CUOTIDIANO

domingo, maio 13, 2007

Lisboa – o beco sem saída que julga que ainda é uma avenida (yô!)

Algumas reflexões, provavelmente parvas, que vos deixo.

Os independentes

Os partidos, sabendo do desgaste e descrédito da maioria dos políticos (chamemos-lhe) profissionais, normalmente arranjam uns quantos políticos amadores, de perfil mais técnico – aos quais chamam de “independentes” – e põe-nos nas listas eleitorais, dando um ar de algum desprendimento pelo poder e, até, um certo toque esquizofrénico de afastamento de si mesmos. Ora, algum tempo depois, já após a eleição, normalmente surgem os problemas, ou seja: Ou a coisa corre bem e a cria tenta enxotar o criador dizendo que a obra é dela e que já não precisa de mentor nenhum; ou a coisa corre mal e o criador tenta enxotar a cria tendo, aí, que engolir que a sua obra (no caso, a cria) falhou, ao autonomizar-se, disfarçando esse sapo atirando sapos à cara dos outros. Em qualquer dos casos, o facto permanece - o líder político lixou-se. Assim, a única solução é criar os independentes “ma non troppo”, aqueles que, no fim do mandato, é garantido que se inscrevem no partido, tendo já em vista as benesses e a evolução numa carreira política que começou, precisamente, porque se apresentou ao eleitorado com o trunfo de não querer fazer carreira política. Mas uma verdade permanece – os “independentes” concorrem (quase) sempre pelos partidos, pois sabem que listas verdadeiramente independentes perdem, apesar da tal má imagem dos partidos perante os eleitores. Curioso, não é?

As intercalares

A câmara de Lisboa caiu não porque o seu “top-3” - curiosamente, todos “independentes” pelo PSD, sendo que, para além do presidente, eram os responsáveis pelas Finanças e pelo Urbanismo - fosse constituído arguido num gravíssimo caso de corrupção (o famigerado “Bragaparques”) mas sim porque, na verdade, a câmara está submersa num caos total – tem dívidas de milhões, não paga a fornecedores, há serviços, funcionários e acessores a mais, falta dinheiro para ordenados (e, até, para papel higiénico...), não tem crédito bancário, está paralisada pela burocracia e pelas competências sobrepostas; enfim, as consequências de sucessivas gestões desastrosas, praticadas nos últimos anos por um conjunto de condes falidos - sem dinheiro, sequer, para pagar ao mordomo mas continuando a exigir que ele lhes calce as meias já rotas.

O logro da “devolução da palavra ao povo” (Parte I)

Quando empurrou Carmona pela borda fora de um navio há muito encalhado, esperando (ó vã ilusão!) que ele se estilhaçasse nas rochas sem espernear, Marques Mendes disse o que lhe ficava bem dizer, ou seja, que a sua avaliação política (e não judiciária, apesar de esta última lhe ter dado muito jeitinho...) era de que havia chegado a hora de devolver a “palavra ao povo”, sendo que não era fácil a um partido político que está no poder fazê-lo (o que também me parece um belo conceito democrático...). Bom, mas isto é só meia verdade. O que ele não disse foi que a Assembleia Municipal, de maioria absoluta PSD, não se demitia, pelo que estas eleições são um verdadeiro “presente envenenado” – com a maioria na Assembleia, não “passa” nada que o PSD não queira que passe; ou seja, quem quer que ganhe a Câmara ou continua paralisado ou, em alternativa, terá que “engolir” o que o PSD quiser. Por outras palavras, após as eleições o poder social-democrata, provavelmente, até será maior do que actualmente é, pois, na Assembleia, não mandam os “independentes” mas sim os filiados, comandados pela fiel e acelerada loura de pacote, Paula Teixeira da Cruz.

O logro da “devolução da palavra ao povo” (Parte II)

Outro aspecto do qual não nos podemos esquecer é o de que, nestas eleições, previsivelmente haverá um elevado número de candidatos, provavelmente um valor recorde - o que, aliás, só vem demonstrar a propensão lisboeta para o masoquismo, o fado e a desgraça. Senão vejamos:

BE – “Usará” o “independente” Sá Fernandes, já que é o seu único processo de obter um mandato.
PCP – Recusará qualquer acordo com o PS, já que não se pode, sem correr o risco de perder a credibilidade, aos dias ímpares estar contra a política Sócrates e, aos pares, estar coligado com pessoas da sua máxima confiança. Assim, e mais uma vez, lá irá Ruben de Carvalho desempenhar o seu papel.
PS – Sócrates irá (terá de) apostar em grande na capital, depois do “flop” Carrilho (apesar dessa derrota ter tido o positivíssimo aspecto de nos livrar a todos, definitivamente, desse pavão depenado). Digo “terá” não só porque as únicas eleições que ganhou foram aquelas em que obteve a “sua” maioria absoluta, como também porque sabe que uma derrota do PSD encolherá, ainda mais, o já diminuto Marques Mendes. No entanto, e sobre o nome do qual se tem falado, estranho que António Costa se sujeite a entrar num jogo em que não há nada a ganhar (mesmo que vença as eleições, a câmara estará mais ingovernável que nunca, pelas razões que atrás referi e pelas que adiante apontarei), tendo de sair do Governo, provocando uma remodelação numa altura-chave, não só de reformas de fundo do próprio Estado como na véspera de uma presidência europeia.
PSD – Por razões semelhantes ao PS, também apostará em força na capital, tanto mais que “joga com rede” – a Assembleia Municipal.
CDS - Por forma a marcar a diferença e a afastar-se das últimas “gestões danosas” da Câmara, também apresentará um candidato próprio, alguém da absoluta confiança de Portas - tão absoluta, tão absoluta que, se calhar, só poderá ser ele mesmo...
Helena Roseta – Ao ver-se, nos últimos tempos, encostada a um canto no PS e por forma a não dar o outro canto, o do cisne - tanto mais que, diga-se em abono da verdade, não o merece, pois é alguém reconhecidamente inteligente, culta e competente – a nossa “Manuel Alegre sem barba” é garantido que concorrerá, dispersando, ainda mais, os votos da esquerda, mas tentando capitalizar a votação e a “independência” nas presidenciais do “Helena Roseta sem saias”, Manuel Alegre.
Carmona Rodrigues – Ainda é incerto que concorra mas não é uma hipótese a pôr de parte, tanto mais que se sente injustiçado, com um trabalho(?) a meio caminho e a gloriosa vantagem de poder fazer um discurso de vitimização, ainda por cima contra os partidos.
Outras coisas - Pinto-Coelho, Manuel Monteiro... no comments.

Como é fácil de imaginar, esta previsível proliferação de candidatos conduzirá a uma tal dispersão de mandatos que a Câmara ficará ainda mais ingovernável do que já agora é. Ou seja, estas eleições, que teoricamente surgem para tornar a câmara funcional, irão colocá-la numa situação ainda pior. Mais uma vez, curioso, não?

E agora?

Na minha opinião, a única solução é uma que não é legalmente possível – cairia, também, a Assembleia Municipal e seria nomeado um “governo de salvação municipal” para os próximos dois anos, com pessoas reconhecidamente competentes que não poderiam concorrer às eleições seguintes, sendo escolhidas por maioria de 2/3 de votos dos partidos proporcionalmente representados na actual vereação. Ao ser apoiada por uma alargada maioria política, estaria mais imune a críticas e tricas partidárias e só responderia perante, por exemplo, a Assembleia da República, que fiscalizaria a sua acção. As suas principais funções seriam pôr as contas em ordem e reformar a câmara, não tendo qualquer objectivo eleitoral que não fosse preparar as eleições seguintes em clima de total isenção, tanto mais que a elas não poderiam concorrer.

Como atrás disse, tal é impossível. Assim, e como infelizmente se verá, nós, os lisboetas, continuaremos a ser os mordomos não pagos dos condes falidos e esquizofrénicos que nos (des)governam, sem conseguir sair deste beco sem saída - a que ainda chamamos avenida (yô!).

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4 Commenários:

  • Ainda é uma avenida, cheira a Lisboa. Temos de acreditar.

    Beijinho e boa semana*

    By Blogger Maria P., at 13 de maio de 2007 às 23:57  

  • Um texto muito bem pensado e superiormente escrito. Tem a tua impressão digital e quase permite o reconhecimento pela íris! :-)
    Gostei da do "Governo de Salvação Municipal"; só é chato que quem o integre se não possa recandidatar. Ou acreditas que há muita malta competente e honesta, ou a coisa só duraria um mandato, e seria salvação de pouca dura.
    Salva-se essa tua entrega crítica e a originalidade escrita que (não só mas também) te caracteriza.
    Aqui vai...*

    By Blogger APC, at 14 de maio de 2007 às 00:15  

  • "Assim, e como infelizmente se verá, nós, os lisboetas, continuaremos a ser os mordomos não pagos dos condes falidos e esquizofrénicos que nos (des)governam, sem conseguir sair deste beco sem saída - a que ainda chamamos avenida (yô!)."

    100% de acordo!
    Quanto ao pedido feito no meu espaço, é claro que é concedido.

    Uma boa semana.
    Bjs

    By Blogger Alexandra, at 14 de maio de 2007 às 23:17  

  • Logo no dia em que elogio duas vezes essa bela localidade que é Lisboa....

    é verdade....

    Lisboa não será feita pelos lisboetas?, esses demissionários das suas obrigações/direitos?...

    Será que Lisboa funciona de forma diversa das restantes autarquias?... e quem os elege? veja-se o caso da Câmara Municipal de Oeiras...

    Já dizia o outro e eu concordo: dêem ao povo aquilo que o povo quer!

    Beijos

    By Blogger A, at 15 de maio de 2007 às 17:57  

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