CUOTIDIANO

domingo, agosto 02, 2009

Uma morte única

Podia dizer que foste a minha melhor morte. Podia.

É que já morri pelas noites de Lisboa em ataques de coração rasgado, já me engasguei à porta dos desejos asfixiando-me de branco, já tropecei em saudades esvaindo-me em mim num qualquer ombro abandonado, já fiquei esmagado pela queda dos anjos mortos pela espera de alguém – mas, confesso, nunca me tinha acontecido nada assim.

Agora morri enquanto amava, morri ao tanto te querer, morri por rastejar no pó de estrelas que esvoaça pelo cheiro dos teus cabelos, envenenando-me de ti, morrendo mais e mais ainda a apertar-te a mão, tua mão de mundos e de guerras perdidas – tu que me viste como sou, carne e podre, olhos e cegueira, sede de ti e de todas as outras outras e outras fontes por criar e mais outras ainda.

Podia também dizer que, ao fazer a barba de manhã, estava com uma erecção estuporada – mas a culpa não era tua, apenas de não ter mijado. Por isso é que nunca nos entendemos – é que eu podia dizer Isto e Aquilo e depois, armado em parvo, dizer Coisas.

Mas – deixa - não digo nada.


Espero-te, apenas, no Silêncio.

(Meu amor.)

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2 Commenários:

  • Texto fantástico e, no final, como é do teu timbre, tiveste de jogar com o inesperado que é a matiz de todo o humor. Sê de novo bem-vindo, Cuotidiano, ao espaço onde a (nossa) catarse encontra acalmias divinas.

    Abraço

    Madrigal

    By Blogger Madrigal, at 10 de agosto de 2009 às 11:33  

  • "... é que eu podia dizer Isto e Aquilo e depois, armado em parvo, dizer Coisas"... Bem bonito! :-)

    By Blogger APC, at 12 de fevereiro de 2010 às 00:30  

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