Tirem-me esta vaca de minha casa!
Acordei. Pior. Acordei estremunhado. Pior ainda. Fui acordado. Pior pior ainda. Fui acordado por um qualquer silvar irritante. Quase a rebentar de instintos assassinos e após chocar três vezes com o armário, lá consegui chegar à sala de onde, pelo menos aparentemente, o ruído provinha – e não é que lá estava uma vaca, descrevendo órbitas elípticas em volta do candelabro sec. XVII banhado a ouro, ruminando umas estranhas ervas com um ar deliciado e deixando escorrer, por entre sorrisos, uma espessa saliva esverdeada? Que chatice! Logo havia, ontem à noite, a porcaria da janela de ter ficado aberta!
(Momento de dúvida e hesitação: Mas... não seria uma mosca? Não, não pode ser, as moscas não ruminam, que estupidez a minha!)
(Bom, de volta à realidade). Tentei enxotá-la... nada. Tentei suborná-la com um pato de loiça extremamente giro... nada, nenhuma reacção outra vez. E agora, com aquela vaca ali, como é que eu poderia ter uma vida normal? Bom, na verdade também já não tinha...
Não interessa, adiante. Passei o dia a tentar pô-la a andar dali para fora mas, depois de muitas tentativas e de muito ruminar mental (acho que já começava a ter ataques de mimetismo...) tentando descobrir uma saída para esta crise - e para ela, principalmente -, pensei para comigo: “Isto só vai lá com uma solução radical!”
Assim fiz. Aproximei-me dela, fiz o meu olhar sério nº 49 e disse com firmeza:
- Sobreiro!
Abruptamente, a órbita da vaca começou a fazer algumas oscilações bruscas que, pouco depois, pararam, estabilizando o vôo; no entanto, a órbita parecia agora menos elíptica e mais circular. Pareceu-me ouvi-la dizer “sendo uma circunferência um caso particular de uma elipse, por definição também ela é uma elipse, minha grande besta!”; mas preferi fazer-me de surdo – afinal quem é que era aquela vaca para me dar lições do que quer que fosse?
- Sobreiro! – repeti convicto.
A vaca abanou novamente mas, tentando resistir, passou a uma estranhíssima e defensiva órbita rectangular o que é, manifestamente, uma impossibilidade física. Então mas... seria ela também movida a motores de propulsão de improbabilidade infinita? Teria ela mecanismos de defesa auto-imunes-de-geo-biogás-mega-macro-K27-ou-seja-poderosos-à-brava? Seria já um upgrade de uma vaca topo de gama? Será que Deus põe um nariz vermelho para brincar ao Carnaval? Já eram dúvidas a mais para o meu modesto cérebro. Mas ignorando deliberadamente os riscos que corria, continuei a investida sem hesitação, pensando “que se lixe, isto assim é que não pode ficar, tanto mais que ela usa um relógio vermelho com ponteiros azuis o que, só por si, já denota uma grande falta de gosto”.
- Sobreiro! – insisti e insisti e insisti e insisti...
Abreviando. Depois de mais cerca de quinze impiedosos ataques com a palavra “sobreiro”, a vaca não conseguiu resistir. Com estrondo caiu ao chão, chorando e implorando:
- Pare, pare, não aguento mais, eu vou-me embora para a semana!
- Sobreiro!
- Está bem, amanhã.
- Sobreiro!
De facto, não aguentou mais. Ainda acabava eu de pronunciar a palavra assassina, já ela voava dali para fora, partindo a janela que entretanto, e com as correntes de ar geradas pelas várias órbitas, por azar se tinha fechado.
Por uma estranha e infeliz coincidência, mal isto acontecia ouvi o barulho de uma chave rodando na fechadura - era a dona da casa. “Estou tramado”, pensei. Rapidamente me escondi por detrás de uma lâmpada do candelabro e esperei que anoitecesse para a morder – é que toda esta crise fez-me cá uma fome!...
(Momento de dúvida e hesitação: Mas... não seria uma mosca? Não, não pode ser, as moscas não ruminam, que estupidez a minha!)
(Bom, de volta à realidade). Tentei enxotá-la... nada. Tentei suborná-la com um pato de loiça extremamente giro... nada, nenhuma reacção outra vez. E agora, com aquela vaca ali, como é que eu poderia ter uma vida normal? Bom, na verdade também já não tinha...
Não interessa, adiante. Passei o dia a tentar pô-la a andar dali para fora mas, depois de muitas tentativas e de muito ruminar mental (acho que já começava a ter ataques de mimetismo...) tentando descobrir uma saída para esta crise - e para ela, principalmente -, pensei para comigo: “Isto só vai lá com uma solução radical!”
Assim fiz. Aproximei-me dela, fiz o meu olhar sério nº 49 e disse com firmeza:
- Sobreiro!
Abruptamente, a órbita da vaca começou a fazer algumas oscilações bruscas que, pouco depois, pararam, estabilizando o vôo; no entanto, a órbita parecia agora menos elíptica e mais circular. Pareceu-me ouvi-la dizer “sendo uma circunferência um caso particular de uma elipse, por definição também ela é uma elipse, minha grande besta!”; mas preferi fazer-me de surdo – afinal quem é que era aquela vaca para me dar lições do que quer que fosse?
- Sobreiro! – repeti convicto.
A vaca abanou novamente mas, tentando resistir, passou a uma estranhíssima e defensiva órbita rectangular o que é, manifestamente, uma impossibilidade física. Então mas... seria ela também movida a motores de propulsão de improbabilidade infinita? Teria ela mecanismos de defesa auto-imunes-de-geo-biogás-mega-macro-K27-ou-seja-poderosos-à-brava? Seria já um upgrade de uma vaca topo de gama? Será que Deus põe um nariz vermelho para brincar ao Carnaval? Já eram dúvidas a mais para o meu modesto cérebro. Mas ignorando deliberadamente os riscos que corria, continuei a investida sem hesitação, pensando “que se lixe, isto assim é que não pode ficar, tanto mais que ela usa um relógio vermelho com ponteiros azuis o que, só por si, já denota uma grande falta de gosto”.
- Sobreiro! – insisti e insisti e insisti e insisti...
Abreviando. Depois de mais cerca de quinze impiedosos ataques com a palavra “sobreiro”, a vaca não conseguiu resistir. Com estrondo caiu ao chão, chorando e implorando:
- Pare, pare, não aguento mais, eu vou-me embora para a semana!
- Sobreiro!
- Está bem, amanhã.
- Sobreiro!
De facto, não aguentou mais. Ainda acabava eu de pronunciar a palavra assassina, já ela voava dali para fora, partindo a janela que entretanto, e com as correntes de ar geradas pelas várias órbitas, por azar se tinha fechado.
Por uma estranha e infeliz coincidência, mal isto acontecia ouvi o barulho de uma chave rodando na fechadura - era a dona da casa. “Estou tramado”, pensei. Rapidamente me escondi por detrás de uma lâmpada do candelabro e esperei que anoitecesse para a morder – é que toda esta crise fez-me cá uma fome!...
11 Commenários:
Olha, venho cá para te contar uma coisa estranha:
Acreditas que eu sonhei que vinha ao teu blog ver se tinhas novidades - pois há muito não sabia da tua pessoa - e de repente dava com um post sobre uma vaca a voar em torno do teu candeeiro de tecto? Bom, só te digo... Às tantas fartavas-te de dizer um nome de uma árvores qualquer, e à conta disso a bicha lá se pirava pela janela, partindo-lhe os vidros. E depois - esta é forte, mas por favor não me leves a mal, foi só um sonho! - tu escondias-te atrás de uma lâmpada para que não te vissem e mais aos estragos feitos.
Como calcularás, pensei muito se te deveria confessar isto, e espero não ter colocado em risco o nosso convívio de mais de 50 anos. Sabes... Eu não sou completamente louca; mas acredito que pareça nalguns casos, claro. Enfim, tu perceberás! :-*
By APC, at 24 de novembro de 2006 às 02:35
Fiquei com muitas dúvidas existenciais depois deste "post". Quais os poderes da palavra Sobreiro"? Será eficaz com outros seres-vivos? Poderei usá-la em outras situações?
Talvez vá experimentar um deste dias. Já estou a imaginar-me no meu meio profissional e para tentar pressionar um acordo...
By redonda, at 24 de novembro de 2006 às 17:06
Parece-me que és uma muriçoca ou um morcego. Rogo-te que me ensines a palavra assassina capaz de espantar pra Casa Branca esses tais "bichinhos" de asas, que por aqui há em abundância. Podes me mandar por e-mail a informação e o respectivo valor da tua consultoria.
Como sempre, me diverti a morrer! Um beijo pra ti.
By Leticia Gabian, at 24 de novembro de 2006 às 17:36
Caro Senhor
Para quem quiser ler este texto com maior desenvoltura e, obviamente, maior grandeza literária, é favor consultar a colectânea de crónicas de Pedro Mexia «Primeira Pessoa», onde está lá o original. O plágio, meu caro, só retira dignidade a quem o utiliza. Daí, o demérito absoluto daquilo que escreveu, coisa que, acho, devia evitar.
Alípio Dias de Sá
By Anónimo, at 25 de novembro de 2006 às 09:59
Caro Senhor.
Corrijo o que disse. Esse texto é referido por Pedro Mexia nas suas crónicas, mas é da autoria de Mário Henrique-Leiria nos «Contos do Gin Tónic», datados de 1973.
Aliío Dias de Sá (Évora)
By Anónimo, at 25 de novembro de 2006 às 10:10
Em relação ao texto que refere, irei procurar. A única coisa de parecido que me lembro de ter lido foi no "Para acabar de vez com a cultura", do Woody Allen, em que ele conta que, após sair ainda molhado do banho, atendeu o telefone e ficou, devido ao choque que apanhou, a descrever órbitas à volta do candeeiro.
Concordo com o que diz ("O plágio só retira dignidade a quem o utiliza") mas vamos à definição:
"Plágio" é a "cópia fraudulenta do trabalho de outrem que um autor apresenta como sua", sendo que fraude implica dolo, má-fé, "acto consciente com que alguém mantém ou induz outrem em erro; atitude voluntária de um indivíduo com o objectivo de prejudicar outro." (isto sim, é um plágio... de um diccionário!)
Ora, evidentemente não é o caso. Li o livro que cita há dezenas de anos atrás e, francamente, não me recordo de nenhum texto parecido. MAs, como digo, vou ver.
Finalmente, digo-lhe, também, que estou nisto dos "blog's" apenas por brincadeira e para me servir de escape, sem qualquer objectivo de "entrar para a Literatura", pelo que não tem pés nem cabeça a hipótese de eu andar a copiar textos dos outros - isso não me daria gozo nenhum, para além de ser desonesto, o que não "casa" com a minha personalidade, pelo que não lhe admito uma acusação dessas. Voltarei à tarde depois de consultar o livro em questão.
By cuotidiano, at 25 de novembro de 2006 às 12:46
Acabo de consultar os "Contos do Gin-Tonic". O mais "próximo" que encontro é "Tropicália", em que o sujeito enunciado vai até aos trópicos e, quando está preparando o almoço na cozinha de um 10º andar, vê na varanda um elefante, o qual convida para beber um copo, o que acontece. Passa um tempo e à noite já não o vê lá, pelo que resolve procurá-lo na rua. Quando regressa (sem o ter conseguido), em vez do elefante tem lá uma bela morena e umas garrafas de gin, concluindo "é a vida.".
Se acha que é a mesma coisa que o que eu escrevi, é pura má-fé e muito ódio, pelo que só posso concluir que o nome que usa é falso (pois eu não conheço ninguém com esse nome) e está a chatear-me ou para resolver qualquer frustração pessoal, ou para se exibir perante alguém. Em todo o caso, faça-me um favor - desapareça!
By cuotidiano, at 25 de novembro de 2006 às 18:09
Tens que dizer a palavra mágica! ;-)
Um grande beijo!
By APC, at 25 de novembro de 2006 às 18:34
Mas não é que tem gente pra tudo?!
Tenha dó!!!!
Um beijo bem grande, pra ti.
Um "sobreiro!", para quem de direito.
By Leticia Gabian, at 26 de novembro de 2006 às 03:00
Fico contente de ver que voltaste à magia do texto e, como sempre, repleto de surrealismo e bom sentido de humor. Gosto muito de te ler. Continua sempre!
Um abraço amigo
El Madrigal
By Anónimo, at 26 de novembro de 2006 às 05:55
Há gente sem nada de interessante para fazer, realmente...
Continua a fazer-me rir, se fazes o favor, Cuotidiano! :)
By Patrícia, at 28 de novembro de 2006 às 22:29
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