CUOTIDIANO

domingo, novembro 26, 2006

Ah, pensadora!

“As canções de fado e a poesia tornaram-se no meio de comunicação em Portugal – como se fosse a nossa CNN”.

Mariza, em entrevista ao “The Observer”.


Não, quem o disse não foi a Marisa Cruz – que essa só tem direito a um “s” no nome (e a um outro belo “ass” também, mas noutro lado) – mas sim a Mariza, a nossa grande fadista que, sabe-se lá porquê, resolveu dizer... “isto”. Imaginemos, então, um telejornal em versão CNN segundo Mariza.


A luminosidade está baixa. Aos poucos aumenta, focando José Rodrigues dos Santos vestido de preto, de crucifixo descomunal ao peito e com um xaile pelos ombros. Do seu lado esquerdo uma imagem de Nossa Senhora de Fátima; do direito uma imagem de mais um atentado no Iraque, com o título “Porra que isto nem à Severa aconteceu”. Começa Rodrigues dos Santos a “pivotar”, cantando com trejeitos fadistas, amaricados q.b.:

Andava eu a passear pela Mouraria
Quando no Iraque só havia porcaria
Rebentaram uns quantos carros armadilhados
Cujos ocupantes voaram pelos telhados

Foram com Deus também dois soldados americanos
Para além de insignificantes mil iraquianos
Meia dúzia de insectos, uma lesma e um caracol
E, finalmente, a porcaria de um espanhol

(Começa a chorar o colega da meteorologia)

Pelo chão escorriam rios ensanguentados
Feitos de sangue, lágrimas e bocados
De gente que ainda nem tinha idade
De sentir pelo Saddam alguma saudade

Oremos todos pelas pobres criancinhas
Que choram tanto porque, coitadinhas
Sabem que nunca subirão até ao Castelo
E nunca na vida brincarão pelo Restelo

(Da realização ouve-se “ah, fadista!”)

Alfama chora por toda a alma que lá habita
O Bairro Alto está cabisbaixo, a Baixa alto grita
O Chiado chia de raiva contra a pobreza
A Bica bebe lágrimas de dor pela tristeza

(Palmas quase histéricas em simultâneo com uivos de dor – provocados por umas palmas mais expressivas que acertaram na cara de alguém)

- Passemos, agora, ao Desporto – ouve-se em “voz-off”. Rodrigues dos Santos recomeça:

Ai Veiga, meu Veiguinha, ouve lá meu
E digo isto quase a morrer de dor
Meteste a mão num bolso que não o teu
E o dinheiro todo na bela da “off-shore”?

Deves ter tido uma avó que te batia
Um pai bêbedo que comia o gato e a tia
Qualquer desgraça que possa justificar
A desgraça em que acabaste por te tornar

E tu tão pobre o que hás-de fazer?
Só se venderes o ouro do dragão
Para comeres uma sandes de corates
E com o troco pagares a tua caução

(“Ah, machão!”, grita o Celsão, operador de câmara brasileiro em camisola de alças para que se veja a tatuagem com borboletas e a Nossa Senhora do Pintinguintimxixaló)

Enquanto as luzes se vão apagando e Rodrigues dos Santos limpa as suas lágrimas com um lenço com a estampa de Amália, ouve-se a “voz-off”:

- E por hoje é tudo. Queremos só agradecer à fadista Marizzza a brilhante ideia que teve e que deu origem a mais este grande contributo para a originalidade e grandeza lusitanas. Ah, pensadora!

3 Commenários:

  • Ah, verdadeiro artista português, com uma ganda ialma e o humor por fado!!! Ahahahahah... Supremo!

    O Fado nasceu um dia
    Para quem muito sófria
    O poder espantanari
    Mas eis que chega um fulano
    Que se diz códiano
    Ké quem o sabe (en)cantari!

    By Blogger APC, at 26 de novembro de 2006 às 19:45  

  • * Cótidiano (desculpe, sim?)

    By Blogger APC, at 27 de novembro de 2006 às 02:13  

  • Amigo cuotidiano

    Junto te remeto esta pérola de poesia alentejana, uma vez que te vejo enveredado por esta lindissíma forma de expressão.

    Desconheço o autor, mas lê-me esta pérola literária.

    Poesia Alentejana

    Procurando um caracoli...


    Tava eu tirando moncos
    Cá da cana do nariz
    Enquanto fazia uma mija
    Assim tipo... chafariz

    Tinha a bexiga tã chêia
    Que fiquê lá uma hora
    Quando m' assomê em volta
    Tinha-s'ido tudo embora

    Sacudi o "coiso e tal"
    Enquanto coçava a bilha
    De tal manêra atascado
    C'o entalê na braguilha

    Tirê as botas do lodo
    Que fizera na mijada
    Sacudi tamém as calças
    sempre com ela entalada

    Pedi ajuda à Ti Micas
    Que cerca dali morava
    Mas depilou-me os tomates
    Ca força com c'a puxava

    Ensanguentado da pila
    Fui aos tombos pelo monti
    Vomitando quasi as tripas
    Nã sêi se queres que te conti

    Comera dôis pães de quilo

    C´um garrafão p'rájudari
    Nâ admira ter tado

    Três horas a vomitari

    Detê-me na palha fresca
    Para ver se descansava
    Enterrê-me logo em bosta
    Da vaca c'ali pastava

    E foi assim qu'essa tarde

    Conheci um caracoli
    Dêtados os dois na palha
    C'os cornos secand'ó soli

    Um abraço.

    El Madrigal

    By Anonymous Anónimo, at 27 de novembro de 2006 às 17:34  

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