CUOTIDIANO

segunda-feira, abril 07, 2008

Estranhas formas de vida (VI)

Quase todas as noites, desde que há mais de meio século se haviam casado, ela preparava-lhe uma bela posta de peixe cozido para o jantar. “Ele adora este prato!”

- Não te esqueças de pôr uma cebola na água da cozedura – recomendava-lhe ele. Ela assim o fazia. “Ele adora mesmo este prato!”

Mais anos, iguais, sempre iguais, se passaram.

Entretanto ele morreu. No funeral, a irmã dele sentou-se ao lado dela. Sem qualquer tema de conversa mais interessante e tendo, obrigatoriamente, que falar,

(nos funerais – toda a gente sabe - é fundamental estar sempre a falar, não parar nunca, não vá a Morte baralhar-se sobre quem é que é o morto)

acabaram por resvalar para a culinária, consequência da maior parte de suas vidas ter sido passada na cozinha.

Pela sua cunhada descobriu, então, que ele sempre detestara peixe cozido. A cebola era só para tentar disfarçar o sabor.

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