CUOTIDIANO

sexta-feira, maio 07, 2010

O Macaco de Rabo Azul Amarelo Cinzento de Cor Indecifrável Que Apenas

Foi quando ela se sentou ao colo do meu olhar que eu tentei fugir. Para longe, longe mesmo. No fundo, partir até ao fundo dos seus rubros glóbulos brancos. (Mais tarde, em paralisia dos sentidos, olhei-a como quem olha o passar do tempo. Flutuaria?)

Passou tempo, passou todo o tempo que resta e ela fica, permanece. Fria e indiferente ao que quer que seja que lhe digam. Mesmo que alguém lhe dirigisse um hálito de nuvem ela responderia com um sonho distorcido por aranhas. E fica, permanece. De saudades desfeitas como quem trucida os momentos para os transformar em negações de qualquer contacto com os dedos, com a vida, com os inúmeros minutos que compõe um segundo preenchido desse seu corpo. Curiosamente, é o mesmo – seu, apenas seu - corpo que permanece como fonte, como banho sagrado, como renascer suave dos sorrisos do passado. Que lhe terá acontecido, que dor transportará?

A verdade é que passa o tempo, tempo passa sem passado - só não pára porque a brisa o transporta. Sim, na brisa, na brisa transportamos todos os tempos sem momentos para os enterrarmos – na esperança que floresçam como sangue de árvores extintas, como falésias de beijos pesados de enorme leveza etérea. Que tempo ela terá?

Entretanto, o macaco de rabo azul amarelo cinzento de cor indecifrável que apenas quer fugir, resolveu declarar-se representante legítimo e absurdo da jaula enorme e circunspecta que é a nossa vida – sempre reduzida a frases, palavras, sílabas, sons, grunhidos extemporâneos e inúteis de alma perdida por entre mares errantes à procura de um novo rótulo - e gritou. O quê?

Mas hoje, de facto, eu só queria que te sentasses ao meu colo, onde os séculos duram lágrimas, onde o tempo trespassa os ombros, onde a saudade morreu de conjuntivite e de uma cornada, e que trocássemos as palavras por senhas de racionamento de sais de banho e licores, por vapores de metropolitano e Marilyns de olhares bandarilheiros e num abraço partíssemos – é que, ao chegar Lá, sei que renasceremos por entre veredas, fontanários e lama, como um imbondeiro farto de contar os dias, como espinhos de cactos mortos. Por outras palavras: troquemos os dias, tranquemos as almas e partamos - até que a Morte nos faça viver juntos para sempre.

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