CUOTIDIANO

domingo, fevereiro 01, 2009

Desencontros (I)

Quando ele chegou à sua beira e lhe disse, em tom baixo e terno, que a amava pelo que realmente ela era por dentro, independentemente do seu físico, ficou petrificada. Tantos anos a cuidar-se – ginásios, dietas, esteticistas, sofrimentos, sacrifícios – para conseguir aquele corpo escultural, atingindo um ponto de deslumbramento tal que até os reis do piropo, os operários da construção civil, de tão boquiabertos que ficavam, não lhe conseguiam, sequer, assobiar dos andaimes, e aquele camelo a borrifar-se assim, numa obra de arte - sim, porque era de arte que se tratava - que tanto trabalho lhe havia dado a criar. Não podia ser.

- Estás a brincar, não estás? – perguntou, com uma réstia de esperança.

- Não, meu amor, não estou. É isso mesmo que eu sinto, querida.

Enquanto ele acabava de sorrir docemente, ela flectiu ligeiramente os joelhos, saltou, já no ar esticou a perna, e aterrou no queixo dele com o pé direito à frente, num poderoso e muito treinado golpe de "kung-fu". Enquanto ele, dolorosamente e ainda estonteado, se tentava levantar, ela arrancou furiosamente umas quantas pedras da calçada e começou a atirar-lhas - com grande garbo, diga-se -, enquanto ele fugia a sete pés, tentando salvar-se daquela imensa chuva de granizo calcário.

- Maricas, é o que tu és! A fugir dessa maneira! Maricas!

Sem se dar conta, ela havia acertado – de facto, ele só tentava arranjar uma maneira suave de lhe confessar que, afinal, era homossexual…

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