CUOTIDIANO

quinta-feira, setembro 26, 2013

A minha estranha forma de morte (*)


I

Hoje morri mais um bocado. Aliás, hoje um bocado de mim morreu. Mais aliás ainda, hoje morri.

Conforme estatística que acabo de inventar, uma pessoa só se apaixona de 20 em 20 anos e como – muito provavelmente – já não duro tanto, esta seria a minha última oportunidade de ser feliz (sim, porque a felicidade nunca é a um, requer no mínimo dois – eventualmente também uma ovelha, mas isso são outras conversas…); por isso ---

II

Não mais te irei esperar ao cais de um Douro qualquer. Não mais aguardarei barcos ou horizontes cada vez mais longínquos, tua voz com teu sotaque, teu corpo com tuas curvas, tuas curvas, cada uma delas com seu desejo particular e extravagante. Não mais.

Que fique claro: Faço isto não por ti, não por nenhum romantismo estranho e perverso, nada disso. Apenas porque a dor me faz gases e eu preciso de trabalhar em sociedade. Por isso ---

III

Hoje renasci neste cais. Enquanto assistia à morte do horizonte em bocados de cor, lembrei-me de nós e chorei. Depois lembrei-me de ti e sorri. Por isso ---

Abracei uma ovelha e parti.
 



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  (*) Para ti que sabes quem és, de mim que não faço a mínima ideia quem sou.

 

 

sexta-feira, setembro 20, 2013

Bandeirantes (*)


I
Quando ela lhe perguntou

- Gostas mesmo de mim ou estás aqui, apenas, para espetar a bandeirinha?
ele teve uma imediata e consequente crise de impotência.

Para começo… “bandeirinha”?... nem “tronquito”, nem “canhão-do-amor”, nem “Zé Manel”, nem (ao menos) “bandeira” que seja?... Para além disso e para piorar a coisa, essa frase trouxe à evidência que ela desconfiava que ele a queria, apenas e exclusivamente, pelo seu corpo.
E era verdade. Ele queria-a. Muito. Sim, a verdade é que ele queria-a pelo corpo - mas inteiro, com tudo o que com ele ela trazia: lábios, olhos, vagina – mas também desejos, memórias, saudades, tudo o que o corpo dela arrastava como cicatrizes de tempo, como marcas profundas de quem existiu e ali o afirmava, desnuda de preconceitos, roupas, olhares de vizinhos, marcas de quem até ali não se havia limitado a sobreviver. De quem havia sido, era e seria, a Mulher, a derradeira e decisiva noiva do luar, docemente reflectida na alma dele. E como ele desalmadamente a amava…
 
II
Quando se encontraram não houve tempo para palavras, os corpos foram mais rápidos e elas apanhadas de surpresa – ou seja e na confusão, os lábios não tiveram tempo de exprimir palavras, apenas de beijar. Muito. E os lábios dela não eram os lábios dela, eram ela sob a forma de lábios, eram o Amor sob a forma de beijo.
III
Quando se despediram não houve tempo para despedidas – ela ficaria para sempre adormecida na alma que ele escondia. Ou seja, escondidos e abraçados para sempre. Como os Amantes devem ser – apenas e só, meros personagens invisíveis na maiúscula História do Amor.

 
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(*) – Para quem já não se lembre da absurda cultura que nos impingiram (infligiram?) na Primária, eram aqueles malucos que penetravam Brasil adentro à procura de minérios, escravos e mamas. A que eufemisticamente chamavam “riquezas naturais”. Chamo à atenção que “penetravam” é a palavra-chave. Ok, podem continuar a ler.