Passado tanto tempo...
já nem sei onde nos amámos – se nos corpos feitos sede, se nas palavras feitas beijo, se naquela pensão rasca feita Dubai, se apenas e só pela pele fora, feita destino sem destino nenhum. Nem interessa. Apenas sei que adormecíamos ao som da música desafinada que se escapava pelas janelas do barzito do rés-do-chão; era nessa altura que a luz atravessava o teu corpo - e não havia nenhuma luz de nenhum néon desta cidade que não te viesse dar as boas-noites - nem que fosse só para, num instante prolongado, te lavar o corpo sujo de dias sonâmbulos, lentamente, a esponjas de mares sem norte, a águas de especiarias vindas de muito longe. Mas nem interessa. Apenas sei que todos os dias adormecia a teu lado e observava curioso – sempre como da primeira vez – o estranho ritual das luzes; primeiro as violeta, depois as azuis... depois ainda, sei que acordava a teu lado, a manhã ali estava, desperta de saborosos minutos de maçã, para saborear em lentos olhares com que te percorria - como se de um barco que em ti navegava se tratasse - disfarçando sorrisos sempre envergonhados – ainda hoje estou para saber porquê. Mas, mais uma vez, nem interessa. O que interessa é que houve uma vez em que acordei só, no sobressalto do dia, sem te ver, sem te tocar. O que interessa é que tu não estavas lá. Havias ido, não sei, com os pássaros talvez, talvez com aquele saxofonista que, pensando em ti, havia finalmente acertado com a tal estranha melodia que, mais estranhamente ainda, estava sempre no tempo certo do ritmo ainda mais certo dos nossos corpos. Mas nem interessa. O que interessa é que nessa noite, na noite seguinte e nas seguintes das seguintes tu não mais adormeceste a meu lado, não mais te vi despertar. Agora percorro as noites sonâmbulo, à procura de ti em todos os néons da cidade. E só isso interessa. Só isso.
17 Commenários:
Tenho medo q já ninguém ame assim...
Cada vez é mais raro falar com alguém q esteja realmente apaixonado e quando estão, não amam abertamente e sem vergonha.
Hoje em dia o sexo deixou de ser tabu, para tabu passar a ser o amor...
By Anónimo, at 20 de janeiro de 2007 às 04:06
Só a procura pelo que se procura interessa.
Que os néons não ceguem e a força não cesse e a busca o mereça.
Perfeitamente perdida, por esse teu perfeitamente perdido.
By APC, at 20 de janeiro de 2007 às 05:49
Tenho andado muito caladinha. Sem comentar. Hoje tem de ser. Não queria dizer aquele lugar comum: escreves muito bem.
Mas não é que não consigo dizer outra coisa?! ESCREVES MESMO BEM.
Dá gosto ler-te.
Um grande abraço.
By Licínia Quitério, at 20 de janeiro de 2007 às 10:04
Caro amigo.
Eis que surge finalmente um texto escrito por um homem inundado pela melodia do amor. Embora não aprecie em demasia os cenários de néons - um mito urbano? - agrada-me a ternura nostálgica, a musicalidade e a dor que se soltam das tuas palavras.
Gosto, sabes, de ver sentimentos à solta, como crinas ao vento, cavalgando loucuras nas planicíes -as laudas brancas que, paulatinamente, vamos preenchendo com o que nos sai cá de dentro.
Um abraço amigo do Jorge
PS. Compreendi a msg tácita do teu silêncio/resposta e respeito-a.
By Anónimo, at 20 de janeiro de 2007 às 11:18
Desde sempre fui vagabundo da minha própria vida, na minha própria vida. Procurando sempre qualquer coisa, sempre alguém. Desde sempre fiz do que não tenho ou do que perdi a minha maior força. Como se acordar com alguém ao nosso lado nunca fosse suficiente... Como se houvesse sempre luzes e eu quisesse a escuridão... Como se fosse apenas cansaço.
Não sei se alguma vez será diferente. Ou tipo "Chegaste à idade madura..." (Ainda não descobri qual é...) ou "Encontrei!". Acho que será sempre assim. A minha felicidade e a minha dor (Ah! E também sou homem... Eheheh).
Comovem-me estas palavras.
By Anónimo, at 20 de janeiro de 2007 às 20:37
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
By zé lérias (?), at 20 de janeiro de 2007 às 22:55
Chama-se a isto escrever com imensa ternura e ainda mais sensibilidade.
O Amor está aqui bem defenido, contra ventos e tempestades;
o amor com A grande, que não tem medo do sexo, mas não faz dele a sua fonte inspiradora.
Parabéns, meu amigo.
Continuação de bom fim de semana.
By zé lérias (?), at 20 de janeiro de 2007 às 22:57
Boas, meu caro. Era só para dizer que estremeci com esta frase:
"Agora percorro as noites sonâmbulo, à procura de ti em todos os néons da cidade."
Lembrou-me outra cidade, outros néons, enfim, outras noites...
Abraço.
By Anónimo, at 21 de janeiro de 2007 às 21:09
Lembro o Pedro Paixão
"os corpos estão a mais"
e lembro estes textos incomentáveis.
e lembro-me de ti com um sorriso distante.
By Anónimo, at 22 de janeiro de 2007 às 01:46
... já agora
um beijo.
e já agora... é impressão minha ou houve um texto que desapareceu?
tenho um amigo que, nada dado a estas esferas blogosféricas da Blogospera, disse-me um dia que haveria de fazer um Blog em constante mutação diária.
ou seja, apagaria os posts de meia em meia hora apenas para ver quem os lia a todos e quem conseguia comentar tudo...
só tenho amigos loucos, não é?
ganhar por um beijo é engraçado, mas ganhar por meio beijo é ainda melhor.
By Anónimo, at 22 de janeiro de 2007 às 01:49
Lindo. :)
By Anónimo, at 22 de janeiro de 2007 às 12:37
Gostei de te ler. Bonitas imagens.
By M., at 22 de janeiro de 2007 às 13:20
Tempos que não passam, permanecem.
Beijos*
By Maria P., at 22 de janeiro de 2007 às 23:54
Lindo...espectacularmente emocionante...
By Anónimo, at 23 de janeiro de 2007 às 16:32
Este comentário foi removido pelo autor.
By A, at 9 de fevereiro de 2007 às 03:19
Passei de novo.
E até me enganei e tudo, tal a hora tardia em que me (co)movo.
Deixo outro beijo.
(incomentável... sim)
By Anónimo, at 9 de fevereiro de 2007 às 03:23
Aqui tinha-te caído o tal piano em cima?
:)
By a miúda, at 1 de maio de 2007 às 18:44
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