CUOTIDIANO

quarta-feira, abril 09, 2008

Ver ou não ver, eis a questão – a propósito do mais famoso vídeo escolar português

Depois de milhões de assassinados na China por um regime absolutamente nojento sem que ninguém se importasse muito, foi filmada a barbárie do exército chinês, incluindo esmagamento de pessoas com tanques, na Praça Tiananmen. Aí já toda a gente achou que aquilo era uma ditadura, cambada de malandros e tudo o mais. É claro que, como nunca mais se filmou “nada de especial” – então agora, com os Jogos Olímpicos à porta... -, afinal a China até que nem é tão má assim (tanto mais que lá até se fazem uns investimentos económicos fixes...).

Depois de 200 mil mortos sem que ninguém tenha visto e, consequentemente, sem que tivesse acontecido, foi filmado o ataque do exército indonésio no cemitério de Santa Cruz, em que morreram mais centena e meia de timorenses. Aí já o Mundo inteiro achou escandaloso e, como consequência, começou o “empurranço” para a saída da Indonésia de Timor.

Quando centenas de alunos levaram armas para a escola, outras centenas agrediram colegas, professores e funcionários mas tudo isto sem ter sido filmado, nada disso aconteceu. No entanto, após uma “luta de telemóvel” entre professora e aluna ter ido parar ao YouTube, afinal era o caos da autoridade, não havia respeito nenhum, estava tudo pelas horas da amargura. Então o procurador mexeu o rabo, o presidente indignou-se, as televisões rerererepetiram o vídeo até ao vómito, os professores acharam que a culpa era do ministério, o ministério achou que a culpa era dos pais e dos professores, os pais acharam que a culpa era dos professores e do ministério, e por aí fora em lindíssimos círculos de irresponsabilidade.


Mas será que não é óbvio que, na sociedade “fast-food” em que vivemos e nos deixamos viver, tudo isto era inevitável, não sendo este um caso isolado mas sim um exemplo representativo do que realmente se passa na nossa sociedade e, em particular, nas escolas portuguesas?

Um pequeno pormenor - os alunos são crianças e, em grande parte, mal formadas e mal educadas. Mas de quem é a culpa, afinal? Verdadeiramente, é de todos nós, “educadores” (independentemente de sermos pais ou professores ou ambos), que deixámos, por comodismo e inércia, que a nossa sociedade chegasse onde chegou. Crianças que não lêem e estudam por resumos, crianças que sentem um fosso cultural e de postura entre eles e os professores, crianças em que o carinho dos pais se mede no número de jogos para as consolas, crianças que acham que tudo podem fazer porque “ainda têm mais sete vidas”, crianças que só dialogam por “Messenger” abreviando palavras e sentimentos, crianças que passam mais tempo em frente a um computador que a um ser humano, crianças que não conseguem – e já nem querem - ter tempo (ou, no mínimo, tempo de qualidade) com as famílias, crianças que não criam laços afectivos porque não as ensinámos a criar, crianças em que o “bullying” é a sua grande forma de contacto físico umas com as outras, crianças tratadas nas escolas como “o coitadinho que não pode ser chamado à atenção” que se tem vindo a fomentar no ensino português, crianças cobaias de constantes reformas criadas por uns génios do ministério que nunca devem ter visto uma criança à frente, crianças “deixadas andar” nas escolas, em casa, na rua, na vida, essas crianças são os monstros que criámos e, consequentemente, os alunos que temos. Por nossa causa, os (maus) educadores cheios de (boas) teorias.

Repito - os alunos são só e apenas as crianças que nós criámos e que temos. Na escola, em casa, na rua. E, infelizmente para elas, com consequências para toda a sua vida.


Continuemos, então, a olhar para o lado (com o espírito "não vemos, logo não acontece") que, no futuro, quando as crianças de hoje forem os adultos de amanhã, o brilhante resultado estará ainda bem mais à vista. E no YouTube.

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