CUOTIDIANO

quinta-feira, abril 26, 2012

Irrelevâncias

Sei que sabes a total irrelevância que é para mim

Dormires com outro

Sei que sabes a irracional irrelevância que para mim é saber que, eventualmente,

Dormes com outro
(vírgulas do catano!)

Sei que sabes a insignificância que é para mim, passageiramente e apenas isso,

Dormires com outro
Mas também sei que sabes que não me é insignificante saber que o amas
Num preciso e apenas exacto e apenas esse
Momento
Mas também sei que sabes que não me é insignificante saber que o beijas de boa noite

Em contratempo


(Sei também que o que interessa não é nada disso
É apenas que ele te falte
Ou só e apenas o meu último golo de tempo omisso
Em whisky de malte!)

domingo, abril 22, 2012

Tomates biológicos com parêntesis

Só compro tomates biológicos – sabem ao mesmo, fazem-me a mesma estuporada dor de estômago, mas claro que, evidentemente, dão muito mas muito mais prestígio.

(Aos tomates, claro, que a mim só me fazem passar por estúpido – a mesma coisa pelo dobro do preço… francamente! Ou seja, no meu altruísmo involuntário, faço crer – pelo menos a mim mesmo e por segundos - que aqueles tomates são muitíssimo mais fantásticos do que realmente serão, apesar de, natural e biologicamente, me irem assassinando o estômago - o que, aparentemente, também poderá demostrar o quão fermidáveis são!)

Tomates da merda! – diz o operário dentro de mim enquanto que o meu VIP interior o manda calar, esticando o mindinho mas pensando “porra, estou arrasca!”

(Bom, mas pelo menos olhando para eles consigo adivinhar o futuro - que é sempre em frente e depois virando à esquerda em Leiria - e com muito maior rigor do que a Madame Maya olhando para vaginas bioagradáveis; ou seja, pelo menos sei que, dez minutos depois de os comer, estarei com uma estuporada dor de estômago.)

Tomates da merda!

(Mas não é que valem a pena…)

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segunda-feira, abril 16, 2012

Porra de canção

Acordou a meio da noite com o som de aviso de uma mensagem. Que horas seriam?
Hesitou entre acordar e ver e talvez fosse quem não queria ou só e apenas a porra de um anúncio do Continente ou não acordar e ficar na expectativa e depois talvez não adormecer e se calhar até que não era o Continente e
Mas quem raio é a estas horas? Perguntou ele
Espera, vou ver – decididamente, ele havia decidido por ela -, que chatice, é uma amiga minha, coitada, anda cheia de problemas com o marido, que chatice
Não era. Era, afinal, apenas o seu inconveniente amigo que, a desoras, lhe enviara uma canção. Para ela. Feita única e exclusivamente para ela, mal cantada, mal tocada, mas apenas e só para ela, ela que lhe povoava todos os mais estranhos e recônditos espaços dentro de si, muito para além das obscuras zonas erógenas do lobo frontal
Que chatice, amanhã vou-lhe dizer que não me volte a fazer destas. Dorme bem, amor, desculpa

Quando, no dia seguinte, ouviu a tal canção pela décima, vigésima vez às escondidas do mundo, achou que, afinal, por mais mal cantada e mal tocada que estivesse (e estava), apesar de tudo e mais alguma coisa e alguma mais também, soava bem melhor e mais alto que qualquer ressonar ou relação instituída ou instituição assumida. Por isso, na noite seguinte, abraçada ao seu companheiro de sempre e para sempre, embalou-se para adormecer – mas desta vez ao som roufenho da porra daquela estúpida canção, mal cantada e mal tocada, mas que lhe continuava a ecoar na alma

Porra de canção!

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quarta-feira, abril 04, 2012

Miss Lua


Era Miss Lua. Apenas porque sim ou só porque dançava só nos limites daquela pista de dança circular, dançando sempre, sempre voltada para o centro. Rodava, rodava, qual Lua à volta da Terra, qual alucinação em torno da música, qual loucura mesmo sem psicólogo clínico que lha decretasse. Pior, sem ninguém que a esperasse. No fim da noite. Ou no fim de nada.

Sentava-se a um canto, bebia o seu copo, o seu copo, o seu copo, o seu corpo e quando já estava pronta para orbitar o pequeno mundo daquela discoteca dos confins de um qualquer e estranho submundo da noite, lá ia ela para a pista – melhor, para o seu limite -, rodando, rodando, mostrando que havia não mundos para além daquele que todos julgávamos e julgamos conhecer, mesmo que nem sequer conheçamos minimamente aquele que nos povoa e polui as entranhas.

Rodava, abria os braços, fechava os olhos, rodava mais ainda, intuía o centro - qual experiente matemático do nada -, rodava, rodava, quem quer que lhe dirigisse a palavra era ignorado, ela rodava para sobreviver, rodava a sobrevivência, se parasse morreria, qual tubarão sem mar mas com discoteca e luzes e sons e gritos e fumo e êxitos da rádio a entranharem-se na roupa, até já a roupa gritava, rodava, rodava, já os olhos não viam, rodava, rodava, já o tempo parava, rodava, rodava, já a noite dançava, rodava, rodava, e depois o seu copo, o seu copo, o seu copo, o seu corpo, tudo começava a fazer mais efeito, a fazer mais, a fazer vontades e realidades próprias e depois é melhor sentar-me. Pensava.

Depois ainda

Sentava-se a um canto, bebia o seu copo. Acalmava. Mas a seguir bebia o seu copo, depois seu copo, o seu corpo e quando já estava calmamente disposta a morrer alguém lhe perguntava se ela dançava ok mas mostra aí as notas ou o cartão e ele exibia a gravata de seda e os botões de punho e as fantasias em que só se acredita após o terceiro copo ou quando nos pagam para acreditar mas mesmo assim ela dizia que não, a única prostituta do Martim Moniz que nunca tinha ido para a cama com ninguém, nem mesmo com o tipo do circo por quem se apaixonara, mas que rodopiava dançando - o que lhe era inaceitável.

Dizem que era virgem, a única prostituta virgem depois da definição, dizem, até, que lhe faltava um braço - mas nunca se chegou a saber, quando tentaram descobrir ela já orbitava a Terra mas em sentido literal, quase que chocava com um satélite meteorológico russo (consta que filho ilegítimo da Soyuz), até que o pequeno mundo daquela discoteca dos confins de um qualquer submundo também levantou voo para além das estrelas e rodopiou à volta dela, desesperado de saudades, olhando só para o centro… que era ela, a partir daquele instante, apenas e só ela.

Foi então que a Terra passou a ter duas luas. Enquanto uma se limitava a cumprir o seu papel obediente à Física e, simplesmente, orbitava, a outra dançava, dançava, dançava, dançava, à descoberta do submundo não assumido que dentro de nós existe, explorando a pista do estranho som das marés que nos adormecem e, simultaneamente, acordam.

Na verdade foi ali que ela realmente nasceu. Banhada pelo outro luar.

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