CUOTIDIANO

segunda-feira, setembro 29, 2008

Fim

Após a Grande Festa do Esperma Indeciso, a última party de Verão no Beach Club de Algures, e conduzidas pelo seu forte instinto de supervivência, as Dondocas sentiram que era tempo de hibernar. Então recolheram às suas tocas, onde sobrevivem à época das chuvas, enroladas em revistas cor-de-rosa com as suas glamorosas fotografias na capa.

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sexta-feira, setembro 26, 2008

Agrafadores

Ela era uma mulher séria, seríssima, praticamente à prova de qualquer defeito mas, infelizmente, com um calcanhar de Aquiles – era completamente louca por agrafadores. Não havia hipótese: assim que passava por um - zás! - tinha forçosamente de ficar com ele. Em consequência disso, já se havia desfeito de quase tudo o que tinha em casa - marido incluído -, pois não havia espaço para praticamente mais nada que não os agrafadores.

Claro está que, em 2089, logo após a Grande Revolta dos Objectos, foi mandada prender pelo Directório Central, sob a acusação de “rapto agravado”, tendo sido condenada a prisão perpétua. O caso, que na altura teve grande cobertura mediática – e de chocolate também, já agora -, acabou revisto apenas em 2095, aquando da Contra Revolução do Papel, tendo sido solta de imediato por “grandes e nobres serviços prestados à Pátria”.

Como é evidente também, os agrafadores foram todos condenados à morte, sob as acusações de “tortura continuada e em massa, papelicídio e canto gregoriano desafinado”, embora a maioria dos observadores tenha manifestado sérias reservas à veracidade desta última.

Quanto a ela, vive internada numa clínica de desintoxicação, devido a manifestos e evidentes sintomas de abstinência prolongada.

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American Beauty

I
Ganhei milhões, gastei milhões, guardei milhões. Os meus amigos também. Comprámos tudo e mais alguma coisa. Temos tudo e mais alguma coisa. Vivemos à grande.
II
As nossas empresas perderam milhões e faliram. Viemos embora. Todos os outros pagam e pagarão os prejuízos. Continuamos a ter tudo e mais alguma coisa. Continuamos a viver à grande.
III
Acordei. O mesmo teso de sempre, infelizmente. Mas porque é que as coisas boas só acontecem mesmo na América ?

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sábado, setembro 20, 2008

Roaming

- Mas que m**** é esta?! – gritou furiosa, cuspindo asteriscos por todo o lado, mal abriu o envelope com o extracto da conta de telemóvel. – Estão doidos ou quê?! Que preços são estes?! Estes gajos vão ter de me ouvir!
Dito e feito. Foi até à Loja mais próxima e mandou chamar o gerente.
- O senhor já viu isto? – perguntou indignada, mostrando e batendo na factura. - Alguma vez eu posso ter gasto este dinheirão todo em chamadas? Alguma vez?
- Posso ver?
- Com certeza.
- Humm... mas a senhora tem aqui custos elevadíssimos de roaming. Fez vários telefonemas para fora, não é verdade?
- Impossível! Apenas falei com as mesmas pessoas de sempre, que estão nos mesmos sítios de sempre e nunca antes recebi nenhuma conta destas. Impossível. Ponto.
- Desculpe, mas tem aqui vários roamings para o séc. XII!
- Para o séc. XII? Mas acaso eu conheço alguém do séc. XII?! Por favor...
- Desculpe, mas deve conhecer. Pelo menos esteve ao telefone...
- O senhor deve estar a brincar, com certeza. Se ainda fosse no séc. XIX... aí até conheço - inclusive ás vezes falo com a Madame Bovary; mas para o séc. XII? Esses selvagens? O senhor acha-me com cara de quem se dá com gente dessa laia? Mas quem é que julga que eu sou?
- Tenha calma, minha senhora, não a estava a julgar nem a acusá-la de nada, limitava-me apenas a ler a sua factura. Mas... já agora, como é que fala com a Madame Bovary se ela é apenas uma personagem de um livro?
- Do mesmo modo que falo consigo e o senhor também não passa de um personagem – parvo, por sinal.
- Bom, lá isso é verdade, aí dou-lhe razão. Mas voltando às chamadas: estão todas discriminadas nesta factura, exactamente como manda a lei e, de facto, os grandes custos estão no roaming. Olhe, por exemplo, tem aqui uma chamada longuíssima para o séc. XV.
- Para o séc. XV? Alguma vez? Desse século só ouvi falar no Colombo mas é o Centro Comercial, caramba! Já lhe disse, essas chamadas eu não as fiz!
- Tem a certeza, minha senhora?
- Claro que tenho!
- Desculpe a pergunta – mas... tem filhos?
- Sim, um rapaz. E então?
- Então isso explica tudo! Os miúdos de hoje em dia são assim – quando ficam saturados de estar ao telemóvel sempre com os mesmos amigos, põe-se a falar com outros séculos. Já estou farto de ver casos desses, sabe...
- Bom, é capaz de ter razão, o meu filho, realmente, está sempre a levar-me o telemóvel. Olhe, é preciso ter paciência, não é?
- De facto, minha senhora, de facto.
- Só uma última pergunta: Com estes telemóveis novos que anunciam na televisão, a linha “Rebelde Gay”, já é possível falar para Espanha?
- Ah, ah, ah... desculpe, minha senhora, não me consegui conter. Não, não fazem esse tipo de chamadas, nem será possível nos próximos anos, não acredite em tudo o que lhe dizem. Infelizmente, a tecnologia ainda não foi tão longe quanto todos gostaríamos...
- Bom, paciência. Obrigada e desculpe a maçada, sim? Boa tarde, então.
- Ah, desculpe, antes de se ir embora, deixe-me só dizer-lhe que estamos na semana da promoção do afecto. Se quiser, pelo preço de dois abraços damos três.
- Bela ideia, é verdade, mas estou mesmo sem tempo, desculpe. Fica para a próxima. Obrigada na mesma. Boa tarde.
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PS - Eu sei que não é quem faz chamadas para fora que paga o roaming, mas dava jeito para a história... por isso resolvi "dar um toque" na realidade, tanto mais que estes textos são ficção - mais um pouco, menos um pouco, que se lixe. Mas que me desculpem os puristas.

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