CUOTIDIANO

segunda-feira, dezembro 31, 2007

(Mais uma) Passagem de ano

(Quando olho para a nossa cama vazia, vejo a minha cama cheia de memórias. De tempo. Oiço risos. Oiço beijos. Quero fugir dali - mas algo me prende. Será o teu fantasma, tua imagem, teu cheiro, teu gosto, sempre presentes em cada minuto, em todos os minutos da tua ausência? Nem sei.)

Paro à porta do quarto. Depois – lentamente - olho à volta. Deslizo o olhar pelas paredes fora. Reparo nas fotografias postas num velho quadro de cortiça pendurado que, pacientemente, aguarda a reforma. Recolho os olhares que sorriem através delas e guardo-os – sofregamente - na minha caixa de momentos privativa. É o que me resta, sabes? Os olhares das fotografias. Com cheiros e tudo. Depois – urgentemente - transporto-os comigo até ao bar mais próximo. É já ali, vês? Ali ao fundo! (E a caixa que me vai devorando...).

Passam horas sem passar. A espuma da cerveja evapora-se. E a celebrada espuma dos dias também. Mais um golo. Mais uma noite. E o pavor. E o pavor da noite. "Mais uma, se faz favor". E o cerco aperta. E a sede dói. "Mais uma, se faz favor".

Arrasto-me – agora mais lento - de novo para casa. Também arrasto séculos, também arrasto medos, também arrasto mil canções também lentas, também arrasto a estranha incerteza da cor dos teus olhos. (É que passou tanto tempo – sabes? - e eu nunca te olhei com a atenção que devia). Olho para a nossa cama vazia. E encho-a de mais dores. E espalho-lhe em cima mais pétalas de um tempo que não passa nunca.

Deito-me com a saudade de ti, que me vai consumindo tanto. Demais. E sei que também morro - mais um pouco, sempre mais um pouco - de mãos dadas contigo. E tudo isto sem que tu dês, sequer, por isso.

Passou mais um ano. O mundo roda. Festeja-se. Eu? Eu adormeço. Abraçado às infindáveis memórias de ti.

Etiquetas:

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Furando o piquete

Depois dos funcionários da ASAE terem feito greve por falta de condições de higiene e segurança no seu próprio trabalho, depois do aviso do Infarmed sobre o perigoso efeito secundário de um dado medicamento para deixar de fumar, que é o aumento da tendência para o suicídio (mas queriam mais eficácia? será que algum fumador, depois de se ter morto, voltará a fumar? – bom, talvez o Pulido Valente...), depois do Ministério da Saúde ter afirmado que o fecho das urgências em Anadia e do SAP de Alijó é "para o melhor das populações", depois de se saber que a mensagem de Natal da hiper-tradicionalista Rainha de Inglaterra irá ser também transmitida no YouTube, depois de um estudo holandês concluir que a obesidade reduz em 45 por cento as possibilidades de gravidez devido a uma substância chamada leptina – quando se trata, apenas, de um simples caso de “não consigo lá chegar com ele, chiça!”, depois de, esta semana, o petróleo ter baixado de preço, depois de cientistas terem ontem concluido que, afinal, não usamos só 10% do nosso cérebro - apesar de George Bush ser uma prova viva do contrário, depois do próprio Santana Lopes ter achado que “está tudo doido!”, depois disto tudo, acho que não será muito desenquadrado furar a minha greve só para vos desejar um


Feliz Natal!



PS – Quem goste e possa que se divirta por mim, faxavor! Eu vou regressar à greve.

Etiquetas:

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Blogue em Greve!


Como detesto a época, o espírito da época, a comida da época – sempre “especial de Natal” -, o espírito da comida da época, as iluminações da época, as prendas da época com dia marcado, os sorrisos da época com hora marcada, as canções da época (então as em canto gregoriano, talvez o pior de tudo - ao ponto de levar uma pessoa à loucura ou ao gregório propriamente dito!), os CD’s e os perfumes em promoção, os Pais Natal de barba à banda e peida inchada – será uma peida “especial de Natal”? -, os primos desses pendurados nas janelas, as lareiras de plástico, as árvores de plástico – única ocasião em que o plástico é mais ecológico que o natural, já que, ao menos assim, não se abatem tantas árvores -, a neve artificial com cheiro a peixe ou pior ainda, os beijos da avó sem dentes de não sei quem, o afinal até gostamos todos à brava uns dos outros, os presépios grandes, pequenos, médios, mas sempre demais, as renas da época, a exibição de 1.023.456 filmes sobre a vida de Cristo ao ponto de enjoar o próprio Cristo e, principalmente, porque detesto aqueles gajos que detestam o Natal,



ESTOU EM GREVE!



PS – Até qualquer dia.

Etiquetas:

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Mais coisas giras

Chavada - O grande democrata Chavez promoveu um referendo em que se questionavam os venezuelanos sobre se quereriam mudar cerca de 20%(!) da sua constituição alterando, entre outros aspectos, a limitação do número de mandatos presidenciais para... infinito (e, por consequência, eternizando Chavez no poder), dando completo controle das finanças ao presidente (ou seja, a ele) e retirando a independência do banco central venezuelano, passando o mesmo a estar apenas dependente do chefe de estado (por uma espantosa coincidência, ele outra vez). Curiosamente, e mesmo com toda a máquina de “self-propaganda” e com todos os seus mui democráticos processos de asfixia da oposição, perdeu o referendo. No entanto, já veio avisar que a luta dele “é uma batalha extensa” e que isto foi, apenas, um pequeno revés sem importância e que o seu rumo se mantém. Como tem até 2013 para resolver estes assuntos, cheira-me que, a bem ou a mal (provavelmente a mal) e mais cedo ou mais tarde (provavelmente mais cedo), ele tratará destes... contratempos. Não sei porquê... cheira-me...

Bushada - Foi tornado público o relatório conjunto de 16(!) agências de espionagem, informação, contra-espionagem, contra-informação, espionagem-contra-espionagem... norte-americanas em que se afirmava que o Irão teria abandonado o seu programa nuclear militar em 2003 e que não representaria qualquer ameaça desse teor – aliás, o mesmo que já havia dito a agência nuclear da ONU. No entanto, o inenarrável e descerebrado Bush, com toda a sua experiência anterior (e tão bem sucedida que tem sido, quer no Afeganistão quer, principalmente, no Iraque), veio dizer, basicamente, que “não tem mas pode vir a ter - o melhor é rebentar com esses gajos já!” ou, em inglês, “fuck them!”. Curiosamente, também foi o que disse do Iraque e é o que se vê... Mas será que aquele burro não aprende nunca?!

Cimeirada – Vai decorrer em Lisboa uma cimeira Europa-África, com dezenas de líderes dos dois continentes, com Sócrates a abanar o rabinho de contente (“eu é que sou o presidente da União Europeia”, “eu é que sou o presidente”, “eu é que sou”, “eu”, “eu”...) e com toda a imprensa entretida e divertidíssima com a novela do vem não vem do ditador Mugabe e o consequente vem não vem do very british Gordon Brown. No entanto, ninguém fala que já foi acordado que o tema Darfur vai estar... fora da cimeira! Parece que não dá muito jeito... realmente... a imagem de tanta fome, miséria, violação, estropiação, medo e morte, só iria estragar as digestões a seguir aos banquetes que Portugal irá oferecer àquelas gravatas todas (“eu é que sou o presidente da União Europeia”, “eu é que sou o presidente”, “eu é que sou”, “eu”, “eu”...).

PSDada – O PSD, na assembleia municipal de Lisboa, apresentou uma proposta alternativa à de António Costa, para efeitos de um empréstimo para pagamento de anteriores dívidas camarárias. Até aqui tudo bem. No entanto, a proposta - apresentada pelo PSD, repito - foi aprovada, mas com a abstenção do... PSD!

Etiquetas:

terça-feira, dezembro 04, 2007

P'animar - uma história com moral e tudo!

Era uma vez um cocó. Passou por ele um rinoceronte e disse: “Ó cocó, estou muito chateado contigo!”

E o cocó: “E porquê?”

E o rinoceronte: “Porque te pisei e agora fiquei com o meu pezinho a cheirar mal.”

E o cocó: “E achas que isso é mau? E eu que fiquei meio esmagado?”


Moral da história: Anima-te - há sempre um cagalhão que está pior do que tu!

Etiquetas:

sábado, dezembro 01, 2007

Prismas

I
Quando ontem te vi estavas linda. Linda, mesmo. De azul (seria castanho?), de seda e, simultaneamente, de mármore. Também de mãos e palpitações avulsas, gesticulando com o tempo que sobrava - que sobra sempre, enquanto nos vai faltando. Sempre também.

Eu olhava para ti enquanto falavas. Pouco importava o que dizias. (Confesso que nem ouvia). Aliás, sempre que se fala, o que se diz é mesmo o que menos importa. Interessam os olhos, os gestos, o toque, o tom - e os olhos de novo.

Adiante. Não consigo lembrar o que dizias, apenas me lembro de ti. De azul (seria castanho?)

Depois, enquanto falavas, pensei

- quanto dos rios são parte de nós, quanto das saudades e da música e dos sons e do uivo dos cacilheiros somos nós também? E das nuvens? E das fontes e dos cheiros que ficam para além, muito para além da tua partida?

Não sei. Sei apenas que me faltas. Agora que escrevo. Agora que estou só. Agora que estás longe. Agora que morro.

II

Quando ontem te vi estavas na mesma. No teu modo parvo de ser, dizias as parvoíces do costume, com a dor à flor do riso – conheço-te melhor do que julgas, sabes? Também sei que estás dorido. Sei também que foges assim, no teu jeito meio a brincar, meio a fugir. Eu? Eu acho que ainda gosto do meu marido ou, pelo menos, tento fugir de gostar de ti - somos amigos, lembras-te? Espero que penses que apenas desabafo contigo ao fim da tarde, mesmo no princípio da mágoa, rés-vés ao voltar para casa. Sim, sei que também ficas só. Mas, neste parvo concurso de angústias, para mim fica pior – estar só dói mais se acompanhada, sabes? E estar só é, apenas, a pior forma de estar triste.

Adiante. Confesso que não sei o que sentir. Se o meu marido voltasse ao que era, se o tempo desse uma pirueta e voasse, se... mas, se calhar, ele é assim, sempre foi e eu sempre olhei para o lado. Como agora. Talvez... olha, nem sei. O pior é que, agora, quando olho para o lado, vejo-te – mesmo que lá não estejas. E depois dá-me um estranho e secreto gozo recordar quando nos tocamos em acasos calculados. E depois ainda – e muito pior - tu trazes-me essa porra desses olhos de azeitona morta - mas cheios de vida! E depois fazes-me rir. E depois fazes-me sentir importante, sentir que existo. Chiça, eu não consigo viver assim! Ama-me! (ou deixa-me...)

Mas agora volto para casa. Para os meus filhos. Para longe de ti. E tu longe, também. E quanto de nós ficou nos rios? Quanto de nós é saudade e música e nuvens e fontes e cheiros?

III

Hoje voltaste para casa com um sorriso estranho. Desconfiei. Aliás, ultimamente, tudo em ti é estranho. Até no modo de voltar para casa, o que dantes até era natural. Por normal que era.

Bebo mais um gin enquanto corto as cenouras para o arroz. Porra, cortei-me! E tu estás aí a sorrir. Será de me olhares? Deito para a panela tudo o que me angustia - o medo que sinto... - e também as cebolas. Porra, queimei-me! Pára de sorrir! - será que ainda me amas? Há que fugir, não me interessa, há que fingir, há que prosseguir - mais um copo - será que alguém te faz sorrir? - mais um copo - e o mundo rodopia e quem dança já não és tu, tu que tanto dançaste para mim e pára tudo – mais um copo – e tu rodopias à volta e nas voltas do meu desespero – mais um copo - e que farei comigo, chiça?!

Estou mais calmo. Penso: quanto de mim ficou na garrafa enquanto os rios corriam e te lavavam de nós?

Etiquetas: