(Mais) Insónias
Chega a noite e custa estar vivo - quanto mais adormecer. E muito mais estar dormente, de dor, de vida. De mente.
Passar a noite
com insónias é complicado – os sons dos carros pelas avenidas, os suspiros das
nuvens que lentamente deslizam, os gritos das fábricas, as dores, as pessoas
que se arrastam como se nem merecessem morrer, o vizinho que mija, o
interruptor que, em plena autonomia quase insular, se liga e desliga várias
vezes só para confirmar que está vivo, o sangue que circula à procura de
destino mas que regressa sempre à casa partida, exacta e precisamente com o
mesmo número de glóbulos, os segundos de agulha que se vão espetando nos
minutos, nas horas, o recordar teu corpo em fotografias e, automaticamente, ouvir
teu riso, lembrar tudo que é teu, tão teu e apenas teu,
Tudo me faz
mal, me faz pior, me apaga, me desliga, me faz ninguém.
E não consigo
dormir, seria tão simples poisar a cabeça na almofada e adormecer, sorrindo,
lembrando um cão da infância ou uma mão a vestir-me um casaco, ou um baloiço,
ou um telhado ou, se nada mais houvesse para escolher, um vôo de um oitavo
andar. Mas não.
Por momentos e
por um estranho acaso, adormeço mas, à medida que me vou aproximando do chão,
vou acordando. Até que, a meio milímetro do fim, acordo.
Meio milímetro
depois, adormeço de novo. Mas no chão. Sem nuvens que me embalem.
2 Commenários:
(O quanto custa a manhã, na sua sucessão de desapegos.)
Chega o dia e o toque do despertador. Tento adiar o mais possível o levantar, mas a sombra do relógio de ponto é escura e ameaçadora.
(um destes dias corto fora a merda da cabeça do indicador, prendo numa corrente à máquina infame e peço à telefonista para marcar assim que chegar, juro!).
Não falo, lavo-me, visto-me, como, obrigo-me a sorrir para por a maquilhagem.
(é um sorriso triste, um esgar, só o suficiente para não esborratar completamente a aparência – e há dias em que apenas a aparência vale: fingir que não me importo com as saudades, com as memórias dos teus dedos, do teu cheiro, do teu carinho, da tua loucura, com a porra da distância.)
Espero pelo autocarro. Enquanto isso, passam os carros na rua, passa ruído, passam gentes e vidas, toca a sirene dos bombeiros e sinto-me anestesiada, estou num filme onde não me foi atribuído qualquer papel.
“Esta gente de Mercedes não tem vergonha na cara. Eu à espera do autocarro, com tanto pra fazer e os capitalistas com o ar condicionado ligado… Cabrões!” – olhou para mim à espera de aprovação. Encolhi os ombros, não sou a Janis. Hoje não me sinto ninguém.
Chega o autocarro, esforço-me para desejar bom dia ao motorista. Ele não me responde, mas tem o rádio numa sintonia simpática, ouço que “no peito dos desafinados também bate um coração”. Sento-me, deixo que caia uma lágrima. Merda, espero que a maquilhagem se aguente e controlo-me. Saio do autocarro e pico o ponto.
A vida segue dentro de breves instantes.
By Anónimo, at 28 de novembro de 2012 às 12:44
Não sei o que é não dormir. Não dormir sem ser por bons motivos. Ficar acordado tentando dormir. Mas sei que é doloroso, porque é quando tudo nos ataca quando estamos bem mais vulneráveis e a sós com tudo!
Muito bom.
By APC, at 8 de dezembro de 2012 às 02:17
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