer?”, suspirei desesperado.

Passando para o dia de hoje. Quando cheguei, completamente incompleto, ao pé dela, jurou-me que não fazia mal, que me amava pelo que eu era por dentro - mais orelha menos orelha, era-lhe indiferente.

No entanto, e uma ecografia depois, foi a vez de ela se pirar - fui traído pelo fígado, que também se havia posto em fuga, com a vesícula da boazuda da minha vizinha do lado. Ao que parece, estavam em Acapulco, freneticamente fazendo células estaminais indiferenciadas num qualquer motel rasca.

Já nem nos órgãos se pode confiar!

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quinta-feira, abril 05, 2007

Bipolaridades

- Toda a gente tem a mania do serviço público, o serviço público é que é bestial e até faz bem à diabetes mas... dos 10 programas mais vistos da televisão portuguesa, 11 são novelas, 12 são jogos de futebol e a RTP2 tem uns brilhantes 4% de audiências.

- Toda a gente, nas sondagens, acha que o Sócrates é bestial, tem-nos grandes e, pelo menos, 7 mas... fica tudo deliciado com a hipótese do desgraçado cair em desgraça por, afinal, não ter canudo nenhum - ou por já estar a ver o curso por um canudo, tanto faz. (Já agora, como se isso fosse importante...)

- Toda a gente diz que o dinheiro não traz a felicidade, mas... à sexta-feira há filas para o Euromilhões ainda maiores do que as dos concertos do Tony Carreira.

- Toda a gente vibra com as vitórias do Mourinho mas... quando o homem não ganha, rosna tudo entre dentes “é bem feito, arrogante do caraças!”.

- Toda a gente diz que o Estado é prepotente, que retira privilégios e direitos, que estamos quase numa ditadura e que não há direito, nem esquerdo, nem nada mas... o maior português de sempre, afinal, foi o Salazar.

Enfim, bipolaridades...


PS - “Distúrbio bipolar é uma forma de distúrbio de humor caracterizado pela variação do humor entre uma fase de maníaca ou hipomania, hiperatividade e grande imaginação, e uma fase de depressão de inibição, lentidão para conceber ideias e realizar, e ansiedade ou tristeza. Juntos estes sintomas são comumente conhecidos como depressão maníaca.” in “Wikipédia”
PPS - O português (e, em particular, a pontuação) da definição acima está lindo!

domingo, abril 01, 2007

Com sabor a pêssego

Convidei-a para jantar num restaurante árabe de comida italiana - ela aceitou. Lá chegados, indicaram-nos uma romântica mesa bem ao fundo, meia luz, meio isolada. Escolhi um bife sem proteínas e ela umas massas sem hidratos de carbono. Enquanto esperávamos, fomos falando sem som e tocando-nos sem pele. Chegada a refeição, reparei que se tinham enganado: em vez do bife sem proteínas, tinham trazido um ananás sem vitaminas, com sabor a cipreste e perfumado com aloé vera. “Não faz mal”, disse por mim a curiosidade – já me tinham falado naquele prato, há muito que o queria experimentar.

- Para beber?
- Uma água sem líquido e uma cerveja com álcool.
- Lamento, mas cerveja com álcool não temos.
- Deixe estar, partilhamos a água.

Ao longe, pela janela sem vidro, olhámos uma lua de plástico, de sedutora cor lilás, enquanto ouvíamos um cantor que se esforçava por não emitir qualquer som. Degustámos a comida - sem a trincar, claro -, enquanto trocávamos promessas que, como qualquer promessa que se preze, seriam impossíveis de cumprir. Algum tempo depois, levaram-nos os pratos, evidentemente intactos.

- Sobremesa?
- Uma trouxa de ovos sem ovo e um café sem chávena, por favor.
- Com certeza.

Paguei uma conta sem algarismos, apresentada numa fusão de braille com telepatia, enquanto ainda saboreava a estranha amargura daquele amor profundo. Levei-a a casa e, quando ela me perguntou se queria subir à sua suburbana sub-cave para um copo sem copo, inventei uma desculpa qualquer para recusar e vir embora - o que a deixou ligeiramente desconfiada.

“Não faz mal”, pensei, “o risco vale a pena” – é que tinha um encontro combinado à meia-noite com a minha querida boneca insuflável, feita à perfeita imagem da minha namorada mas, aquela sim, com verdadeiro sabor a mulher.

Ah, e dançámos um saboroso tango antes de fazermos amor com genuíno sabor selvagem.

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