CUOTIDIANO

sexta-feira, março 25, 2011

As hormonas são do caraças!

Quando ela achou que teria sido por um problema hormonal (só podia, mesmo – pelo menos eu acho…) que havia andado comigo, senti-me estranhamente lisonjeado. É que, anteriormente, eu já tinha feito com que mulheres gostassem de mim (nomeadamente a minha avó), a outras ter-lhes-ia alterado o humor (às vezes para melhor), a outras, ainda, havia-lhes provocado icterícia. Mas às hormonas… essas coisas inatingíveis dos pontos de vista quer científico, quer parvo… não, nunca, nunca lhes havia tocado a alma, nunca havia atingido tal feito!

Aí percebi que a felicidade que sentia era muito (mas muito) superior ao meu mais que vulgar miserabilismo - que era julgar que estava abandonado e deprimido e triste e velho e carcomido, qual Calimero depenado, de bengala e com a casca de ovo corroída por fungos libaneses.

Foi maravilhoso! Ser comparado à falta de uns comprimidos de estrogénio que, se tomados, fariam com que ela tivesse borrifado em mim logo na primeira hora, é fantástico! Então não é que andam milhares de cientistas a queimar pestanas, milhões de investidores a gastar dinheiro, biliões de farmacêuticos a matar-se a trabalhar - e eis quando eu, moi, je, valho tanto quanto esses preciosos comprimidinhos… Lindo!


Como é evidente, nunca mais quis saber dela – a partir desse momento, passei apenas a sair com hormonas. É que, ao menos essas, manifestam-se com a minha falta. (Bom, confesso que às vezes também vou tomar um copo com uma amiba – das giras, claro!)

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segunda-feira, março 14, 2011

Acordei – e tu?

Acordei ao som das ondas nalgando a falésia. Espreguicei-me, reparando que os saborosos grunhidos do bocejo rivalizavam com os agudos estalidos dos ombros que há muito haviam resolvido inundar-me a idade, numa estranha competição sonora felizmente cortada por um honesto e singelo peido, tão repentinamente oportuno quanto seria necessário para a minha difícil sobrevivência após uma noite de exagero de copos. Avançando (mas devagar que isto da ressaca só é suportável quando apenas escrito): unicamente com um olho e por falta de sinónimos, investiguei os meus lados. Todos. Não é que (estava capaz de jurar…) adormecera abraçado a alguém – e pirou-se?

Arrastei-me até à casa de banho – bem sei que tinha uma perfeita falta de hífenes mas água potável era coisa que, felizmente, não lhe faltava. Puxei o autoclismo, satisfeitíssimo com a minha “performance” – acho que cancro da próstata só para o ano -, lavei os dentes e, nem sei porquê, voltei ao quarto para verificar o nível do colchão de água. Estava bom; mais um indício de que, afinal, não adormecera abraçado a alguém – apenas, e como de costume, a ninguém.

Dia seguinte. Acordei ao som da falésia espreguiçando as ondas. Bocejei os ombros, articulando a idade. Peidei-me sem culpas, que isto dos cinquentas tem as suas vantagens. Infelizmente, a sobrevivência após mais uma noite de exagero de copos não as tem, bem pelo contrário. Ressacando (mas devagar - que avançar só é suportável quando visto apenas com um olho e com falta de sinónimos), resolvi investigar os meus lados lunares, solares e interplanetários. Todos, mesmo todos. E não é que (estava capaz de adormecer…) queria ter acordado abraçado a alguém – e pirou-se?

(e tu)

Onde estamos? Porque nos descruzámos e, por falta de acentos e apenas e só por isso, nos descruzamos? Porque não ouvi o som ao puxares o autoclismo? Porque será que nunca te consigo, sequer, ouvir, sejam as expressões ou o silêncio? Sentemo-nos. (Dá-me a mão, aperta-ma). Falemos.

(e eu)

Mas - sabes? - o som não sai, o tempo não flui, o medo escorre por entre os dedos e até às profundezas das dúvidas mais estranhas, absurdas, quais incontáveis experiências genéticas com a mesma pele, o mesmo tecido, as mesmas células que te, nos fizeram.

Entretanto, a falésia vai gemendo as estrelas por entre as dores das ondas que se perderam pelo meio dos oceanos, indecisas vagas dolorosamente perdidas dos golfinhos que as esperavam, por entre estalidos da saudade, por entre tempos em contratempo, por entre a ignorância do tão extraordinário quanto vulgar pó que permite que as borboletas voem, mesclando o seu voo de vida da infinita magia do milagre que é tudo o que se desconhece e que se espera que ninguém nos explique, tal qual aqueles truques a que todos assistimos na infância, num circo de Verão com cheiro a naftalina e ao suor das Irmãs Sisters que, por entre trapézios, esvoaçavam, entrelaçando-se e sorrindo, as entranhas da nossa imaginação enublada.

Estava capaz de jurar que havia encomendado uma boneca insuflável da Holanda. Ou, no mínimo, um compacto, com tudo a que tenho direito numa edição de gaveta e quase à prova de mulher-a-dias. E que ela estaria abraçada a mim de manhã, de hálito puro, só me largando para mijar (ficando gueixamente satisfeita com a minha “performance”, nem que fosse da lavagem dos dentes) ou para verificar o nível do colchão de água que poderia, compactamente, ter dado cabo com ela. Ou seja, com alguém.

Lembro-me de ter assistido, na infância e num circo de Verão, à profusão do cheiro a naftalina e suor das Irmãs Sisters, com mamas azuis e transbordantes de desejo, que – estava capaz de jurar… - haviam transbordado das revistas guardadas em sítios secretos e óbvios pelo meu pai que, estranhamente, apenas as comprara para ler os artigos científicos, independentemente das páginas colarem – aliás, sempre desconfiei da qualidade do papel daquelas revistas... eu? Eu é mais imagens.

Será que foste passear até à falésia? Tomar café ao Joaquim da Fruta, onde a maresia embala as cebolas e aumenta os preços - e entregam o correio? Olha, já que aí estás e passadas tantas horas sem voltares – as primeiras 24 são cruciais para saber se é rapto ou parto ou fuga ou não te quero -, será que podias trazer-me a encomenda da boneca holandesa e pô-la debaixo da porta, já que ainda ninguém a soprou?

Ou será que vagueias nas ondas para onde os golfinhos te levaram, sacrificando-te às borboletas que não conseguem voar e que esperam por um milagre - até que as Irmãs Sisters, por entre trapézios presos às nuvens, te resgatem e te tragam de novo à minha imaginação enublada ou, apenas, até que a falésia te devolva, por entre os gemidos das estrelas?

(e eu outra vez)

Mais um dia. Em ciclo, outro dia em que os dias não mudam. Lembro-me que acordei - de novo ao som da falésia. Espreguicei-me de velho, sentindo que não mais teria corpo, já que a idade não esbanja a sobrevivência após uma noite de exagero de copos. Por falta de sinónimos, resolvi assumir – sim, ainda estou bêbado, e por mais que quisesse ter adormecido abraçado a alguém, basta-me o som das ondas beijando a falésia para acordar desejando que fosses tu a pessoa à qual não me abracei. Mas que, mesmo morto, muito, muito quis.

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quinta-feira, março 03, 2011

Nada como mijar nas árvores

Comecei a pensar (há 3 minutos atrás) e concluí que, da mesma forma que um cão mija em todas as árvores próximas (conhecidas ou não) para deixar a sua marca, eu também ando sempre, circularmente, no mesmo filme – ou seja, tento deixar a minha marca que (espero…) seja um pouco mais elaborada que uma simples mijadela.

Tento fazer canções mas ninguém as quer ouvir; tento dizer “amo-te” mas nem sequer consigo dizê-lo; tento estar vivo mas, provavelmente, seria melhor, ainda que morto, mijar em arbustos de pé – ao menos isso conseguiria (acho eu, pelo menos antes da próstata se armar em parva e dizer-me para mudar de sexo).

Bom, seja como for, arrasto momentos, saudades, desejos, e uma infinita vontade de nunca mais ter de, por necessidade física, escrever uma palavra que seja. Por outras palavras, ‘bora aí subir às árvores para cagar para cima dos outros animais, sejam quais forem, só para atirar as culpas para cima dos rouxinóis. Era bem feito. Fixe!

Dizia eu: hoje só queria deixar alguma coisa de que os meus filhos se orgulhassem, nem que fosse o funeral pago, um livro escrito ou uma bomba na cabeça do Kadhafi. Mas não. Não consigo. Nunca hei-de fazer nada de memorável. Sou assim. Simplório. Nada. Um nada arraçado de assim. Nada, portanto.

Nada.

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