CUOTIDIANO

domingo, outubro 09, 2011

Percepções da realidade


I



Um dia, o pequeno Julian acordou com o delírio que lhe havia sido confiada uma Missão com maiúscula e tudo: iria purificar o Mundo, expurgá-lo da mentira e da hipocrisia, e passaríamos todos a viver na Verdade, sem serem sequer precisas religiões, numa felicidade, pureza e transparência tantas que os advogados só serviriam para papel higiénico.

Uns dias depois, ao roubar o seu primeiro computador, Julian Assange ficou a saber que a sua legítima proprietária, a jovem Millie, andava metida com o reitor do Liceu – claro está que pôs logo a boca no trombone, criando uma legião de fãs adepta de chatear o poder instituído e, simultaneamente, uma legião ainda maior de tipos que lhe queriam mostrar o que era uma mais que verdadeira sova. Para seu azar, nestes últimos incluía-se o irmão de Millie e seus amigos da equipa de râguebi local que, mui amavelmente, o fizeram sentir na pele o quanto haviam estimado todo aquele ritual de purificação.

Entusiasmado com a saga, uns anos mais tarde fundou a WikiLeaks (uma espécie de gossip girl mas em versão informática) e conseguiu sacar uns quantos segredos diplomáticos que o Mundo desconhecia por completo, nomeadamente que o Berlusconi era louco por orgias com adolescentes, que o Putin era um ditador asqueroso e que os americanos achavam que dominavam o Mundo a partir de um conjunto de hambúrgueres espiões. Sim, tudo tinha que ser exposto, não havia lugar para segredos num mundo decente e frontal!

Entretanto, inchado de tanta missão cumprida e feliz consigo próprio, resolveu escrever a sua biografia - ele e o Mundo mereciam. Contratou um “ghost writer”, começou a ditar-lhe a sua vida em detalhe e, chegados ao fim, resolveu reler tudo com atenção. Estranhamente, pela primeira vez hesitou.

“Será que toda a gente precisa de saber tudo?” – interrogou-se o já não tão jovem Assange. “Se calhar é melhor esquecer isto, um tipo também tem direito à sua privacidade.”

Claro está que o “ghost writer”, com tudo o que havia aprendido com Assange, resolveu fazer dinheiro (e de Assange) e, claro está, publicou a biografia. E o que é que é mais extraordinário nisto tudo, para além de o dito Assange ter sido comido na própria teia (o que, por si só, já seria extremamente divertido)? É que se criou um novo estilo literário! Sim, criou-se, não tenham dúvidas! Já havia biografias autorizadas, já havia biografias não autorizadas, já havia auto-biografias – mas agora criou-se a (rufem os tambores) “auto-biografia não autorizada”! E de quem? Do rei da transparência, aquele que, agora, não autorizou que se publicasse, sequer, a história de sua vida que ele próprio ditou! Enfim, sempre há direito à privacidade, não é assim, Assange?

(A agora também já não tão jovem Millie é que se deve estar a rir à gargalhada…)






II





Não há buraco na Madeira. Não, o buraco da Madeira é de mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 2 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 3 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 4 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 5 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 6 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 7 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 8 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 9 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 8 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 7 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 6 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 5 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 4 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 3 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de 2 mil milhões. Não, o buraco da Madeira é de mil milhões. Não, não há buraco na Madeira.




III



(Notícia de jornal, citação integral)




Um britânico de 46 anos atacou um adolescente depois de este ter ganho uma partida on-line no videojogo de guerra «Call of Duty: Black Ops»

O caso teve lugar na localidade de Plymouth no início de Julho e está actualmente a ser julgado.

Segundo avança a imprensa local Mark Bradford, um homem de 46 anos e pai de três filhos, está a aguardar sentença pelo ataque a um jovem de 13 anos.

Em tribunal Mark Bradford admitiu que foi a casa da vítima e tentou estrangulá-la depois de o jovem ter gozado com ele, na sequência de uma partida on-line de «Call of Duty: Black Ops», na qual o jovem tinha assassinado Mark virtualmente.

Citado pela imprensa local o advogado de Mark Bradford alega que o seu cliente tem problemas mentais e “passou-se” quando foi provocado.

A sentença deverá ser conhecida dentro de um mês.

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