CUOTIDIANO

segunda-feira, maio 15, 2006

No teu casamento

Vi-te ao longe. Estavas feliz, sorrindo para todos, cantarolando enquanto andavas. Passavas por toda a gente mas, na verdade e em sentido literal, nem sequer andavas – limitavas-te a flutuar. Eu olhava-te, disfarçadamente. Era o teu casamento e eu, obviamente, não existia - contentava-me em ver-te assim, ao longe, feliz, estranhamente vestida, disfarçada de estrela, de luz, de pão, ou tão somente de ti.

Vi-te de perto. Continuavas feliz, não me havia enganado – sim, estavas feliz e eu, estranhamente outra vez, estava feliz por ti. Disse palavras de circunstância, que há estupores de circunstâncias que nos obrigam a ter palavras para elas, como se valessem mais do que pessoas – há algumas que nem nome têm – e enquanto tentava dizer qualquer coisa com graça, por mais parva que fosse, reparei que já não estavas lá. Tinhas voltado ao teu mundo, no teu estado flutuante, como alma aproveitando um desconto em vôo charter para ateus – olha, se calhar esta tinha tido graça para te dizer!

Vi-te partir. No entanto, quem partiu fui eu; tu limitaste-te a encolher sempre no mesmo sítio, o último em que te recordo, feito de ténues sombras – é que o fim da tarde havia chegado, como susto ou sobressalto, o Sol já não dava voltas comemorativas do 13 de Maio e eu, anti-social como sempre, não queria ver mais ninguém ou, se calhar, não queria ver-te com mais ninguém.

Vi-te hoje. Mas conforme já sabíamos - até há, provavelmente, um decreto-lei que o determina - pessoas de mundos diferentes não se tocam. Deixa, não faz mal - vi-te hoje.

Vejo-te chegar. Adormeço

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