CUOTIDIANO

sexta-feira, agosto 03, 2007

Transbordante de amor

Saí de casa transbordante de amor. Estava mesmo, mesmo quase a rebentar. Precisava de um beijo, de dançar, saltar, gritar “Gertrudes da Silva!” - qualquer coisa que fosse, senão explodia!

Passei em frente ao quiosque do costume, onde estava, como em todos os outros dias, aquela rapariga de branco, de verde, de pé, que todas as manhãs, noites, madrugadas, devassava a privacidade da minha imaginação, ao aparecer sempre nua em todas as ocasiões – mesmo quando eu apenas sonhava com os números do Totoloto.

Ela nunca reparara em mim, confesso. Por isso, nesse dia resolvi improvisar. Pus uma maçã na boca e atravessei a rua, bem em frente ao local onde ela estava – não acredito que ela não reparasse em mim tomando-me pelo “porquinho babe”, o meu ídolo sexual! Por azar era judia e não comia carne de porco – até na gastronomia religiosa tenho azar...

Bom, adiante. Transbordante que estava, passei pela papelaria, onde uma valquíria lésbica vigiava o tabaco – esforcei-me por ficar ali um pouco mas, obviamente, fugi, já que tanta masculinidade junta só poderia dar bronca.

É verdade – continuava desesperado, tal era a minha “transbordância” de amor.

Mas continuei. Por mera coincidência reparei que, no passeio oposto aquele em que estava, o Estado violava mais um cidadão, numa cena de sodomia e manteiga light. Tudo normal, portanto.

Bom. Desesperado que estava, resolvi passar em frente ao talho, onde a estrábica filha do dono me olhou lascivamente e com uma faca afiada na mão – enfim, se calhar não era para mim que olhava, apenas para os bifes da pá; mas que se lixe!. Por momentos pensei engolir o orgulho (e as facas e também a visão infernal) e ir ter com ela. Felizmente, foi só por breves momentos e muito antes das muitas imperiais. Enquanto me afastava ainda a ouvi gritar que tinha sexo selvagem para oferecer, ao que eu respondi (de longe, claro!) que só se fosse em azul. Ela torceu o nariz e eu, aproveitando o momento de dúvida, resolvi vir-me embora com o nariz dela que, apesar de torcido, ainda me serviria para um belo fetiche!

Enfim, continuava desesperado e quase, mesmo quase, quase, quase a transbordar de amor. Rezei aos santos, principalmente aos da informática e dos filmes porno, tentando por todas as formas salvar-me sozinho, já que o Deus propriamente dito dormia, num ressonanço divino.

Continuei de novo. Reparei num cartaz numa porta – “Violência gratuita” – e resolvi entrar; tanto mais que, nos restaurantes, quando oferecem as azeitonas também como o caroço. Sim, sou doido por borlas, confesso.

Mal entrei, levei logo um banano que me deixou inconsciente, não sem antes ter terminado três órbitas completas ao candeeiro Luis XIV que vigiava a sala. Doeu-me à brava mas controlei-me – afinal sempre era de graça, não é?

Vim-me embora. Voltava eu a casa já conformado, quando deparo com um sapo, acabadinho de montar uma Internet. Era a minha oportunidade. Perguntei-lhe se podia ajudar e ele, generosamente, deixou-me montar um rooter azulado.

Saciei-me de amor.




(Pensei que sim. Até hoje, que te lembro enquanto escrevo coisa parvas).

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