Ah, pensadora!
“As canções de fado e a poesia tornaram-se no meio de comunicação em Portugal – como se fosse a nossa CNN”.
Mariza, em entrevista ao “The Observer”.
Não, quem o disse não foi a Marisa Cruz – que essa só tem direito a um “s” no nome (e a um outro belo “ass” também, mas noutro lado) – mas sim a Mariza, a nossa grande fadista que, sabe-se lá porquê, resolveu dizer... “isto”. Imaginemos, então, um telejornal em versão CNN segundo Mariza.
A luminosidade está baixa. Aos poucos aumenta, focando José Rodrigues dos Santos vestido de preto, de crucifixo descomunal ao peito e com um xaile pelos ombros. Do seu lado esquerdo uma imagem de Nossa Senhora de Fátima; do direito uma imagem de mais um atentado no Iraque, com o título “Porra que isto nem à Severa aconteceu”. Começa Rodrigues dos Santos a “pivotar”, cantando com trejeitos fadistas, amaricados q.b.:
Andava eu a passear pela Mouraria
Quando no Iraque só havia porcaria
Rebentaram uns quantos carros armadilhados
Cujos ocupantes voaram pelos telhados
Foram com Deus também dois soldados americanos
Para além de insignificantes mil iraquianos
Meia dúzia de insectos, uma lesma e um caracol
E, finalmente, a porcaria de um espanhol
(Começa a chorar o colega da meteorologia)
Pelo chão escorriam rios ensanguentados
Feitos de sangue, lágrimas e bocados
De gente que ainda nem tinha idade
De sentir pelo Saddam alguma saudade
Oremos todos pelas pobres criancinhas
Que choram tanto porque, coitadinhas
Sabem que nunca subirão até ao Castelo
E nunca na vida brincarão pelo Restelo
(Da realização ouve-se “ah, fadista!”)
Alfama chora por toda a alma que lá habita
O Bairro Alto está cabisbaixo, a Baixa alto grita
O Chiado chia de raiva contra a pobreza
A Bica bebe lágrimas de dor pela tristeza
(Palmas quase histéricas em simultâneo com uivos de dor – provocados por umas palmas mais expressivas que acertaram na cara de alguém)
- Passemos, agora, ao Desporto – ouve-se em “voz-off”. Rodrigues dos Santos recomeça:
Ai Veiga, meu Veiguinha, ouve lá meu
E digo isto quase a morrer de dor
Meteste a mão num bolso que não o teu
E o dinheiro todo na bela da “off-shore”?
Deves ter tido uma avó que te batia
Um pai bêbedo que comia o gato e a tia
Qualquer desgraça que possa justificar
A desgraça em que acabaste por te tornar
E tu tão pobre o que hás-de fazer?
Só se venderes o ouro do dragão
Para comeres uma sandes de corates
E com o troco pagares a tua caução
(“Ah, machão!”, grita o Celsão, operador de câmara brasileiro em camisola de alças para que se veja a tatuagem com borboletas e a Nossa Senhora do Pintinguintimxixaló)
Enquanto as luzes se vão apagando e Rodrigues dos Santos limpa as suas lágrimas com um lenço com a estampa de Amália, ouve-se a “voz-off”:
- E por hoje é tudo. Queremos só agradecer à fadista Marizzza a brilhante ideia que teve e que deu origem a mais este grande contributo para a originalidade e grandeza lusitanas. Ah, pensadora!
Mariza, em entrevista ao “The Observer”.
Não, quem o disse não foi a Marisa Cruz – que essa só tem direito a um “s” no nome (e a um outro belo “ass” também, mas noutro lado) – mas sim a Mariza, a nossa grande fadista que, sabe-se lá porquê, resolveu dizer... “isto”. Imaginemos, então, um telejornal em versão CNN segundo Mariza.
A luminosidade está baixa. Aos poucos aumenta, focando José Rodrigues dos Santos vestido de preto, de crucifixo descomunal ao peito e com um xaile pelos ombros. Do seu lado esquerdo uma imagem de Nossa Senhora de Fátima; do direito uma imagem de mais um atentado no Iraque, com o título “Porra que isto nem à Severa aconteceu”. Começa Rodrigues dos Santos a “pivotar”, cantando com trejeitos fadistas, amaricados q.b.:
Andava eu a passear pela Mouraria
Quando no Iraque só havia porcaria
Rebentaram uns quantos carros armadilhados
Cujos ocupantes voaram pelos telhados
Foram com Deus também dois soldados americanos
Para além de insignificantes mil iraquianos
Meia dúzia de insectos, uma lesma e um caracol
E, finalmente, a porcaria de um espanhol
(Começa a chorar o colega da meteorologia)
Pelo chão escorriam rios ensanguentados
Feitos de sangue, lágrimas e bocados
De gente que ainda nem tinha idade
De sentir pelo Saddam alguma saudade
Oremos todos pelas pobres criancinhas
Que choram tanto porque, coitadinhas
Sabem que nunca subirão até ao Castelo
E nunca na vida brincarão pelo Restelo
(Da realização ouve-se “ah, fadista!”)
Alfama chora por toda a alma que lá habita
O Bairro Alto está cabisbaixo, a Baixa alto grita
O Chiado chia de raiva contra a pobreza
A Bica bebe lágrimas de dor pela tristeza
(Palmas quase histéricas em simultâneo com uivos de dor – provocados por umas palmas mais expressivas que acertaram na cara de alguém)
- Passemos, agora, ao Desporto – ouve-se em “voz-off”. Rodrigues dos Santos recomeça:
Ai Veiga, meu Veiguinha, ouve lá meu
E digo isto quase a morrer de dor
Meteste a mão num bolso que não o teu
E o dinheiro todo na bela da “off-shore”?
Deves ter tido uma avó que te batia
Um pai bêbedo que comia o gato e a tia
Qualquer desgraça que possa justificar
A desgraça em que acabaste por te tornar
E tu tão pobre o que hás-de fazer?
Só se venderes o ouro do dragão
Para comeres uma sandes de corates
E com o troco pagares a tua caução
(“Ah, machão!”, grita o Celsão, operador de câmara brasileiro em camisola de alças para que se veja a tatuagem com borboletas e a Nossa Senhora do Pintinguintimxixaló)
Enquanto as luzes se vão apagando e Rodrigues dos Santos limpa as suas lágrimas com um lenço com a estampa de Amália, ouve-se a “voz-off”:
- E por hoje é tudo. Queremos só agradecer à fadista Marizzza a brilhante ideia que teve e que deu origem a mais este grande contributo para a originalidade e grandeza lusitanas. Ah, pensadora!
3 Commenários:
Ah, verdadeiro artista português, com uma ganda ialma e o humor por fado!!! Ahahahahah... Supremo!
O Fado nasceu um dia
Para quem muito sófria
O poder espantanari
Mas eis que chega um fulano
Que se diz códiano
Ké quem o sabe (en)cantari!
By APC, at 26 de novembro de 2006 às 19:45
* Cótidiano (desculpe, sim?)
By APC, at 27 de novembro de 2006 às 02:13
Amigo cuotidiano
Junto te remeto esta pérola de poesia alentejana, uma vez que te vejo enveredado por esta lindissíma forma de expressão.
Desconheço o autor, mas lê-me esta pérola literária.
Poesia Alentejana
Procurando um caracoli...
Tava eu tirando moncos
Cá da cana do nariz
Enquanto fazia uma mija
Assim tipo... chafariz
Tinha a bexiga tã chêia
Que fiquê lá uma hora
Quando m' assomê em volta
Tinha-s'ido tudo embora
Sacudi o "coiso e tal"
Enquanto coçava a bilha
De tal manêra atascado
C'o entalê na braguilha
Tirê as botas do lodo
Que fizera na mijada
Sacudi tamém as calças
sempre com ela entalada
Pedi ajuda à Ti Micas
Que cerca dali morava
Mas depilou-me os tomates
Ca força com c'a puxava
Ensanguentado da pila
Fui aos tombos pelo monti
Vomitando quasi as tripas
Nã sêi se queres que te conti
Comera dôis pães de quilo
C´um garrafão p'rájudari
Nâ admira ter tado
Três horas a vomitari
Detê-me na palha fresca
Para ver se descansava
Enterrê-me logo em bosta
Da vaca c'ali pastava
E foi assim qu'essa tarde
Conheci um caracoli
Dêtados os dois na palha
C'os cornos secand'ó soli
Um abraço.
El Madrigal
By Anónimo, at 27 de novembro de 2006 às 17:34
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