CUOTIDIANO

terça-feira, agosto 29, 2006

Botânica

Quando a vi passar avisei-a, delicada e discretamente, que tinha um pessegueiro na bilha. Ela sorriu e esclareceu-me que não era um pessegueiro mas sim uma nespereira.

- “Peço imensa desculpa, mas... tem a certeza?”, perguntei quase a medo.

Amavelmente, ela retirou um fruto de um ramo que saía, com dificuldade, de sua bilha e deu-me a provar. Era, de facto, uma nêspera - por sinal, deliciosa.

- “Só lhe posso pedir desculpa, minha senhora, lamento a confusão”, disse envergonhadamente, ensaiando uma pequena vénia.
- “Não faz mal, acontece-me muito, sabe, há imensa gente que também se engana como o senhor e me vem chamar à atenção; é que, hoje em dia, ninguém percebe quase nada de Botânica - sinal dos tristes tempos em que vivemos...”, retorquiu, entrecortando as palavras com pequenos e suaves suspiros de lamento pela cada vez maior ignorância da Humanidade.

Constrangido e embaraçado, pedi desculpa mais uma vez, agradeci a nêspera e vim-me embora, sob os olhares reprovadores, embora discretos, de todos os que observavam aquela triste figura que eu havia feito.

- “Como pude cometer um erro tão grosseiro, confundir um pessegueiro com uma nespereira, meu Deus, como é possível?”, perguntei-me simultaneamente indignado e envergonhado, enquanto voltava em passo apressado para casa, prometendo a mim próprio começar, nesse mesmo dia, a estudar Botânica, para que situações completamente humilhantes como aquela não mais me voltassem a acontecer.

Chegado a casa vi meu Pai passar com um ananás na bilha, cantarolando um sambinha, numa singela mas sentida homenagem a Carmen Miranda. Ou... seria um abacaxi?

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