CUOTIDIANO

quarta-feira, agosto 29, 2007

Os títulos das notícias

Como toda a gente que não esteja a dormir 24 horas por dia constatará, as notícias já não são notícias – são apenas espectáculo e como tal são vendidas. E por onde é que se começa a venda de um espectáculo? Pelo título. Há uns anos atrás, Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas perceberam-no bem e contrataram, na época áurea do “Independente”, uma equipa que se dedicava, em exclusivo, a criar os títulos bombásticos que usavam - que, reconheça-se, eram normalmente inteligentes, com sentido de humor e sem alarvidades (pelo menos a maioria ...).(*)

Mas, actualmente, a que é que assistimos? Na sistemática transformação dos títulos na forma mais baixa e rasca de chamar à atenção das pessoas (de que é um bom exemplo o “24 horas”, aquela coisa a que há quem chame de “jornal”), manipulando os seus sentimentos e instintos mais básicos, num crescendo de absurdo, espalhafato e idiotice, cuja única virtude é a coerência com a disparatada “notícia” que normalmente a seguir se desenvolve.

Vem isto a propósito de hoje, a caminho do escritório (outro absurdo de Agosto...), ter ouvido na rádio uma "notícia" sobre os devastadores incêndios na Grécia e o anúncio a uma revista, cujo maior chamariz era o título citado de mais uma outra “notícia” sobre o caso Maddie.

O primeiro título era “Grécia – após os incêndios, as inundações”. Fiquei atento – será que, de repente, tinha começado a chover copiosamente? Será que alguém tinha rogado uma praga (no caso, duas) para cima dos desgraçados dos gregos? Parecia-me improvável mas, sabe-se lá, com as alterações climáticas que estão a acontecer... (recordo que, ainda há pouco tempo, nevava na África do Sul, pelo que tudo seria possível). Afinal não. A "notícia" continuava dizendo que “peritos advertem para posterior perigo de inundações, consequência das condições do solo após os incêndios”. Ou seja, como uma catástrofe já “estava gasta” do ponto de vista noticioso, inventa-se logo outra, mesmo não tendo acontecido! Há coisas fantásticas, não há?

Quanto ao segundo título (o da revista) era “Caso de Natasha Kampus reforça teoria de que Maddie está viva”. Hã? Diga lá outra vez! Então se a criança austríaca raptada tivesse morrido o título seria “Caso de Natasha Kampus reforça teoria de que Maddie está morta”? Mas o que é que uma coisa tem a ver com outra? Há (infelizmente) centenas de casos de raptos de crianças por dia e uns acabam em bem, outros nunca são deslindados, noutros a criança é morta... em que é que um (um, sublinho) exemplo que acaba (mais ou menos) bem reforça qualquer teoria? Mais uma vez, o título-espectáculo ataca! Usando a angústia e o desejo das pessoas de que a criança se encontre bem, cria-se uma “teoria” (palavra que soa sempre a credibilidade e respeitabilidade – só os cientistas têm teorias, os “mortais” têm opiniões), sabendo-se à partida que, com esse jogo de emoções, se vai vender mais facilmente o sabonete disfarçado de notícia.


Como a fome já não vende e os aumentos da gasolina também não, há que explorar o novo filão: os mais básicos sentimentos das pessoas. E assim, em pequenos passos de que os títulos das notícias são só um minúsculo exemplo, lá vamos, placidamente, transformando o nosso mundo em apenas mais um execrável “reallity show”.



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(*) - Depois, com as tiragens a baixar, vendo que não conseguiriam ultrapassar a do “Expresso” e já não havendo Cavaco para chatear, borrifaram no assunto e saíram de cena. Após umas quantas confusões, aquela coisa de Inês Serra Lopes (na sua única oportunidade de ser Directora do que quer que seja) pegou no dinheiro do Papá e ficou Chefe, conseguindo ainda ir a tempo de dar o seu cunho pessoal ao naufrágio do “Independente”.

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quarta-feira, agosto 22, 2007

Dog Mendonça, um post interactivo (era hiperactivo mas dei-lhe uma chapada e acalmou)

Li no “Público” de Domingo um artigo/entrevista com Filipe Melo, considerado um dos melhores pianistas de jazz portugueses, cuja paixão/obsessão não é, curiosamente, a música mas sim o cinema. Nesse texto era referido que um dos filmes que planeia (ou melhor, sonha) fazer ir-se-á intitular “Dog Mendonça”, do género fantástico, “com formigas gigantes, o dia do juízo final passado em Lisboa, um entregador de pizzas, um lobisomem de meia-idade e um exército de mutantes” – simultânea e estranhamente também, será “uma história de amor”.

Não sei se do absinto se da hora (ou se das horas de absinto), dei comigo a pensar que ou o título, ou o tema ou os personagens (ou todos) tinha algo a ver comigo – não conseguia era descobrir o quê. Também não sei se do absurdo da hora, magiquei que, se calhar, estaria relacionado com o meu “ex-casamento”. Mas não podia ser – porque o filme não só era do género “fantástico” como também “uma história de amor”. Se calhar a relação casamenteira estaria relacionada com o “exército de mutantes” que constituía a família dela – a minha era composta, na altura, apenas por um caracol. A bem dizer, no início do copo-de-água já que, sendo certo que era meu tio, também é verdade que estava delicioso. Ah, também desapareceram uns candelabros de prata mas juro pela casca (que nos moluscos gastrópodes ranhosos faz a vez de alma) do caracol que estou inocente!

De seguida pus a hipótese de “o dia do juízo final em Lisboa” estar relacionado com a minha actual estadia em Agosto, em calor, em desespero, em Lisboa, em overdose de trabalho – diga-se de passagem uma overdose feliz, já que os consequentes honorários me permitiriam assegurar, pelo menos até ao pôr-do-sol seguinte, a sobrevivência das “formigas gigantes” a que dei origem. Mas... “‘pera aí, se calhar é isso!”, pensei. Não, não podia ser - desisti da ideia já que era demasiado óbvio para a minha complicada mioleira... e eu, como toda a gente sabe, tenho uma mente arraçada de corno de carneiro velho.

Depois explorei a hipótese “entregador de pizzas”. Mas como pizza não é coisa que eu coma porque detesto queijo, em que é que isso se relacionaria comigo? Teria a ver com tartarugas-ninja, a vinda do Derlei para o Sporting, ou de o Verão em Moscovo ter calhado à quarta-feira? Definitivamente estava a ficar baralhado.

Estava eu nestas regurgitações mentais (e noutras físicas) quando, repentinamente, me vieram mudar os lençóis - por engano, claro, já que eu havia apenas pedido, uma hora antes, o serviço de quartos para mudança de lentes de contacto. Em todo o caso, o cheiro a queijo, quase que por milagre, havia desaparecido. Viria daí a relação com as pizzas? “Humm”, duvidei eu de novo.

Bom. Sobrava o “lobisomem de meia-idade”. Seria ele Dog Mendonça? Ou apenas uma frigideira onde, outrora, fritei um capachinho de seda pura? Ou estaria Deus com um chapéu de palhaço? E o que é que isso teria a ver comigo? “Chiça, está difícil!”, lembro-me que comentei para o meu chiuaua imaginário. (Não me lembro é da resposta da porcaria do cão – se calhar porque na altura estava com pouco sinal na imaginação).

Mais um absinto mais uma viagem e adormeci meio inconsciente (mas, consequentemente, também meio consciente - o que não é nada mau, já que 50% de consciência é um nível bastante superior ao que alguma vez terá a grande maioria dos taxistas de Lisboa), enquanto ia ouvindo (ou imaginando ouvir, não sei bem), cada vez mais ao longe, os uivos filosóficos de Dog Mendonça, ao ser finamente sodomizado pelos seus companheiros de cela – numa sodomização que não era uma sodomização qualquer, era daquelas de nível elevado, nomeadamente de colesterol, utilizando acessórios, utensílios e fetiches do mais elevado calibre socio-cultural, tais como caviar, tacos de golfe com cabos de prata, factorings e quadros daquele menino de lágrima furtiva dentro de um canil abandonado (o canil, claro). Sim, era uma sodomia tipo “five stars”, não uma sodomia qualquer, como fazem os (blherc!) pobres, que nem sodomizar sabem – ainda por cima fazem-no sem qualquer convicção e, mais ainda, logo a seguir ao futebol, utilizando sardinhas assadas, pimentos crus ou uma qualquer aparição religiosa que ali passe por engano, perdida no seu caminho para Fátima.

Lopes, claro. A do programa. A que o povo grama.

Adormeci - dizia eu - só tendo sido acordado há pouco por um traque absolutamente formal e distinto da empregada da limpeza do motel onde me hospedei para fugir de uma prostituta maneta.


Ah, desculpem, estive a divagar, deve ter sido do absunto, já estou norbal outra vez. Bom, mas voltando à minha interrogação inicial - o que é que Dog Mendonça teria a ver comigo?


Já que estamos na silly season, aceitam-se sugestões. De todos menos do próprio Dog Mendonça, claro. Seria inside trading.

Ou peiding.

Não sei.

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sábado, agosto 11, 2007

Detesto jejum de sexo – mas tenho de me aguentar à bronca!

Era eu miúdo quando uma mosca poisou no meu círculo familiar. As moscas têm destas manias, vá lá saber-se porquê. É que se recusam mesmo a poisar em quadrados familiares...

Adiante. O meu círculo familiar era constituído por psicólogos e assassinos patológicos. Ou psicólogos patológicos e assassinos, não me lembro bem. Bom, seja como for, o meu círculo familiar enxotou-a dizendo “pu!”. E isso marcou-me a infância. O “pu!”. “Pu!”, vejam bem... Ah, e também a noção de círculo.

Seja como for, depois cresci e, empurrado por um tsunami de desemprego, aceitei trabalho como grelhador de tecto, aquela coisa iluminada e maravilhosa, simultaneamente juiz e júri, que decide quais as moscas que vivem e quais as que morrem – claro está, nunca fui clemente (nem uma ervilha, pelo menos que me lembre) e, por isso, passei tardes encantadoras, noites inesquecíveis de feéricas condenações à morte.

Até que, um dia, uma daquelas moscas pronunciou, mesmo antes do “trric!” final, um estranhíssimo “pu!”. Fez-me regressar aos traumas de infância. Controlei o óbvio impulso de me demitir e meti baixa por “incapacidade psicológica permanente” - ou “inóspita vontade de fazer cocó”, também não me lembro bem. Seja como for, saí dali.

Depois cresci ainda mais, bati com a cabeça no tecto e fiz amor com uma mosca morta - a minha ex-mulher -, no que foi a minha primeira erecção necrófila! Yupiiii!

“Pu!”, disse ela.

F***-**!

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sexta-feira, agosto 03, 2007

Transbordante de amor

Saí de casa transbordante de amor. Estava mesmo, mesmo quase a rebentar. Precisava de um beijo, de dançar, saltar, gritar “Gertrudes da Silva!” - qualquer coisa que fosse, senão explodia!

Passei em frente ao quiosque do costume, onde estava, como em todos os outros dias, aquela rapariga de branco, de verde, de pé, que todas as manhãs, noites, madrugadas, devassava a privacidade da minha imaginação, ao aparecer sempre nua em todas as ocasiões – mesmo quando eu apenas sonhava com os números do Totoloto.

Ela nunca reparara em mim, confesso. Por isso, nesse dia resolvi improvisar. Pus uma maçã na boca e atravessei a rua, bem em frente ao local onde ela estava – não acredito que ela não reparasse em mim tomando-me pelo “porquinho babe”, o meu ídolo sexual! Por azar era judia e não comia carne de porco – até na gastronomia religiosa tenho azar...

Bom, adiante. Transbordante que estava, passei pela papelaria, onde uma valquíria lésbica vigiava o tabaco – esforcei-me por ficar ali um pouco mas, obviamente, fugi, já que tanta masculinidade junta só poderia dar bronca.

É verdade – continuava desesperado, tal era a minha “transbordância” de amor.

Mas continuei. Por mera coincidência reparei que, no passeio oposto aquele em que estava, o Estado violava mais um cidadão, numa cena de sodomia e manteiga light. Tudo normal, portanto.

Bom. Desesperado que estava, resolvi passar em frente ao talho, onde a estrábica filha do dono me olhou lascivamente e com uma faca afiada na mão – enfim, se calhar não era para mim que olhava, apenas para os bifes da pá; mas que se lixe!. Por momentos pensei engolir o orgulho (e as facas e também a visão infernal) e ir ter com ela. Felizmente, foi só por breves momentos e muito antes das muitas imperiais. Enquanto me afastava ainda a ouvi gritar que tinha sexo selvagem para oferecer, ao que eu respondi (de longe, claro!) que só se fosse em azul. Ela torceu o nariz e eu, aproveitando o momento de dúvida, resolvi vir-me embora com o nariz dela que, apesar de torcido, ainda me serviria para um belo fetiche!

Enfim, continuava desesperado e quase, mesmo quase, quase, quase a transbordar de amor. Rezei aos santos, principalmente aos da informática e dos filmes porno, tentando por todas as formas salvar-me sozinho, já que o Deus propriamente dito dormia, num ressonanço divino.

Continuei de novo. Reparei num cartaz numa porta – “Violência gratuita” – e resolvi entrar; tanto mais que, nos restaurantes, quando oferecem as azeitonas também como o caroço. Sim, sou doido por borlas, confesso.

Mal entrei, levei logo um banano que me deixou inconsciente, não sem antes ter terminado três órbitas completas ao candeeiro Luis XIV que vigiava a sala. Doeu-me à brava mas controlei-me – afinal sempre era de graça, não é?

Vim-me embora. Voltava eu a casa já conformado, quando deparo com um sapo, acabadinho de montar uma Internet. Era a minha oportunidade. Perguntei-lhe se podia ajudar e ele, generosamente, deixou-me montar um rooter azulado.

Saciei-me de amor.




(Pensei que sim. Até hoje, que te lembro enquanto escrevo coisa parvas).

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