O Discurso do Papa
Tomo o Papa por um homem inteligente; por isso, não sou daqueles que pensam que parte do discurso foi um lapso, que não queria dizer aquilo ou que foi mal interpretado – disse aquilo que queria dizer, do modo e na altura que achou melhor para o fazer.
Mas que disse o Papa que exaltou tanto os espíritos? Citou um diálogo medieval, em que o teólogo cristão S. Manuel II Paleólogo dizia a seu interlocutor muçulmano, entre outras afirmações, que o Islão só havia trazido desumanidade ao Mundo e impunha as suas ideias pela força, contrapondo que os cristãos não deixavam que a Fé dominasse a Razão pois tal seria contrário a Deus, já que “Deus não se poderia regozijar com o sangue”.
E o que é que os mais exaltados (nomeadamente os muçulmanos) retiraram do discurso? Que o Papa teria usado aquela afirmação quase que como sua, não a criticando nem sequer a enquadrando no seu próprio pensamento. De certo modo, é verdade – qualquer pessoa, quando cita outra, não enquadrando essa afirmação, leva os outros a concluir que está a usar as palavras de outrém para mais facilmente expressar o que, efectivamente, pensa. Exemplo: Se eu chegar a alguém e lhe disser “cuidado, quem vê caras não vê corações!” estou a expressar o meu aviso e a minha opinião usando palavras que não são minhas mas que ajudam a explicar o meu próprio pensamento.
E qual foi a explicação do Papa para considerar que tinha sido mal interpretado? Que nunca tinha dito que aquele era o seu pensamento (afirmação atrás refutada) e que, isso sim, tinha querido enaltecer o diálogo ecuménico, ou seja, o diálogo entre diferentes religiões. Ora este argumento também não colhe. Exemplo: Se eu disser “fui ter com fulano, disse-lhe que ele era intragável, ele respondeu-me que achava o mesmo de mim e, por isso, dei-lhe um pontapé”. O que é que ressalta desta frase, o diálogo ou a minha agressão?
Curiosamente, é preciso não esquecer que o Papa foi, durante anos a fio, o chefe da Congregação da Doutrina e da Fé, os herdeiros da (Santa!) Inquisição, Inquisição essa uma instituição da própria Igreja Católica, um verdadeiro paradigma da imposição da Fé pela violência! Então e as Cruzadas? Ainda sou do tempo em que ensinavam, desde a escola primária, que uma das razões para a existência das Cruzadas era a “expansão da fé cristã”! . Ja agora, relembre-se que, no Islão, não existe uma hierarquia como a Ocidental (uma Igreja com um supremo representante); existem, isso sim, vários “Islão”, pelo que as Cruzadas foram algo perfeitamente “institucional”. Bom, mas quanto à expansão da Fé pela violência, julgo que estamos falados. A título de curiosidade, refira-se que tivemos, aqui mesmo em Portugal, inúmeras situações de convivência pacífica com a cultura árabe, aquando da sua ocupação do Sul de Portugal.
Em suma, querer fazer crer que “nós somos bons e pensamos e os outros são maus e não pensam” não parece ser, no estado presente do Mundo, uma atitude muito inteligente e sensata, tanto mais se dita pelo chefe da Igreja Católica, ou seja, o representante máximo da referida religião e que, por ter esse mesmo estatuto, veio legitimar e exacerbar ainda mais o fundamentalismo islâmico - a prova disso foi o incendiar (até literal, pois foram incendiadas várias igrejas e até morta uma freira) da actual situação de conflito, nomeadamente nas zonas ocupadas pelos norte-americanos.
Então se a atitude não parece inteligente e denota falta de algum bom-senso e sendo o Papa um homem inteligente e (pelo menos, aparentemente) sensato, isto não pode significar outra coisa senão que o Papa pretende, realmente, uma clara divisão entre o mundo ocidental e o mundo árabe, tomando a Igreja Católica em geral e ele em particular um protagonismo que não têm desde... as Cruzadas!
Onde este caminho vai dar é que eu não sei...
PS - Ateu como sou, confesso que tenho medo de onde este caminho irá dar, pois não só não estou à espera de nenhum tipo de Céu como prefiro continuar vivo...
Mas que disse o Papa que exaltou tanto os espíritos? Citou um diálogo medieval, em que o teólogo cristão S. Manuel II Paleólogo dizia a seu interlocutor muçulmano, entre outras afirmações, que o Islão só havia trazido desumanidade ao Mundo e impunha as suas ideias pela força, contrapondo que os cristãos não deixavam que a Fé dominasse a Razão pois tal seria contrário a Deus, já que “Deus não se poderia regozijar com o sangue”.
E o que é que os mais exaltados (nomeadamente os muçulmanos) retiraram do discurso? Que o Papa teria usado aquela afirmação quase que como sua, não a criticando nem sequer a enquadrando no seu próprio pensamento. De certo modo, é verdade – qualquer pessoa, quando cita outra, não enquadrando essa afirmação, leva os outros a concluir que está a usar as palavras de outrém para mais facilmente expressar o que, efectivamente, pensa. Exemplo: Se eu chegar a alguém e lhe disser “cuidado, quem vê caras não vê corações!” estou a expressar o meu aviso e a minha opinião usando palavras que não são minhas mas que ajudam a explicar o meu próprio pensamento.
E qual foi a explicação do Papa para considerar que tinha sido mal interpretado? Que nunca tinha dito que aquele era o seu pensamento (afirmação atrás refutada) e que, isso sim, tinha querido enaltecer o diálogo ecuménico, ou seja, o diálogo entre diferentes religiões. Ora este argumento também não colhe. Exemplo: Se eu disser “fui ter com fulano, disse-lhe que ele era intragável, ele respondeu-me que achava o mesmo de mim e, por isso, dei-lhe um pontapé”. O que é que ressalta desta frase, o diálogo ou a minha agressão?
Curiosamente, é preciso não esquecer que o Papa foi, durante anos a fio, o chefe da Congregação da Doutrina e da Fé, os herdeiros da (Santa!) Inquisição, Inquisição essa uma instituição da própria Igreja Católica, um verdadeiro paradigma da imposição da Fé pela violência! Então e as Cruzadas? Ainda sou do tempo em que ensinavam, desde a escola primária, que uma das razões para a existência das Cruzadas era a “expansão da fé cristã”! . Ja agora, relembre-se que, no Islão, não existe uma hierarquia como a Ocidental (uma Igreja com um supremo representante); existem, isso sim, vários “Islão”, pelo que as Cruzadas foram algo perfeitamente “institucional”. Bom, mas quanto à expansão da Fé pela violência, julgo que estamos falados. A título de curiosidade, refira-se que tivemos, aqui mesmo em Portugal, inúmeras situações de convivência pacífica com a cultura árabe, aquando da sua ocupação do Sul de Portugal.
Em suma, querer fazer crer que “nós somos bons e pensamos e os outros são maus e não pensam” não parece ser, no estado presente do Mundo, uma atitude muito inteligente e sensata, tanto mais se dita pelo chefe da Igreja Católica, ou seja, o representante máximo da referida religião e que, por ter esse mesmo estatuto, veio legitimar e exacerbar ainda mais o fundamentalismo islâmico - a prova disso foi o incendiar (até literal, pois foram incendiadas várias igrejas e até morta uma freira) da actual situação de conflito, nomeadamente nas zonas ocupadas pelos norte-americanos.
Então se a atitude não parece inteligente e denota falta de algum bom-senso e sendo o Papa um homem inteligente e (pelo menos, aparentemente) sensato, isto não pode significar outra coisa senão que o Papa pretende, realmente, uma clara divisão entre o mundo ocidental e o mundo árabe, tomando a Igreja Católica em geral e ele em particular um protagonismo que não têm desde... as Cruzadas!
Onde este caminho vai dar é que eu não sei...
PS - Ateu como sou, confesso que tenho medo de onde este caminho irá dar, pois não só não estou à espera de nenhum tipo de Céu como prefiro continuar vivo...
4 Commenários:
"Disse o que achou que devia a dizer", e, não fora o facto de não o poder fazer porque é um símbolo importante demais para isso, provavelmente poderia apenas dizer "disse o que achei que devia dizer". Não... Não pôde e não pode. Logo, o que pode agora?
Remendos e tampões e colagens com cuspo raramente servem, factum est. É como na vida privada, aquele pedido de desculpa depois de termos dito algo grave que já não pode deixar de ter sido dito, a memória perpetua e a interpretação alheia empola.
O que ele disse não foi mentira. Mas há verdade que não podem ser ditas quando se não está preparado para elas, porque isso mata.
"E pur, se muove" (Galileo).
By APC, at 24 de setembro de 2006 às 21:38
* Lapso: "Disse o que achou que devia dizer" (misturei com "disse o que havia A dizer").
By APC, at 25 de setembro de 2006 às 03:19
A questão dos telhados de vidro parece sempre ser esquecida, o que é uma pena. O que não invalida que, nos tempos que corremos o fundamentalismo islâmico esteja na base de muitas mortes e que é preciso não escamotear esta questão. O que não invalida que o Papa tinha ganho mais em estar calado ou promover a tolerância entre religiões e homens, que afinal é um dos fundamentos da religião que professa.
Será por isto que o tempo das causas já passou por mim? (conferir Espaço)
Um abraço.
By Nuno Guronsan, at 25 de setembro de 2006 às 11:51
Eu concordo com tudo aquilo q escreveste, não sou totalmente descrente, tenho crenças mto minhas. Mas ñ me parece nada sensato, da parte de um Sumo-Pontífice, ter este tipo de discurso, numa altura destas do campeonato... Será q ele ñ tem ninguém a verificar discursos?
Se ñ, devia ter!
By Miss Kin, at 26 de setembro de 2006 às 02:52
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