CUOTIDIANO

domingo, outubro 08, 2006

Merlim poisou a palavra

Merlim poisou a palavra, a cabeça, o tempo, sobre a almofada disfarçada de deuses extintos. Julgou voar enquanto a poisava. Julgou viver, estava certo de viver ainda mais intensamente enquanto morria.

A verdade é que já tinha passado o seu tempo, a sua vontade, o seu desejo de ter desejos – só lhe sobrava tempo e, mesmo assim, pouco.

Do princípio. Merlim era mágico – não transformava sapos em príncipes mas fazia com que príncipes não se deixassem transformar em sapos, o que já não era mau, tanto mais atendendo à sua provecta idade

Do meio. Merlim nem sequer existia mas todos julgavam, pensavam, sabiam que sim – Merlim era o seu lado mágico, aquele lado só possível de ver após trezentas poções mágicas à base de cenouras e ervas estranhas (havia sempre aqueles cépticos que achavam que o viam ao centésimo copo de whiskie, mas isso era só uma lenda). Seja como for, Merlim era um pássaro, um dragão, um ser humano, qualquer coisa – desde que fizesse bem a alguém, desde que desse jeito.

Do fim. Merlim poisou a cabeça, já disse. O tempo final também poisou sobre ele. Estranhos perguntaram-lhe::

- Tu que já leste milhões de livros, já estudaste a Humanidade, a desumanidade, o desespero, o tempo, tudo, diz-nos antes de morrer – O que é a vida, qual o seu significado, porque estamos aqui, qual a nossa função, destino e objectivo?

Merlim tentou responder-lhes num último esforço:

- gnhic grunf plic ploc puc!

Então morreu. Felizmente, a Humanidade ficou na ignorância

Hoje, tentamos fazer o nosso próprio destino. Sem Merlim para nos ajudar. Sem Merlim. Ponto. Feliz e estranhamente, somos os nossos próprios amigos e inimigos, simultaneamente. Sem Merlim para nos ajudar. Sem Merlim. Ponto.

PS - Mais um roubo, mais uma viagem - obrigado ao "Fotoescrita", que recomendo vivamente!

6 Commenários:

  • Tem a sua graça, lá isso tem.
    M

    By Blogger M., at 8 de outubro de 2006 às 13:53  

  • Muito bem escrito, miúdo! ;-)
    O estilo da primeira parte, então...!
    Eu tenho o meu Merlim. Tu'?...
    Até já! :-)

    By Blogger APC, at 8 de outubro de 2006 às 15:50  

  • Agarrar a vida com unhas e dentes e fazer dela o melhor que conseguimos e que sabemos. E se isso não chegar, que se lixe! Também não passa de um infinitésimo de segundo no cosmos...

    By Blogger Nuno Guronsan, at 8 de outubro de 2006 às 17:16  

  • Do princípio. Quanta falta nos faz esse Merlim. Há tantos sapos a engolir quanto o número de estrelas vistas no céu. Príncipes? espécie em extinção.

    Do meio. O mágico existia. Era um pássaro, era um avião, era o super-homem. Era visto, a olho nu, sempre às seis horas da tarde. Nas demais, reza a lenda, só com o auxílio luxuoso de bebidas de alto teor alcoólico (assim reza a lenda).

    Do fim. Morre Merlim, deixando órfã toda humanidade. O abandono foi acompanhado de um voto de confiança. (Ele acreditava sermos capazes de nos sabermos.
    Pobre Merlim. Terá partido para o lado misterioso enganado e iludido ?

    By Blogger Leticia Gabian, at 9 de outubro de 2006 às 01:04  

  • Ainda acreditas no Pai Natal?

    :)

    Eu acredito. E nos Merlins espalhados por esse Mundo fora... o resto é apenas conversa de chacha... ou seria de chácháchá?

    Beijos

    By Blogger A, at 10 de outubro de 2006 às 18:10  

  • "gnhic grunf plic ploc puc!" tradução livre: o que é vida e o seu significado só saberemos no fim do jogo, a razão para estarmos aqui, foi por termos clicado no link para este blog e a nossa função, destino e objectivo neste momento é acabar o comentário.

    Gostei da ideia de no princípio o Merlim ser mágico por fazer com que os príncipes não se deixassem transformar em sapos...apesar de haver sapos bem simpáticos.

    Um beijinho

    By Blogger redonda, at 10 de outubro de 2006 às 20:56  

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