CUOTIDIANO

quarta-feira, junho 29, 2011

Psicólogos? Bem passados, faxavor!



Sempre adorei mulheres casadas: provocam-me ejaculação precoce de tanta excitação que é estar a – digamos – prevaricar, apesar do prevaricanço ser dela, que eu nunca tenho qualquer compromisso com ele, seja ele quem for, mesmo um colibri. No entanto, o que a priori poderia ser uma chatice, tem o bright side de sempre me ter ajudado a sair vivo da situação – já que tenho tendência para mulheres problemáticas com maridos acabados de sair de uma linha de montagem do IKEA; ou seja, uns armários do catano!

Bom, como já devem ter reparado, este texto é sobre psicólogos. Adiante.

Hoje a maré cheia calhou às duas da tarde, a sala de espera estava repleta, a casa de banho fazia fila no corredor, àquela hora todo o centro de escritórios se inundou de psicólogos recém-formados loucos por almoçar. Primeira conclusão: lá para as cinco teríamos maré vazia; segunda: às oito, de novo maré cheia; terceira: tinham fome, tal qual as baratas e demais coisas, incluindo as humanas. Bom, a verdade é que não me enganei. Saíram todos frenéticos para almoçar, disfarçados de pessoas simples do campo e da cidade e de alguma coisa intermédia que eventual e vagamente exista mas que fume – por exemplo, dentistas ou pandas nicotínicos. Dos giros, claro! Bom…

Depois de almoço, voltaram apressados para a aula, basicamente sobre o ciclo da vida, há que começar do princípio, que isto de ser psicólogo contém a extrema dificuldade de compreender o que é intrinsecamente simples; ou seja, aceitemos o filosófico conceito de que, agora, estamos todos tesos, é a crise, é a crise, vai-te devorar, a crise eu sou – e assim. O povo está teso, fica deprimido, consequentemente precisa de psicólogos, as faculdades de psicologia abrem as portas, está um mercado do catano, ´bora aí ter muitos psicólogos que o povo está maluco, entretanto o povo de tão teso que está começa a cortar nas despesas todas excepto na comida e na casa e na operação para aumento do pénis e que se lixem os psicólogos e os problemas, quem é que tem tempo e dinheiro para estar deprimido, e os psicólogos ficam todos no desemprego e consequentemente deprimidos fazendo cursos de formação no gerúndio com outros psicólogos igualmente deprimidos e igualmente desempregados e a darem borlas uns aos outros e de tantos que são começam a devorar-se a meio das sessões, e de novo cada vez menos psicólogos e

às tantas a economia começa a melhorar e as pessoas podem repetir o puré de batata e não é que às quartas-feiras até há bife e recomeça a haver mercado e os psicólogos vivos recomeçam a trabalhar e, simultaneamente, a recear a concorrência dos psicólogos mortos – que são muito melhores ouvintes e muitíssimo menos chatos – e depois, para grande gáudio e uma maior masturbação ainda do presidente da república, os psicólogos recomeçam a reproduzir-se fora do cativeiro e o país começa a exportar psicólogos porque passou a haver excedente no mercado nacional e às tantas os chineses começam a adorar os psicólogos portugueses porque nunca respondem nem servem para nada e é muito mais Freudiano e eficaz não dizer népia e deixar que o paciente se exprima e que a sua costela doente se f*** e que vá para o talho das especialidades groumet e a verdade maior é que a verdade há-de surgir um dia, nem que seja no rabo de uma gazela africana, facto que, devidamente interpretado, irá indicar que o ditador do país em causa teve uns problemas lixados porque sua mãe, na adolescência, nunca o deixou fazer cocó descansadamente e

às tantas é maré vazia e nem um único psicólogo se aproxima da casa de banho, porque está em deformação e até o pescoço lhe dói mas – lembra-se e - constrói e reconstrói evidências e depois rapara que torcicolos nas recordações é que são lixados, e o mais seguro é ficarem todos juntos na gruta a que chamam sala de formação, quais pintos encostados uns aos outros e rezando para que a lâmpada vermelha não estoire nem entre em morte cerebral nem seja contagiosa, e de tanto estarem juntos começam a ficar fartos de tanta junção e conjunção e verbalite e borex para férias e iupii mas o país está em bancarrota mas há – yeah! - por aí malucos para comprar e vender mas – outro “mas” ainda, chiça! - a chatice é que a maior parte deles somos nós e parecemos as autofágicas meninas do shopping, de loja em loja até ao vómito final, porra

às tantas é maré cheia e saem todos com aquela efervescência juvenil digna da vitamina C de aluno de liceu, e borex para férias e iupii mas o país está em bancarrota mas – outro “mas” ainda, chiça! - que se lixe e felizmente os meus pais não têm tempo para estarem deprimidos e eu vou para o Bairro Alto beber uns shots de vida e perceber o quão fantástico é haver imunidade à depressão e esperar que daqui a uns tempos haja gajos suficientemente deprimidos e insuficientemente na bancarrota que queiram desabafar – a pagantes, claro, que aqui no Bairro é “à borliú” – a verdade é que não convém arriscar cobrar dinheiro a alguém que eventualmente possa ser um colega e amanhã há segunda lição e do que será que irão falar? ‘pera aí que sou eu a dar a aula porra e porra e mais porra outra vez e

às tantas passou por mim uma mulher casada que, por entre beijos e outras confissões íntimas, se sentou num sofá e me disse que era psicóloga, o que me provocou uma impotência estuporada; decididamente, ela era diferente de todas as outras ovelhas que eu havia conhecido intimamente: não tive qualquer hipótese - apaixonei-me!

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terça-feira, junho 14, 2011

Jardim das estrelas

Quando, à saída do Liceu, ele ia com os colegas (versão embrionária mas não menos verdadeira de amigos) para o Jardim da Estrela jogar futebol com uma minúscula bola de plástico comprada com o dinheiro de vários lanches não comidos, num campo limitado pelos bancos vaidosamente eleitos ao estatuto de baliza por expulsão dos velhos para o jogo da sueca, os pavões, essa estranha fusão de perus desalmados com top-models em desgraça, saudavam-nos sempre com estridentes gritos

Pinu, pinu!

no que eles acreditavam ser uma fantástica coincidência com a recém-ouvida história de Pepino, o Breve, o rei tão perdido mas também tão recém-descoberto,

(havia uma tal de Clotilde que…)

acabadinho de sair dos compêndios e da voz (tão desesperada por atenção, coitada) da professora de História que, segundo ela e o livro oficial da verdade por apenas 20$ apenas, havia sido um rei tão pequeno tão pequeno ao ponto de nunca ter conseguido ser nada mais que uma mera interjeição de pavão. Por isso ou por nada que ver com isso, iniciavam o jogo numa espécie de ritual quase religioso, gritando em uníssono com os pavões

Pinu, pinu!

Começava o jogo. Cinco minutos, golos, faltas... Adiante.

Como era já quase tradição, enquanto fintavam o tempo e a chatice dos TPC’s, passava por eles uma mulher de corpo esfarrapado e de olhar para além da lua, empurrando um carrinho de compras atestado de um nada feito de roupas velhas, trapos, sacos, algo que, para a mentalidade deles, nada mais seria senão um potencial objecto de gozo – um gozo já testado vezes sem conta. Talvez por isso, um gozo maior ainda.

- Ó mãe, dá pão!

(Gritavam)

- Ó mãe, dá pão!
- Ó mãe, dá pão!
- Ó mãe, dá pão!

(Não paravam)

- Ó mãe, dá pão!

Não paravam. Mesmo.

Então ela gelava e mudava de pele e de olhar, começava a apedrejá-los, gritava, uivava estridentes delírios sem sentido - mas mais sentidos que o que quer que fosse -, tão cruamente verdadeiros que os pavões calavam, que a bola - ainda mais minúscula do que realmente já era -, se escondia por debaixo dos bancos, que o carrinho chorava ao ponto do jogo acabar; mas eles, cruéis como qualquer criança que se preze, riam cada vez mais da aventura quase planeada, da morte tão verdadeira quanto encenada dos filhos que ela teria tido e que, de fome, haviam morrido sem nunca ninguém, sequer, ter percebido se realmente teriam vivido - a não ser ela, por quem os filhos, acorrentados nas entranhas dos pavões, gritavam; por quem, aprisionados nos pescoços dos cisnes, todos os dias desejavam afogar-se à falta de um minuto de afecto dela que fosse – mas a verdade é que ela, por sua vez, também navegava as lágrimas de mil olhares de ódio e desprezo e gritos e vozes e gozos que, lenta mas certeiramente, a iam corroendo e matando... Infelizmente, devagar demais.

O Sol punha-se no jardim. Os cisnes recolhiam, conformados, às casotas de madeira por entre os canaviais. Os pavões bebiam a água do lago para refrescar os gritos. Os bancos descansavam da correria atrás da bola. Os velhos abandonavam as suecas que, de tristes, iam para o Bairro Alto jogar às cartas com o Destino. Os putos regressavam a casa, a toques de cajado dos pais. Aproveitando a ausência do Sol, a noite pintava todo o jardim dos azuis e ondulantes reflexos lunares do lago. Voltava a calma, ao sabor refrescante da brisa. Amanhã? Amanhã ainda era algo muito, mas muito distante - que se lixe o amanhã. Em suma, nem o silêncio se ouvia.


(Na verdade, os filhos que ela nunca havia tido - mas apenas e muito e muito desesperadamente desejado -, limitavam-se a jogar à bola num jardim plantado na estrela mais distante. Entretinham-se, enquanto a esperavam.)


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