Momentos
Às vezes penso
que não há chuva que me chegue, momentos que me bastem, nem sequer recordações de
risos que me preencham. Por outras palavras: sinto-me permanentemente vazio mas,
simultaneamente, com um estranho lastro que me impede de voar, sequer andar,
sequer querer o que quer que seja, adiando-me
para outro século.
Às vezes também
penso que seria fácil desculpabilizar-me, desculpabilizar-te, dizer a mim mesmo
(dentro do espírito de “o copo partiu-se”, como se existissem copos com
instintos suicidas…) que as decisões se tomaram, em vez de assumir que foram
efectivamente tomadas ou, no mínimo, aceites. Também seria fácil ficar à espera
que algo acontecesse, tentando apenas manter-me à tona da mágoa, não me asfixiando
na angústia enquanto teu nome placidamente me percorre as veias, como lâmina
sem destino.
Mas,
felizmente, às vezes não penso. Por isso deixo-me arrastar pela suave ondulação
do rio que foi nosso por breves mas incendiados momentos, pelas invisíveis correntes
com que ele me abraça e que, todos os dias, inexplicável e implacavelmente, me
arrastam até teus lábios de nuvem distante, onde me afogo lentamente com um ingénuo
sorriso de criança.
Confesso
também: às vezes não penso em mais nada que teu corpo que, num estranho parto e
em dias de milagre, nasce dos meus olhos sob a forma de lágrima. E aí espero –
por mais que eu o queira racionalmente contrariar - de novo por ti. Por ti
Mulher, por ti Sonho, por ti Desejo – seja
o que for, no entanto por certo maiúsculo.
Mas hoje
espero prosaicamente apenas por um telefonema teu, a horas ou a desoras – nada demais,
não é? -, para, ignorando as palavras que possamos dizer, exclusivamente ouvir as
ondulações dos sons da tua voz,
(“estauê?”)
e, assim, sentir as ondulações do teu corpo – o derradeiro
e definitivo rio que, percorrendo as margens da loucura, sem piedade me atrai, como
se fora o último abismo da ternura.
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