CUOTIDIANO

quarta-feira, novembro 30, 2011

Antecipando o Natal


(Ponto um.)



Para celebrar o Natal comprei uma figura de Cristo.





(Pontos seguintes.)



Sendo uma pessoa simples – para além de extremamente tesa -, queria nada mais nada menos que apenas o dito,



(é que a graçola de árvores enfeitadas é demasiado pagã para mim que, para além de preguiçoso praticante, sou um agnóstico convicto – não acredito, não acredito… mas nunca fiando!)



o que provocou, quando o separaram do restante do Presépio, uma choradeira louca - não da vaca nem do burro, muito menos dos sagrados pais que suspiraram de alívio ao se poderem pirar em paz do estábulo, sem pesos nos braços ou na consciência -, apenas do vendedor; mas enfim, comércio é comércio, negócio é negócio, crise é crise, religião é mito. Ou seja, o Cristo era meu. Comprei-o. Pimba!



Voltei para casa, olhei-a,



(ela a figura, claro; sim, porque em termos de convicções, também sou um Margríttico convicto - uma representação de não é o the!)



bebi um copo e olhei-a de novo. Bebi um copo (já tinha dito?). Comemorativo, está bom de se ver.



Olhei-a



(não é preciso justificar-me outra vez, pois não?)



e pensei que faltava alguma coisa. Ou seja, pensei: “falta alguma coisa…”. (Já tinha dito?) Bom, bebi mais um copo e achei – porque o número de achanços é proporcional ao número de copos – que faltava alguma coisa… Luz, é isso, Cristo é o portador da Luz, falta-lhe… ah, já sei, Luz!



Voltei ao Pingo Doce – a minha (maior mas não única) agnóstico-dependência actual – e, para além de um quilo de amêijoas e do pacote familiar de lavagem, tão eficaz tão eficaz mas tão eficaz ao ponto de lavar a alma e branquear dinheiro, comprei também umas quantas lâmpadas que haviam sobrado da inseminação artificial dos pirilampos mágicos. Voltei para casa. Feliz.



(Bebi mais um copo.)



“Toma lá, Cristo!”



pensei, enquanto lhe colocava uma lâmpada na peidola e lhe atava o pescoço a uma corda presa ao tecto; ou melhor – apesar de não ser o Cristo mas sim uma representação de the -, ao Céu; sim, com maiúsculas, que, mesmo sendo uma representação, merece.



(Bom, com frases destas nem como agnóstico me safo!)



Adiante. Dei um piparote na dita (reitero que não vale a pena tornar a explicar; aliás digo isto com um ar estupidamente convicto para tentar safar-me do – Deus queira que eventual - Inferno) e a figura começou a rodopiar. Dei mais outro, acelerando o rodopianço, e outro ainda, e



(Bebi mais um copo)



todo aquele voo do Cristo ou da figura ou fosse do que fosse estava a deixar-me cada vez mais religioso – ou, no mínimo, enjoado; é que o tipo, perdão, o Tipo, voava mesmo! Yeah, voava, há que beber mais um copo -



(apenas para comemorar, claro, que eu não sou nenhum alcoólico - ou, segundo a versão fina do dicionário do xôr Aurélio, the best of the beasts, “bêbado com licenciatura”)



é que ele ou ela ou seja o que for que já estou baralhado é o Maior ou a Maior ou seja o que for que já estou baralhado. (Já tinha dito?)



(Bebi mais um copo.)



Aliás, onde é que eu estava? Ah, já sei, no Cristo – melhor, na representação dele (sim, continuo Margríttico) – que voava tresloucadamente em círculo, à conta da energia piparoteana. Quanto a mim, e seguindo a Luz, passei a viver em círculos. Felizmente bem viciosos.




Enquanto isso, o eventual Deus deliciava-se com as efectivas Pombas Procriadoras, já que os Anjos faziam gala de não terem sexo, nem que fosse para dar ou vender.

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quinta-feira, novembro 10, 2011

Bolsa


Quando o Conselho de Administração se reuniu, o ar estava pesado e solene – grande parte dos investimentos que haviam sido feitos na Bolsa corriam mal. A poliomielite estava a ser erradicada - contrariando a aposta na morte precoce, por essa doença, de 10.000 unidades de carbono/ano -, a peste à beira de acabar, a guerra na Líbia quase no fim…; enfim, tudo o que era o seu pior pesadelo, ao contrariar frontalmente a jogada especulativa de que a Humanidade estaria exterminada nos dez anos seguintes, estava a acontecer – ou seja, tudo o que lhes traria um lucro considerável “voava”, o que os prejudicava fatalmente, independentemente do irrelevante facto de que, caso ganhassem a dita aposta, estariam mortos. Aliás, muito à semelhança do que se passava.



Mas, felizmente para eles, a desgraça não era total. Por sua sorte, a pobreza havia aumentado 5% no último ano e a malária estava no auge, o que aumentava consideravelmente os lucros e a probabilidade de mais lucros ainda virem. Para além disso, a sua aposta secundária no mercado de armamento americano estava em grande, à conta das guerras por todo o lado em que houvesse petróleo - excepto no Texas, claro, onde já existia exploração, petrolífera que fosse, muito antes, até, do próprio Ser Humano.



Fazendo o balanço geral, fumaram mais um charuto comemorativo enquanto, em cada expirar de alegre fumo, morriam dez crianças africanas de doença ou, ainda pior, de sub-nutrição. E mais dez. E mais…



(Não pára, mesmo, por mais que voltemos a cara.)




E, claro está, enquanto assim continuarmos, não parará jamais!

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