CUOTIDIANO

domingo, dezembro 02, 2012

No café


 

Foram ao café, ao virar da esquina, juntos, como sempre juntos, como se da primeira vez. Casados há mais de cinquenta anos, faziam tudo com se fora o primeiro encontro. Sentaram-se. Vieram as “bicas” do costume, também elas juntas. É certo que ela já não dizia nada de coerente, mas ele ouvia-a, nem que fosse apenas pelo tom da sua voz que, apesar de tanto tempo passado, ainda lhe fazia estremecer a alma.

Voltaram para casa, ele a segurá-la, ela a apoiar-se nele, falando, falando sempre, por mais disparatadas que fossem as frases, que não importa o sentido das palavras, apenas o tom, quando se ama. E, no caso, até deveria ser obrigatório haver uma palavra nova para o seu tanto Amor. “Tantamor”?

Chegaram a casa. Ele mudou-lhe a fralda, deitou-a e tapou-a. Deu-lhe um prolongado beijo na testa. Sorriu. Esperou que ela adormecesse, entre lágrimas estrangulou-a com o cinto, depois foi até ao armário, subiu ao escadote há muito lá colocado, atou o próprio pescoço ao varão que havia fortalecido e atirou-se.

 

Segundos depois, deu-lhe a mão e subiram juntos aos Céus que não existiam – é que, quando se ama, o Paraíso é como o café, é mesmo ali, ao virar da esquina.

 

- “Foi um homicídio-suicídio”, sentenciou convicto o inspector da polícia destacado para a ocorrência.

 

Eles riram. De mãos dadas.