CUOTIDIANO

segunda-feira, maio 01, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/01) / Amélia, a explorada

"João Proença [secretário-geral da UGT] - Precarização é pior em Portugal"
"[...] as pessoas continuam a recear, por exemplo, a perda do trabalho [...]" (2006/05/01)

"Câmara do Porto recusa-se a aposentar funcionária"
"A Câmara do Porto recusou-se a aposentar compulsivamente uma funcionária que reapareceu no seu posto de trabalho após quatro anos de ausência, para 'combinar o horário parcial que mais lhe conviesse, dado que tinha algum tempo livre e pretendia retomar o serviço'. O presidente da autarquia disse que a trabalhadora - uma desenhadora - 'metia cunhas' para ser 'castigada' com a aposentação compulsiva" (2003/02/12)

Amélia, a explorada

- Aqui tem, Sôdótor, o seu texto batido à máquina.
- Obrigado, Amélia. Mas... espere aí; há uma semana eu dei-lhe duas páginas manuscritas para pôr em processamento de texto e a senhora apresenta-me este papel com duas palavras, escritas numa máquina de escrever do século XIX?!
- O Sôdótor está concerteza a brincar comigo; para conseguir acabar isto a tempo não pude ir hoje ao cabeleireiro e ainda ontem saí já eram quase quatro horas da tarde... francamente! E se for ver a minha ficha de avaliação anual, na parte dos objectivos, lerá “Passar a limpo uma palavra por semana”. Não se esqueça que os aprovou e me deu a clasificação de “Muito Bom”.
- Mas, Amélia, ainda por cima estas duas palavras nada têm a ver com o que lhe dei, você escreveu “Excrava Isaura”. Diga-me: qual é a relação disso com o ofício jurídico que era para passar ?!
- Desculpe, Sôdótor, mas só lhe dou razão numa coisa - há um erro ortográfico. É que, de facto, sendo a Isaura uma mulher com “H” grande, deveria ser “Hisaura”.
- Isausa, mas quem é a Isaura?
- É inacreditável! Será o senhor tão insensível ao ponto de ignorar, completamente, o sofrimento e a exploração da Mulher que há por este Mundo fora? Será o senhor mais um daqueles machistas imundos que só querem ver as mulheres na cozinha e a serem rebaixadas constantemente?
- Mas, ó Isaura, desculpe, Amélia ....
- Está a ver? Já me estava a dar nome de escrava! Eu vi logo, por detrás dessa conversinha mansa estava um homem das cavernas, sem qualquer decência ou sensibilidade. O senhor, deixe que lhe diga, deve ser daqueles que chega a casa, põe as pantufas e fica a ler o jornal à espera que a mulherzinha lhe ponha a comida na mesa!
- Mas eu nem sou casado, vivo sózinho e...
- Isso não interessa e faça favor de não me interromper. Estou mesmo a ver, o senhor é daqueles que acham que as mulheres só podem falar depois de ter autorização do macho, um marialva que anda por aí a engatar todas e depois chega a casa e ainda quer sexo, provavelmente anal. Sim, porque o senhor tem mesmo carinha de apreciador de sexo anal.
- Ó Amélia, oiça, eu só queria o meu texto no computador...
- Queria, diz bem, queria... Mas agora, népias. Está-me a ver a rasgar esta página que me deu tanto trabalho a escrever? É para aprender, seu explorador da condição feminina. Aposto que é daqueles que também é contra a licença de parto, dos que julgam que as mulheres deveriam trabalhar até ao último dia de gravidez, parir e aparecer no dia seguinte com um sorriso na cara! Você é mesmo nojento!
- Mas, Amélia, o que é que he deu? Eu só queria....
- Queria, mas agora não leva nada. Já passa um minuto das três, acabo de fazer um minuto extraordinário e não estou para ficar aqui a ser explorada. Amanhã, depois da manicure, eu decidirei se refaço este trabalho
- Deixe estar, Amélia, não se incomode, eu próprio escrevo o texto...


“Estes gajos precisam é de ouvir umas verdades bem ditas!”, pensou Amélia, em glória, enquanto esperava pelo marido que a vinha buscar de carro à porta da repartição pública.
- “Estás atrasado!”
- “Desculpa, querida!”

1 Commenários:

  • As tuas amigas Amélias, depois de uma madrugada exaustiva de trabalho no cabeleireiro, na pedicure e a fazer algumas compritas de 20 sacos, chegam ao local de lazer (trabalho), entram no blog e deparam-se com o teu machismo, chauvinismo, marialvismo, preconceito contra os verdadeiros trabalhadores que contribuem arduamente para o PIB deste país, fazendo circular o cartão de crédito ( nas referidas compras e afins) dos seus amantíssimos, adorados e seleccionados (pelo saldo do cartão) maridos, namorados e casos (os melhores)... Ficamos logo incapazes de tirar partido deste local de lazer que nos daria força para enfrentar as agruras do fim do dia, que nos fazem tantas dores de cabeça (a não ser que o cartão esteja sempre activo, carregado e disponível)
    Beijos.
    Amélias (dos olhos doces)

    By Anonymous Anónimo, at 2 de maio de 2006 às 10:30  

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