CUOTIDIANO

domingo, janeiro 07, 2007

Ele há coisas...

Há coisas que só aos poucos aprendemos a gostar: caviar, ostras, narizes de palhaços e... o suplemento “Carga e Transportes”. Sim, falo d’O Suplemento! (“The Supplement”, em estrangeiro).

Para começo de conversa, é completamente injusto ser apenas um suplemento, ao nível de um “Golfe e Golfistas”, “Sardinhas e Assadores” ou, pior ainda, “Cães, Cadelas e Coisas Indefinidas” – isto já para não falar de coisas extraordinariamente evoluídas, como o suplemento “Caracóis”, meses a fio no “Expresso” (aliás, durou cem vezes mais do que a esperança de vida de um caracol). Mas, como diria o pequeno (mas enorme) Calimero, filósofo neognathae da ordem dos anseriformes - esta é a parte cultural do texto, aproveitem que não há mais cultura por aqui -, “it’s an injustice, it is!”

Sim, a injustiça é enorme. Quem quer lá saber se o Sócrates prometeu qualquer coisa mais (enquanto sacava qualquer coisa ainda mais com a outra mão, a que não fazia figas), quem quer lá saber se houve um tufão em Hong-Kong ou se o Banco de Portugal promove festas orgíacas com as notas dos incautos - isto tudo se O Suplemento nos diz a que horas é que parte o “Infante D. Henrique” para Marrocos? Mais palavras para quê, meus amigos? Por favor, saibamos relativizar as coisas... O Suplemento é que deveria ser o Corpo Principal, qual Ellie McPherson mas com cuecas.

Ah, já me esquecia - foi n’O Suplemento, que só vim a descobrir anos depois de o ter lido pela primeira vez (sim, porque a Cultura é lenta de absorver e é só para maiores de qualquer coisa), que aprendi que os momentos acontecem, não os criamos. Por mais que queiramos.

Lembro que em miúdo (jovem, vá lá...), nas Grandes-Noites-De-Mudar-O-Universo, combinava com os meus amigos grandes saídas para o dia seguinte, com um objectivo tão nobre quanto estranho e obscuro, tão complicado e brilhante ao ponto de não me lembrar – encontrávamo-nos na gare das camionetas às 7, íamos acampar para a Arrábida (antes que houvesse co-incineração, já na altura tínhamos visão de futuro!), à noite fogueira, guitarras e amor universal, de manhã ressaca descomunal... enfim, tudo pelo Objectivo, fosse ele qual fosse. Depois acertávamos os relógios, para que não houvesse desculpas nos atrasos, íamos embora - cada um para sua casa - antecipando cada hora, cada minuto da nossa estadia, do que isso iria implicar de mudanças no rumo do Mundo, o que aquele tempo poderia representar para o futuro da Humanidade. Como é evidente, no dia seguinte ninguém aparecia às 7 (ou às 8, ou às 9...) fosse onde fosse, a não ser no terceiro sono a contar da direita.

Aí comecei a perceber o significado do “Carga e Transportes” – eram partidas adiadas, eram chegadas inexistentes, eram tempos, eram barcos, comboios, nuvens, eram sonhos, delírios, saudades, eram cargas, pesos e desesperos, eram...

Foi então que definitivamente percebi - O Suplemento era a própria Vida!


Quando, anos depois, voltei à Arrábida, já tinha netos e, para cúmulo, era mulher – Porra, lá vou ter que transportar esta carga até ao fim dos meus dias...

3 Commenários:

  • Brilliant, my dear!...
    E de como os suplementos são a nossa vida (são o que nos dão vida), e as Grandes-Noites-De-Mudar-O-Universo, e a tua originalidade que mistura todo o multidimensional que te perfaz, em forma de puzzle - intrincado mas/e...
    Brilliant, my dear! [que eu português ficava menos bem:-)]
    Como só tu!
    :-)

    By Blogger APC, at 7 de janeiro de 2007 às 06:11  

  • Suplementos de nada ke em tudo se transformam....


    jinhos

    By Blogger Ana Luar, at 7 de janeiro de 2007 às 15:21  

  • Os teus posts são uns belos suplementos vitamínicos, essa é que é essa. :)

    By Blogger Patrícia, at 11 de janeiro de 2007 às 10:16  

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