No café
Foram ao café,
ao virar da esquina, juntos, como sempre juntos, como se da primeira vez.
Casados há mais de cinquenta anos, faziam tudo com se fora o primeiro encontro.
Sentaram-se. Vieram as “bicas” do costume, também elas juntas. É certo que ela
já não dizia nada de coerente, mas ele ouvia-a, nem que fosse apenas pelo tom
da sua voz que, apesar de tanto tempo passado, ainda lhe fazia estremecer a
alma.
Voltaram para
casa, ele a segurá-la, ela a apoiar-se nele, falando, falando sempre, por mais
disparatadas que fossem as frases, que não importa o sentido das palavras, apenas
o tom, quando se ama. E, no caso, até deveria ser obrigatório haver uma palavra
nova para o seu tanto Amor. “Tantamor”?
Chegaram a
casa. Ele mudou-lhe a fralda, deitou-a e tapou-a. Deu-lhe um prolongado beijo
na testa. Sorriu. Esperou que ela adormecesse, entre lágrimas estrangulou-a com
o cinto, depois foi até ao armário, subiu ao escadote há muito lá colocado,
atou o próprio pescoço ao varão que havia fortalecido e atirou-se.
Segundos
depois, deu-lhe a mão e subiram juntos aos Céus que não existiam – é que, quando
se ama, o Paraíso é como o café, é mesmo ali, ao virar da esquina.
- “Foi um
homicídio-suicídio”, sentenciou convicto o inspector da polícia destacado para
a ocorrência.
Eles riram. De
mãos dadas.