CUOTIDIANO

quarta-feira, outubro 09, 2013

Puta de vida!


Para que ela voltasse ele decidiu fazer tudo o que pudesse excepto, claro, falar com ela pedindo-lhe – eventualmente implorando-lhe - para voltar.

Fez cenas voodoo, escreveu poesia tão sentida quanto má ao ponto de ninguém a ter lido, por confusão, miopia ou alcoolismo declarou-se a uma tipa de alterne, chegou até a fazer sacrifícios de monossílabos ao Douro, lançando palavras em contra-corrente… mas nada.

Ela limitava-se a mirar o mar mas não a ele, ela esperava a vida num outro século que não este, saudava até o senhor da pedra mas não aquele, cantava todas as estrelas extintas, toda a maresia – mas nunca as do presente. Por isso, para ela ele havia deixado de existir – havia passado a “recordação número 27” -, pelo que se limitava a abraçar as palavras optando, desse modo, pela segurança de não amar e apenas sobreviver à conta de sons, encontros de poesia, reuniões de família e obrigações conjugais.

(“É mais calmo e não dá bronca” - citando e não concordando, claro. Adiante. Claro – mais uma vez.)

Enquanto passeava o cão pelas ruas antes que fosse a hora sempre exacta e certa de fazer o almoço sentiu um estranho frio na brisa. Sentiu falta nas mãos. Saudade nos lábios. Tristeza no riso. Então lembrou-o, enquanto as lágrimas que o coração vertia, lentamente se espalhavam pelas suas veias.

O cão fez o que tinha a fazer. Ela recolheu.

(Puta de vida!)
 

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