CUOTIDIANO

domingo, março 17, 2013

Castelo



 
Lembro quando parava à tua porta, subia, e tu me abrias o teu coração. Ou seja, a tua/minha casa, o teu/meu porto, o teu/meu castelo – ou, abreviadamente, o meu/nosso lar.

(Tento de novo.)

Lembro quando, lentamente, chegava e parava à tua porta. Desligava o carro e não saía dele, saboreando os últimos acordes daquela canção que era tua - apenas e só porque eu a gravara exclusivamente para ti -, aquele conjunto único de sons que me fazia embrulhar-te na minha imaginação, transformando-te naquele presente (para mim? obrigado!) lindo, renovado, eternamente diferente por aparentemente igual – qual labareda hipnótica de uma lareira imaginária que nunca tivemos. Ou seja, saboreava a espera e depois - aí sim - subia. Até ti. Até às estrelas. Até nós.

Havia problemas nas canalizações, por isso os armários cheiravam mal - à trampa do vizinho de cima -, os cd’s eram poucos e repetitivos, o restaurante onde encomendávamos os bifes “com o molho excepcional da casa” era sempre o mesmo – mas a verdade é que me sentia seguro no teu regaço, no abraço pelo qual ansiava todos os minutos de todos os dias, talvez o tal de “abraço excepcional da casa”…

Tinhas um piano, lembro também. Nenhum de nós sabia tocar mas eu lá ia arranhando uns acordes que (nos) soavam bem - como o que quer que aconteça a partir do terceiro copo. Aliás, contigo tudo soava bem, ainda melhor quando dizias que me amavas, sem preconceitos, roupas ou destinos marcados, apenas tu, apenas nua, apenas desejo. Apenas beijo.

Confesso que, aí, me sentia privilegiado. Talvez mesmo importante. Não é que a mulher mais bonita e incrível e fantástica do mundo gostava de mim – e, acessoriamente, eu dela?! Estaria mesmo a acontecer?!

Mas todos os sonhos têm um acordar. Então houve um dia em que o meu tempo se esgotou - acabaram-se-me as histórias com piada, já não te conseguia fazer sorrir, a minha mão já não te estremecia, o meu beijo já não contava, já discutíamos sobre quem iria primeiro à casa de banho. Tornou-se evidente, então, que o meu prazo de validade expirara. Pediste-me a chave de casa de volta – e o que é curioso é que eu nunca a utilizara, por adorar que me abrisses o coração sob a forma de porta -, devolvi-ta, e nunca mais te vi, a mulher que tanto amei.

 

Claro está que ainda hoje – esporadicamente, é certo - paro à tua porta. Não subo. Mas vou-me embora ouvindo sempre a mesma canção que ouvia. A que era nossa – melhor, a que será nossa para sempre.

quarta-feira, março 13, 2013

O Momento


Houve um momento, aquele momento. Nada mais. A última oportunidade – ou seja, O momento. Ela chegou e sentou-se. Ele não chegou – porque morto sem saber, porque vivo sem sabor. Mas sentou-se. Poisou a sua mão na dela. Poisou. Apenas poisando. Olharam-se d’alma.

Depois olharam em frente, apesar de que ele a olhava de soslaio e de medo morto, o pôr-do-sol repetia-se mas de forma sempre única – ou em segredo -, os cães uivantes que passavam, por intuição “aprovavam-nos”, as morangoskas que circulavam pelas mesas e pelo sangue olhavam-nos, mas…. olharam de novo à volta, olharam-se de novo, algo entre eles era novo. Seria? Seja como for, olharam-se. Sem tempo, medo, ou o que quer que fosse que os impedisse de estar vivos.

… E ela trazia todo o fulgor das sementes a despontar de sol, ele apenas se trazia. Sem sol, sementes há muito abandonadas, desejos sob a forma de educação – algo que ele sempre desprezara, mas que lhe circulava no sangue e que não havia como evitar.

Como amá-la?

É que amá-la MESMO era tê-la, possuí-la, deixar que ela o possuísse – ou, no limite e por instantes desprendidos da palavra “sempre”, serem eternos. Eternidade? A sério… eternidade?


Sim, ETERNIDADE, a única forma que a vida encontra para se transformar apenas e só num momento. Único.
 

(Depois morto. Por isso eterno.)