CUOTIDIANO

sexta-feira, abril 13, 2007

O Meu Declínio (Capítulo I – Alzheimer de Unidades)

Em determinada altura da sua vida, toda a gente atinge o auge, o seu pico de maturidade - a partir daí, evidentemente, é sempre a descer. Há quem defenda que esse ponto é atingido aos quarenta anos, outros aos cinquenta; outros, ainda, juram a pés juntos que só é possível atingi-lo quando já se consegue imaginar o Alberto João Jardim totalmente nu sem começar, de imediato, a vomitar – ou sem desatar aos urros selváticos contra a própria Natureza, que criou aquilo.

Adiante. Comigo, esse momento deu-se logo no ventre materno o que, para um optimista, poderia ser encarado como um promissor sinal de precocidade. Mas eu, que só o serei depois de ganhar o Totoloto ou de a Helena Christensen me convidar, no mínimo, para lhe atar os sapatos, limitei-me a constatar que, a partir desse momento, se deu início à minha lenta decadência. Mas façamos a cronologia do declínio.

Idade: 8. Doença: Alzheimer de unidades. Como é que descobri? É simples. Uma bela manhã comecei a sentir-me mal, pus o termómetro e constatei que estava com 39,5 quilos de febre. Assustado, dirigi-me de imediato às Urgências e, apenas 48 centímetros quadrados depois, fui atendido por um médico recém-chegado do fecho de mais um bloco de partos.

(Pequeno aparte. Devem ter estranhado o facto de, logo aos 8, eu ter ido, por minha alta recriação, ao Hospital. Eu também. Principalmente na altura. Ou, até, dois anos antes da altura. Ou três. No entanto, relembrando um dos momentos “gold” da minha infância, ou seja, quando a minha mãe, aos 4, me apanhou deliciado com cerveja e Chocapic e desatou aos berros perguntando - com muito amor, é certo -,

- o que é que são essas caganitas aí a estragar a porcaria da cerveja, seu puto estúpido?

constata-se que, afinal, até nem é tão estranho assim. Ah, é verdade, e também porque, aos 5, fui viver sozinho - não contando com as baratas e suas amigas, claro - já que, conforme atrás insinuei, sou precoce comó caraças!)

Continuando. Comecei a ser visto pelo tal médico reciclado.

- Então diga lá: o que é que o traz aqui hoje?
- É que, sabe sôdôtôr, comecei a trocar as unidades todas – por exemplo, quando ia ao café pedia uma cerveja de polegada, no supermercado comprava laranjas aos minutos, em casa pesava-me e estava com graus a mais... para cúmulo, então não é que, anteontem de manhã, estava com 39,5 quilos de febre?!
- Bom, de facto não me parece brilhante. Vamos lá ver isso. Passe ali para a marquesa, se faz favor.

A custo, lá subi para a dita. Então começou a analisar-me, verbo “soft” que eu uso para evitar dizer “apalpar-me freneticamente como se não houvesse amanhã”. Mas, enfim, devia ser um bom profissional - fosse lá do que fosse: sinalização de aeroporto, cozinha paquistanesa, canalização ou, quem sabe e com um pouco de sorte, medicina. “Encoste-se ali àquela régua, se faz favor”. Obedeci.

- 150 cavalos-vapor de altura, nada mau!
- ...
- Quanto é que disse que pesava?
- Não disse.
- Ah, sendo assim, está tudo explicado, você sofre de Alzheimer de unidades.
- ...??
- Tome aqui este comprimidinho que eu volto daqui a uma caloria para ver se se regista uma evolução positiva.

Não sei porquê – apesar do paleio eminentemente técnico de “ver se se regista alguma revolução passiva” -, aquele diminutivo (“comprimidinho”) preocupou-me; comecei a pensar se o médico não seria, afinal, um simples empregado de balcão numa pastelaria ucraniana em Cuba do Alentejo, usando o título, apenas, por questões sociais. “Bom, que se lixe!”, pensei, antes de agradecer, estúpida e servilmente, como é da boa e ancestral tradição portuguesa que, inconscientemente, nos vai comandando - mesmo depois de nos amputarem todos os membros, incluindo o special one.

Bom, continuando. Enquanto ele não regressava e eu ia esperando pelo efeito do comprimidinho, comecei a interrogar-me (também não tinha mais nada para fazer, reconheço): “Será que voltarei ao normal? Será que Gandhi poderia ter sido um grande golfista? Será que o médico usa Sonasol na sua roupa interior?”. Tudo, evidentemente, legítimas e prementes interrogações. Estava eu nestas conjecturas quando ele voltou.

- Então vamos lá pôr-lhe o termómetro outra vez, para ver como isso está a evoluir.

5 libras por metro quadrado depois, disse:

- Está muito melhor, agora já só tem 37,3 anos-luz, observam-se francas melhorias. Se quiser, leve o resto da caixa e acabe o tratamento em casa. Mas, já sabe: de 8 em 8 pés, um comprimido. Não se esqueça, é fundamental!

Agradeci novamente. Dirigi-me ao “guichet” de saída e perguntei quanto era. A simpática senhora respondeu-me “156 milímetros, IVA incluído”. Como, de momento, estava sem nenhuma nota no bolso, perguntei se poderia pagar por Multibanco. Ela respondeu que, infelizmente, não podia ser, a balança estava avariada.

Conclusão: desde esse momento aqui fiquei, neste belo Hospital, limpando sanitas, noite e dia e dia e noite, só para pagar a consulta. Contas feitas, ainda me faltam 46 hectares para acabar de pagar a minha dívida que, com os juros freneticamente aos saltos na cama da Euribor (essa perversa maluca!), subiu para os 657.987 metros cúbicos.

Enfim, mas estar aqui sempre tem as suas vantagens - todas as tardes, à saída, o médico verifica-me o peso para ver se a temperatura não subiu. Ou seja, aparte a infecção bacteriológica que apanhei nas sanitas, estou melhor, muito melhor – para aí uns dois quilos.

(Continua)

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