CUOTIDIANO

sábado, abril 07, 2007

Sócrates por um canudo

Antes do mais e como ponto prévio, queria que ficasse bem claro que, na minha opinião, o facto de o primeiro-ministro ser ou não engenheiro é totalmente irrelevante, já que não está a projectar nem pontes, nem barragens, nem a fazer engenharia de qualquer tipo, mas sim a exercer um cargo político, cargo esse em que o mais importante não é possuir títulos nem grandes conhecimentos científicos, mas sim ter mínimos de cultura geral e inteligência (bom, de preferência um pouco mais que mínimos...) e um máximo de bom senso. Ou seja, Sócrates poderia ser, de origem, padeiro, médico, merceeiro, advogado ou motorista que não interessaria rigorosamente nada para as funções que exerce. Esclarecido este aspecto, prossigamos.

Segundo a biografia oficial do primeiro-ministro, recentemente alterada no portal do governo(*), o primeiro-ministro é “licenciado em engenharia civil” e não “engenheiro civil”, conforme, aliás, constava da versão anterior no mesmo site. Ou seja, o primeiro grande mistério de que tanto se fala foi resolvido pelo próprio – José Sócrates não é, de facto, engenheiro. Mas... “licenciado em engenharia” ou “engenheiro” não é a mesma coisa? - perguntarão alguns leitores. Não, efectivamente não é. Esclarecendo: após a conclusão da licenciatura e para que se possa exercer engenharia, é necessário apresentar na Ordem dos Engenheiros certificado de habilitações passado pela instituição – por aquela reconhecida - onde o estudante se licenciou, fazer exame ou tese de admissão (este aspecto foi sendo alterado ao longo do tempo) à mesma Ordem, ser-se nessa sede aprovado e, posteriormente, inscrever-se como seu membro. A partir daí, e só nesse caso, se poderá assinar projectos e utilizar o título de “engenheiro”. Assim, deduz-se que, a José Sócrates, falta um ou mais destes requisitos, sendo legítimas e possíveis diversas interrogações, nomeadamente “será que o curso e a instituição que frequentou são reconhecidos pela Ordem dos Engenheiros?” ou “será que tem certificado de habilitações válido?” ou, mais prosaicamente, “será que, apenas, não esteve com paciência para fazer outro exame?” (esta última não parece muito plausível, já que, segundo a biografia oficial, ainda fez um curso de pós-graduação... ). Bom, conclua o leitor como (e se) entender...

Quanto ao outro mistério - se realmente fez a licenciatura -, como em qualquer filme de suspense que se preze, fica-se à espera de resolução nos episódios seguintes, sendo previsível que o próximo passe na segunda-feira que vem numa televisão perto de si.

Duas reflexões, no entanto, me parecem importantes fazer sobre todo este caso. A saber:

- A primeira, a do folhetim “tem título ou não tem”. José Sócrates, o grande defensor dos “planos tecnológicos” e das “formações profissionais” mostrou que, infelizmente, também segue o bacoco exemplo do país que temos: quer sempre fazer-se passar por algo que, realmente, não é (veja-se o boom do crédito para compra de carro e outros bens pessoais, à custa de astronómicos endividamentos...), sendo que o “canudo” - que tomou uma importância que só se pode justificar como forma de "tapar" a incompetência ("não sabe fazer nada, é certo, mas é doutor!”) - e não a capacidade e os valores pessoal e profissional, ainda abre muitas portas e carrega consigo resmas de prestígio. Mas, por comparação, olhemos um pouco lá para fora: Lula é metalúrgico (e di-lo - e bem - alto e bom som, com sentido orgulho), Blair não tem (como Churchill não tinha) qualquer curso superior, Chirac (como Miterrand) também não, Putin (como Gorbachev) nunca se formou - e por aí fora - e não é por isso que houve, há ou haverá qualquer problema; é irrelevante a “profissão civil”, o que interessa é se se é um bom primeiro-ministro ou um mau primeiro-ministro. Apenas isso. Aliás, não nos esqueçamos, no pólo oposto, da bela governação de Santana Lopes, que não só é “Dr.” como, ao que se sabe, legítimo e ilustre membro da Ordem dos Advogados...

- A segunda, sobre o próprio ensino superior privado em Portugal. Como salta à vista de um cego, este caso só vem revelar factos que toda a gente está careca de saber, nomeadamente a completa incompetência, desorganização e nenhuma credibilidade da grande maioria dos cursos desse tipo de ensino, cujo único objectivo de excelência é cobrar elevadas propinas. Por outras palavras, há cursos em Portugal em que quase se compram "canudos". Como é evidente, existem excelentes universidade privadas (a “Católica”, por exemplo) que ministram óptimos cursos, não está “tudo no mesmo saco”. Mas precisamente por isso e por forma a “separar o trigo do joio”, terá sempre que haver (e, actualmente, não há, sabe-se lá com que interesses por detrás...) controlo, inspecções periódicas, análises frequentes e todo um vasto conjunto de mecanismos de salvaguarda da qualidade do ensino, por forma a que os estudantes realmente interessados em aprender (e respectivas famílias) não acabem a comprar “gato por lebre” e façam a sua escolha de universidade de um modo informado, livre e consciente. Acessoriamente, todo este caso está também a mostrar à evidência o regime de compadrio em que boa parte do ensino superior privado funciona - hoje és meu professor, amanhã meu acessor, depois contratas amigos meus, a seguir eu nomeio amigos teus para a administração de uma empresa pública, depois dás-me um mestradito...

Finalmente, uma curiosidade a propósito: só mesmo neste país é que a (brilhante) série televisiva de título original "House" tem direito a “canudo”. Ou seja, em Portugal é... Dr. House!
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(*) “http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Primeiro_Ministro/Biografia/”
“Primeiro-Ministro - breve nota biográfica
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Nascido em Vilar de Maçada, concelho de Alijó, distrito de Vila Real, em 6 de Setembro de 1957
Licenciado em engenharia civil
Pós-graduado em Engenharia Sanitária, na Escola Nacional de Saúde Pública”

A título de curiosidade apenas, a biografia oficial não assinala nem data de conclusão de curso nem por onde, contrariamente ao que acontece com outros membros do Governo - provavelmente por ser, apenas, “breve”, conforme consta do seu título,“breve nota biográfica”. .. (que, se calhar, é assim abreviada porque o seu autor não tinha tempo para mais, atrasado que estava para as aulas...)

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7 Commenários:

  • Neste esgotado país - pelas notícias que lemos de há uns anos a esta parte - só falta ouvirmos dizer que vamos ter vacas a voar sobre os céus de Portugal...

    Boa Páscoa meu amigo e que um deus qualquer nos valha.

    By Blogger zé lérias (?), at 7 de abril de 2007 às 21:10  

  • Foste indo, indo, indo... E terminaste brilhantemente. Onde é que aprendeste tal truque? ;-)))

    PS - Aqui há tempos vi um pouco de um programa lúdico sobre curiosidades científicas que passava num canal tuga, em que a apresentadora tratava por "doutor" o outro apresentador, a quem deram o papel do cientista. Sim, porque se o rapaz tivesse outro nome, poderia ser tomado por incompetente. Eu quando tiver um filho vou baptizá-lo "doutor". Onde é que já se viu José, como aquele que foi. obviamente, enchifrado?, ou Lula, que é nome de molusco?, ou Sócrates, que nem sabia escrever, apenas dizia umas coisecas diferentes?...

    By Blogger APC, at 8 de abril de 2007 às 06:58  

  • http://blogmanuelino.blogspot.com/

    By Blogger Ricky, at 8 de abril de 2007 às 12:59  

  • Um canudo rosa-choque!

    Boa semana, beijinho*

    By Blogger Maria P., at 8 de abril de 2007 às 23:24  

  • Sabia que poderia contar com o teu humor acutilante para desbravar este terreno perigoso das politiquices & canudices. :)

    (não tenho de te tratar por excelentíssimo reverendíssimo senhor doutor engenheiro professor mestre do humor Cuotidiano?)

    By Blogger Patrícia, at 9 de abril de 2007 às 01:34  

  • Meu caro, coerente como de costume. Concordo com a análise da forma pedante como todos querem ser doutores. Mas o meu amigo tb reconhecerá que não foi o primeiro ministro que pessoalmente registou a sua breve nota biográfica. Amanhã saberemos o final da novela que se começa a desenahr previsivel, e logo depois se pode arranjar alguma coisa útil para discutir...

    By Blogger José Raposo, at 9 de abril de 2007 às 23:02  

  • Caro Cuoti,
    Muito cá entre nós, não é bem por ficar a abanar um canudo que alguém vai estar à frente de um país, seja o teu ou o meu. Agora, o que nos faz falta, e de verdade, são os super poderes do S-B e da sua trupe. Já imaginou uma equipe de governo formada por um time assim?

    By Blogger Leticia Gabian, at 10 de abril de 2007 às 05:13  

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