CUOTIDIANO

sábado, fevereiro 03, 2007

No elevador

Há séculos que andava para escrever sobre elevadores, aquele estranho local em que nos sentimos compelidos a dizer qualquer coisa a alguém que não conhecemos de lado nenhum mas, sabe-se lá porquê – porque o espaço aperta? porque nos sentimos obrigados a sentir proximidades com os outros ? -, vá de falar do tempo ou, em alternativa, fingir que se conferem as mensagens de telemóvel. Aliás, acho que o melhor dos telemóveis não é terem sons histericofónicos ou televisão, não é poderem servir para estrelar ovos ou, sequer (e há alguns - os topos de gama – que até o fazem!), terem a capacidade de fazer chamadas telefónicas - o melhor, mesmo, é serem elevador-friendly.

Bom, mas hoje tudo foi diferente do habitual. Quando entrei no elevador já lá estava alguém, vindo de outro andar qualquer. Cautelosamente alinhavei o telemóvel para o que desse e viesse - não fosse o tema “tempo” esgotar-se em três ou quatro andares - e, no momento em que ia começar o meu ritual de falsas mensagens, reparei que o personagem da história que eu posteriormente poderia escrever, afinal, era uma mulher real, carne e osso, trinta e tais, olhos vermelhos de choro (de raiva? de dor?), perdida num corpo escondido, por momentos, por detrás dos clinex.

Com o tempo parado e ao ritmo de três lágrimas por andar, lá chegámos ao rés-do-chão. Abri-lhe a porta, ofereci-lhe um sorriso solidário, ela tentou esboçar um outro de volta e saiu rua fora, perdendo-se pelos céus incertos da noite – sem, sequer, ser conduzida para nenhum lugar por nenhuma estrela, muito menos daquelas provindas das histórias infantis e que inventam caminhos, nem que seja pelo simples facto de brilharem por dentro de nós.



Confissão: vim para casa escrever tudo isto só para fazer tempo, enquanto espero uma chamada dela no meu telemóvel. Ah, é verdade, amanhã vai chover.

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8 Commenários:

  • Esperas que te ligue? Mas como? Porventura deixaste-lhe o teu número no clinex? E crês que ainda esteja legível? :-)))

    By Anonymous Anónimo, at 3 de fevereiro de 2007 às 18:20  

  • Este comentário foi removido pelo autor.

    By Blogger APC, at 5 de fevereiro de 2007 às 00:18  

  • Epa, que susto! Cheguei aqui e dei com um anonymous a usar as minhas palavras, lol. Ou seja: essa anónima aí de cima, desta vez sou eu (va lá, vá lá!), mas só hoje me dei conta que tinha "assinado" assim, sem querer. Isto, com a extinção do meu blog e a pseudo-neo-especulação-sobre-um-outro-canto-de-palavras-secretas, faz com que os cookies se baralhem e o habitual APC nem sempre esteja a postos quando quero comentar.
    Mas pronto... Rectificação feita.
    E agora... Podes escrever outra história de elevadores, por favor? É que adorei o contexto! :-) Lol
    Beijo-beijo.

    By Blogger APC, at 5 de fevereiro de 2007 às 00:21  

  • E já passaste pela incrível e inesquecível experiência de ficar preso entre dois andares?

    Já me aconteceu que eu me lembre umas três vezes.
    Na primeira foi no meu local de trabalho, esperava-me um manhã intensa, com muito a fazer e fiquei calma, contemplando as hipóteses: a) tentar fazer o trabalho dali (não ia ser fácil) b)apreciar aqueles minutos sem ter nada para fazer (optei pela b) e minutos passaram depressa (rapidamente puseram o elevador a andar - ter trabalho urgente a fazer às vezes tem vantagens...)
    Das outras vezes, uma foi assustadora porque as luzes apagaram-se e o botão do alarme não se ouvia, nem pelos vistos era ouvido por ninguém. Felizmente foi só alguns segundos.
    Na última vez, uma voz anónima perguntou "o que se passa?" quando toquei no botão de alarme e a porta abriu. Respondi já lá de fora que o elevador tinha parado, mas já se resolvera e saí rapidamente do local...

    By Blogger redonda, at 5 de fevereiro de 2007 às 17:22  

  • Como diriam os meus alunos, que rapidamente apanham as coisas dos professores: Amanhã vai chover?!! Vai tu!

    Um abraço.

    By Blogger Pedro Branco, at 5 de fevereiro de 2007 às 23:48  

  • Hum pa proxima toma mais atençao hehe

    By Blogger Mikas, at 7 de fevereiro de 2007 às 23:33  

  • Tirando essa situação ainda mais desconfortável q o mero "passeio" de elevador, em todas as outras, faz como eu, cara de má e ninguém me dirige a palavra. Antissocial, ñ, só mesmo nestas alturas!

    By Blogger Miss Kin, at 10 de fevereiro de 2007 às 04:41  

  • Já há muito que aqui não vinha. O que tenho perdido!

    By Blogger M., at 29 de abril de 2007 às 10:03  

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