Numa de amigos
- ...Mas há que preservar as espécies, não podemos contribuir para que haja mais animais em extinção!
- Sim, eu sei e concordo, mas...
- Nem mas nem meio mas! Você é que está encarregue dele, não é?
- ... Sim, sou
- Você é que tem de resolver o problema, certo?
- ... Certo.
- Gosta do emprego que tem, não gosta?
- Sim, claro.
- Então trate disso. Desenrasque-se, invente qualquer coisa, não quero saber, mas resolva o problema e já!
- Sim, chefe, vou tratar disso imediatamente.
João saiu da sala resignado. Quão longe estavam os tempos de estudante e do seu primeiro emprego (primeiro e único, pelo menos até ao momento)... ainda se lembrava do dia da sua licenciatura em “Zoologia” e de quando, depois disso, cheio de sonhos e ilusões de salvar as espécies, havia tirado o Mestrado em “Animais em Extinção”. Bons tempos, esses... e a seguir, esse momento de glória, o do doutoramento com uma tese denominada “Hipopótamos Carentes, Extinção ou Solução – Uma Dieta à Base de Amor e Cenouras”. O que esse trabalho havia dado que falar – era, até, considerado revolucionário para a altura, o que lhe valeu uma oportunidade de emprego, no Jardim Zoológico, como psico-nutricionista não só de animais obesos como, também, de todos os que pintassem as unhas dos pés. Desde então nunca mais procurou outro lugar – aquele era, definitivamente, o sonho e a ambição de uma vida – pelo menos até aquele dia...
João parou de sonhar, estava no momento de encarar a realidade e essa, infelizmente, era bem clara - Hip, o hipopótamo-fêmea, havia morrido ia já para três anos e ainda não tinha sido possível, por mais ‘Jardins’ à volta do Mundo que se contactassem, arranjar nova companheira para Hop, o hipopótamo-macho; este, já de idade avançada, não estava a aguentar a sua perda – havia, inclusive, emagrecido até às três toneladas, o que o deixava praticamente esquelético. Mas, pior ainda, é que, por mais sessões de psiquiatria, hipnotismo, acupunctura, jacuzi ou sapateado lateral que lhe ministrassem, nada parecia resultar - cada vez se alimentava menos e raramente dormia. Não havia qualquer dúvida - estava, efectivamente, em perigo de extinção, era preciso fazer alguma coisa... e rápido!
João não quis, não podia esperar mais e, nesse fim de tarde, foi ter com Hop, seu velho amigo. Olhava-o fixamente, pensando como haveria de resolver o problema, enquanto o animal, com um ar triste, ia suspirando naquele estranho dialecto dos hipopótamos africanos, linguagem incompreensível para a maior parte dos humanos mas que João, profundo conhecedor desses meandros, já conseguia, facilmente, decifrar. De repente, e vindo do nada, ouviu-se “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez....” João deu um salto, assustado. Então, mas... agora o hipopótamo fala?! E outra vez:: “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez...” Aquilo não podia estar a acontecer! “Eh pá...”
Algum tempo depois, já a noite começara a deitar-se sobre a cidade, João, pensando na ameaça de perda de emprego e meio convencido por aquelas belas palavras, deitou-se junto ao lago artificial, ao lado de Hop e abraçou-o. Bem vistas as coisas, nem tudo era mau - a causa era nobre (havia que salvar as espécies!), a noite estava estrelada, o hálito era a cenouras, enfim.... “se calhar até pode ser giro, sei lá, diferente”, pensou João. Hop, ser irracional que era, não pensou – agiu.
No dia seguinte, Zé Pedro, o bêbedo oficial da zona e que era, simultaneamente, tratador de macacos, acordou de ressaca no banco de jardim imediatamente ao lado da cerca do hipopótamo, ainda com o sonho da noite anterior na cabeça (para além de alguns resquícios de álcool). Que sonho angustiante – estava rodeado por vários amigos, cada qual com sua garrafa, e ele sem nenhuma, desesperado, pedindo que, ao menos, o deixassem dar um trago. E por mais que gritasse “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez...”, nada. Enquanto se espreguiçava, um pensamento, apenas, flutuava pelo seu cérebro ainda alagado - “Será que gritei alto e alguém me ouviu?”. De facto, temia perder o emprego, o que decerto aconteceria, caso tivesse sido descoberto naquele lindo estado. “Será que gritei alto, será?”
Uma semana depois, João continuava, teimosamente, sem comer, dormir ou sair de casa, aguardando, ansiosamente, por um ramo de flores ou, no mínimo, uma cenoura – é que, para ele, o que havia acontecido era tudo menos “numa de amigos”...
O hipopótamo, por sua vez, tinha acabado de comer mais uma enorme refeição. Por entre arrôtos e como ser irracional que era, receou pela extinção da espécie humana – numa de amigos, claro!
- Sim, eu sei e concordo, mas...
- Nem mas nem meio mas! Você é que está encarregue dele, não é?
- ... Sim, sou
- Você é que tem de resolver o problema, certo?
- ... Certo.
- Gosta do emprego que tem, não gosta?
- Sim, claro.
- Então trate disso. Desenrasque-se, invente qualquer coisa, não quero saber, mas resolva o problema e já!
- Sim, chefe, vou tratar disso imediatamente.
João saiu da sala resignado. Quão longe estavam os tempos de estudante e do seu primeiro emprego (primeiro e único, pelo menos até ao momento)... ainda se lembrava do dia da sua licenciatura em “Zoologia” e de quando, depois disso, cheio de sonhos e ilusões de salvar as espécies, havia tirado o Mestrado em “Animais em Extinção”. Bons tempos, esses... e a seguir, esse momento de glória, o do doutoramento com uma tese denominada “Hipopótamos Carentes, Extinção ou Solução – Uma Dieta à Base de Amor e Cenouras”. O que esse trabalho havia dado que falar – era, até, considerado revolucionário para a altura, o que lhe valeu uma oportunidade de emprego, no Jardim Zoológico, como psico-nutricionista não só de animais obesos como, também, de todos os que pintassem as unhas dos pés. Desde então nunca mais procurou outro lugar – aquele era, definitivamente, o sonho e a ambição de uma vida – pelo menos até aquele dia...
João parou de sonhar, estava no momento de encarar a realidade e essa, infelizmente, era bem clara - Hip, o hipopótamo-fêmea, havia morrido ia já para três anos e ainda não tinha sido possível, por mais ‘Jardins’ à volta do Mundo que se contactassem, arranjar nova companheira para Hop, o hipopótamo-macho; este, já de idade avançada, não estava a aguentar a sua perda – havia, inclusive, emagrecido até às três toneladas, o que o deixava praticamente esquelético. Mas, pior ainda, é que, por mais sessões de psiquiatria, hipnotismo, acupunctura, jacuzi ou sapateado lateral que lhe ministrassem, nada parecia resultar - cada vez se alimentava menos e raramente dormia. Não havia qualquer dúvida - estava, efectivamente, em perigo de extinção, era preciso fazer alguma coisa... e rápido!
João não quis, não podia esperar mais e, nesse fim de tarde, foi ter com Hop, seu velho amigo. Olhava-o fixamente, pensando como haveria de resolver o problema, enquanto o animal, com um ar triste, ia suspirando naquele estranho dialecto dos hipopótamos africanos, linguagem incompreensível para a maior parte dos humanos mas que João, profundo conhecedor desses meandros, já conseguia, facilmente, decifrar. De repente, e vindo do nada, ouviu-se “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez....” João deu um salto, assustado. Então, mas... agora o hipopótamo fala?! E outra vez:: “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez...” Aquilo não podia estar a acontecer! “Eh pá...”
Algum tempo depois, já a noite começara a deitar-se sobre a cidade, João, pensando na ameaça de perda de emprego e meio convencido por aquelas belas palavras, deitou-se junto ao lago artificial, ao lado de Hop e abraçou-o. Bem vistas as coisas, nem tudo era mau - a causa era nobre (havia que salvar as espécies!), a noite estava estrelada, o hálito era a cenouras, enfim.... “se calhar até pode ser giro, sei lá, diferente”, pensou João. Hop, ser irracional que era, não pensou – agiu.
No dia seguinte, Zé Pedro, o bêbedo oficial da zona e que era, simultaneamente, tratador de macacos, acordou de ressaca no banco de jardim imediatamente ao lado da cerca do hipopótamo, ainda com o sonho da noite anterior na cabeça (para além de alguns resquícios de álcool). Que sonho angustiante – estava rodeado por vários amigos, cada qual com sua garrafa, e ele sem nenhuma, desesperado, pedindo que, ao menos, o deixassem dar um trago. E por mais que gritasse “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez...”, nada. Enquanto se espreguiçava, um pensamento, apenas, flutuava pelo seu cérebro ainda alagado - “Será que gritei alto e alguém me ouviu?”. De facto, temia perder o emprego, o que decerto aconteceria, caso tivesse sido descoberto naquele lindo estado. “Será que gritei alto, será?”
Uma semana depois, João continuava, teimosamente, sem comer, dormir ou sair de casa, aguardando, ansiosamente, por um ramo de flores ou, no mínimo, uma cenoura – é que, para ele, o que havia acontecido era tudo menos “numa de amigos”...
O hipopótamo, por sua vez, tinha acabado de comer mais uma enorme refeição. Por entre arrôtos e como ser irracional que era, receou pela extinção da espécie humana – numa de amigos, claro!
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