CUOTIDIANO

quarta-feira, novembro 07, 2007

Estudos de Mercado

- Mas este anúncio caiu que nem ginjas! – disse entusiasmado, em voz bem alta, Aurélio da Cova da Piedade, casado (num casamento medonho) com Josélia da Periferia. E passados tantos anos - quem diria? -, era bonito constatar que o santo matrimónio continuava perfeito, tanto mais que ele já não a via há uns tempos - o que só vem demonstrar que os oftalmologistas servem, apenas, para provocar divórcios.

Adiante. A verdade é que andava a ficar desesperado. Tinha já vendido quase todo o sangue – estava no ponto a que os médicos e os bacalhoeiros chamam de “pré-secura” -, havia dado a sua sábia opinião em todas as sondagens e mais algumas – nomeadamente com vista à tomada de decisões tão importantes quanto se a margarina deveria ser líquida, sólida ou em fusão nuclear para mais agradar às donas-de-casa -, já tinha feito de santa pontapeada nas sessões eróticas dos Manás e, inclusivamente, até chegara ao ponto mais baixo da condição humana, que é aplaudir em programas de televisão do tipo Júlia&Maya&coiso. E não é que não lhe surgia qualquer nova ideia para ganhar dinheiro...

A conselho do seu médico imaginário, trabalhar estava fora de questão - e era urgente ganhar algum, tanto mais que já andava um pouco a dar para o amarelo depois de ter vendido a maior parte do seu fígado a um qualquer porco ricaço que o iria comer com trufas.

- Mas este anúncio caiu que nem ginjas!

Foi à morada indicada. Sentou-se e esperou na sala, ao lado de vários como ele que, pacientemente, aguardavam a vez de participar naquele entusiasmante - como todos, aliás - estudo de mercado. Passado algum tempo, lá foram chamados. A cada um foi distribuído um jornal e seguiram directos para a casa de banho - cada qual na sua, senão perturbaria a estatística e a sonoridade – com instruções precisas, nomeadamente que era proibida a masturbação, a caça às perdizes e o escafandrismo. A cada três minutos, poisariam o jornal que tinham na mão (na melhor das hipóteses) e receberiam outro diferente.

Assim foi. Ao fim de vinte e um minutos exactos (e também giros), cronometrados cientifica e rigorosamente pelos (mais giros ainda) representantes do Governo Civil, haviam sido testados sete jornais.

Aí saíram, de novo para a sala. À frente de cada um estava um questionário que teriam de preencher, votando no jornal que, segundo a sua opinião, melhor satisfizesse dois critérios rigorosos: a) maior alívio intestinal proporcionado e b) maior suavidade na limpeza. Apesar de se ter limpo a uma página com um artigo sobre pregos e anilhas, a escolha de Aurélio, de facto, só podia ser aquela - o alívio havia sido espectacular enquanto lia um artigo (mais espectacular ainda) sobre uma velha de Mondim de Baixo, coxa e perneta e cegueta e com pais bêbados apesar de mortos há vinte anos. Assinalou a sua preferência com uma cruz e pronto - estava terminado o “Cague Test”.

Já na rua, Aurélio distribuía sorrisos, feliz por aquela tarde bem passada, pelas notas que trazia no bolso e também porque não estava no Iraque a ser sodomizado.

É verdade, já me esquecia - por unanimidade ganhou o “Correio da Manhã”.

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1 Commenários:

  • Eheheheh! E que tal mandares esta espécie-de-artigo-de-opinião para o feliz vencedor de tão nobre concurso? :-)
    Dás-te conta de que as tuas ideias são de uma originalidade gritante?
    :-)

    Enfim...
    (lol)

    By Blogger APC, at 8 de novembro de 2007 às 04:51  

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