CUOTIDIANO

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Resolvi espreitar o que escrevias

Em tempos resolvi espreitar o que escrevias. E - nem sei porquê - sentia que cada frase tua me era dirigida. Melhor, até sei – porque, apenas e só, me sabia bem pensar que assim era, dando-me um estranho gozo adolescente essa sensação.

Uns tempos depois resolvi espreitar o que vestias. E - nem sei porquê - achei sempre que havias escolhido cada peça para mim, por mim, só para me agradar, para que fosses flor em cada vez que chovia – provavelmente era apenas o meu feitio de adolescente retardatário a atacar de novo.

Mais tarde espreitei o que despias. Depois amei-te e amámo-nos depressa, em noites sem cansaço e em manhãs nunca tardias. Depois ainda, e continuando sem saber porquê, lentamente me fui esquecendo de ti - enquanto te ias tornando real, com escova de dentes e espaço a menos e roupa suja e tudo o mais que vem com a pessoa que se ama, sogra incluída.

Depois depois ainda, aos poucos e poucos, sem dar por isso e sem de novo saber porquê, deixei de te ver, por mais palavras que dissesses ou escrevesses, por mais despida que estivesses ou quisesses.

Hoje? Hoje limito-me a espreitar outra vez o que escreves, enquanto vestes e despes as capas com que não me deixas ver-te.

Era apenas isto que tinha para te dizer.

Adeus.

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