CUOTIDIANO

sábado, outubro 14, 2006

“Lisboa vive à custa do resto do país” – mentira ou verdade?

Na sequência do meu post “Só para rir (I)”de terça-feira, 3 de Outubro, no qual escrevi três linhas sobre a redução das transferências de verbas para a Região Autónoma da Madeira, houve um amigo comentador anónimo que escreveu a frase citada em título, ou seja, que “Lisboa vive à custa do resto do país”. Por forma a evitar o regime de “bocas” e, ao invés, se fazer uma análise mais séria, resolvi consultar os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) quer sobre o Produto Interno Bruto, quer sobre a população de cada região, tendo chegado a algumas conclusões interessantes (peço desde já desculpa por os dados se referirem a 2002 pois – não sei se por eu ser um “não-pagante”... – não tive acesso a mais recentes; no entanto, e para o presente efeito, tal não é minimamente relevante). Apresentemos, então - e a partir da simples leitura do Quadro I - algumas delas:

Quadro I – Comparação de Regiões em Termos de PIB (PIB em milhões de euros, PIB per capita em euros)

1) A região de Lisboa contribui com 38% para o PIB nacional (mais de 1/3), sendo a região de maior contributo. Só esta primeira constatação refuta, desde logo, a afirmação do nosso amigo comentador anónimo. Em termos da Região Autónoma da Madeira, “fulcro” do post inicial, a sua contribuição foi de, apenas, 3% - ou mais precisamente, e fazendo o quociente do PIB das duas regiões por forma a compará-las, 14 vezes menor;
2) Poder-se-á dizer que estamos a falar de dimensões populacionais muito distintas entre as várias regiões do País. É verdade. Então, e para que isso não influencie a nossa análise, dividamos o valor do PIB pela população de cada uma, obtendo o PIB per capita (para maior facilidade de análise, criou-se uma coluna de “Índice”, tomando todo o Portugal como o “Índice 100”). E o que é que se pode concluir? Várias coisas, a saber:
a. Que a região de Lisboa tem um contributo 47% acima da média nacional;
b. Mais em particular, a da Grande Lisboa (Lisboa com a exclusão da península de Setúbal) apresenta um valor 72% superior ao do país;
c. De todas as outras, só a Madeira (com 14%) e o Algarve (com apenas 4%) apresentam valores acima da média nacional;
d. Como corolário dos anteriores, e se olhássemos apenas para estes números, poderíamos dizer não que Lisboa vive à custa do resto do país, mas sim que o resto do país vive à custa de Lisboa, principalmente, da Madeira secundariamente e em menor escala ainda, do Algarve;
e. Finalmente, e comparando apenas a Região da Madeira com a da Grande Lisboa, vem que esta última tem um contributo 50% superior à primeira. Por outras palavras e simplificando, em média dois lisboetas “valem”, em termos de PIB, o mesmo que três madeirenses.

Como é evidente, não se pode deduzir daqui que os lisboetas são mais trabalhadores que os outros portugueses; de modo algum se pretende fazer afirmações desse tipo pois, como é óbvio, não se pode comparar uma parte sem olhar para o todo, pelo menos sem correr o risco de se obter conclusões precipitadas. Por outras palavras, para uma análise completa da realidade produtiva havia que analisar, região a região, que investimentos (qualitativa e quantitativamente) houve, qual o grau de desenvolvimento tecnológico, que sectores da economia estarão mais desenvolvidos, qual o seu nível sócio-cultural, etc., etc., etc. Um exemplo: numa dada zona um trabalhador agrícola possui um tractor - evidentemente, produz mais que, numa outra, dois que não disponham desse instrumento. Ora daqui não se pode inferir que o primeiro é mais trabalhador mas, apenas e só, que nessa região a produção é, de facto, maior.

No entanto, e no caso em apreço (Lisboa/Madeira), o valor das transferências de verbas para a Madeira para investimento e desenvolvimento regional quer vindas do Continente, quer de Bruxelas, têm tido dimensões (per capita) incomparáveis com qualquer outra região do país – verdade seja dita, o Dr. Alberto João Jardim tem conseguido, com toda a sua “habilidade” e ao longo do seu (mais que longo) “reinado”, fundos e mais fundos e, até hoje, ninguém lhe fez frente. Assim, não há-de ser por falta de fundos investidos que a Madeira produz menos per capita que “Lisboa”.

Em conclusão, apenas se quis aqui desmistificar a ideia de que “Lisboa vive à custa do resto do país” pois tal não corresponde minimamente à verdade, como atrás ficou demonstrado. As razões que o determinam não são objecto de análise deste texto, por evidente incompetência na matéria do autor destas linhas. No entanto, e como se julga que deixou claro, o facto é que "Lisboa" não vive à custa do resto do país (quando muito quase que se poderia dizer o contrário, coisa que não farei por não concordar com esse tipo de afirmações, seja em que “sentido” for).


PS – Não se pretende aqui abrir uma “guerra inter-regional” mas sim e conforme atrás referi, apenas rebater uma afirmação menos correcta que, de tanta repetição (escrita e oral), corria o risco de passar por verdadeira.

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