CUOTIDIANO

quinta-feira, agosto 10, 2006

Onde íamos?

- Não sei onde íamos, onde tínhamos ficado; talvez... longe?

Foi tudo o que lhe conseguiu dizer, tanto tempo depois. Quanto tempo teria passado, quanto tempo, quanto desse tempo se havia tornado passado? Na verdade, era impossível alguém dizer, o tempo para eles não se media da forma convencional, em dias, horas, minutos... media-se em “demais” ou “aqui estou”.

- Não sei também, talvez em... “faltas-me”?

Era verdade que se faltavam, era verdade que o que tinham construído se baseava em faltas, desejos e regressos. Cimentado em dores de alma. Solidificado em palavras, esses não assumidos pedaços de dor.

- Se calhar. E agora, que fazemos com esta presença de morte entre nós?

Talvez a alma, talvez o azul. Talvez o tempo inexplicável, talvez o vento sul, talvez o sabor a sede que experimentaram no primeiro encontro, talvez o desencontro do tempo, da idade, do contratempo das noites desesperadas.. Talvez tudo isso tivesse provocado e invocado essa presença. Talvez.

- Não sei, tens alguma ideia?

O problema é que as ideias só surgiam da outrora imaginada troca de olhares. A primeira aproximação que haviam tido tinha sido a das vozes, ele havia ficado maravilhado com a dela, ela mal percebeu o que ele disse; mas ele tinha a explicação perfeita para disfarçar o timbre nervoso - Adorava tanto as palavras que as comia! Riram-se de forma a acordar as crianças que transportavam dentro de si que, por sua vez, se riram também, assustando algumas estrelas que até caíram, nem que fosse só para dar sorte

- Claro que não, estás farta de saber que tu és o meu génio particular! Por isso, inventa tu qualquer coisa!

Se calhar, não havia nada a inventar; da última vez em que se haviam falado, ela pediu-lhe uma carta, um pedaço da alma e um pouco de azul mas ele havia ficado no seu canto sem saber que dizer, que fazer, que escrever, desalmadamente parado à espera de qualquer coisa por inventar – mas, de facto, o génio era ela...

- Estou? Ainda estás aí?

4 Commenários:

  • "Cimentado em dores de alma. Solidificado em palavras, esses não assumidos pedaços de dor."

    E que coisa pode mais magoar-nos no nosso âmago, do que as palavras amargas das pessoas que amamos? Pior do que uma estalada ou um soco, e com maior poder de permanência na nossa mente...

    Bonitas palavras, amigo. Um abraço.

    By Blogger Nuno Guronsan, at 10 de agosto de 2006 às 20:30  

  • Gostei muito do que aqui deixaste! Mas... permite-me a pergunta. Tá tudo bem contigo??? ;)

    Beijos

    By Blogger Alexandra, at 11 de agosto de 2006 às 02:24  

  • Não podia estar melhor - vou de férias hoje!!!

    Beijos

    PS - Em todo o caso, obrigado pela preocupação.

    PS2 - Não consigo escrever sempre textos bem-dispostos, de vez em quando surgem os do tipo "B".

    By Blogger cuotidiano, at 11 de agosto de 2006 às 09:50  

  • E ela já não estava?
    Mais do que no outro post aqui temos o amor.
    Gosto muito dos textos bem-dispostos, mas também gosto destes (como tipo "B"?)

    Boas Férias

    By Blogger redonda, at 12 de agosto de 2006 às 04:19  

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