(Outros) Cheiros
O cheiro dela não era o cheiro dela. Eu explico. O cheiro dela já era o cheiro dela mesmo antes dela. Eu explico melhor. Quando subia as escadas de sua casa, elas cheiravam a uma mistura de cera com madeira velha e com aquela coisa estranha a que cheiravam todas as porteiras, uma espécie de desinfectante com aditivo de suor e esfregonas podres; em resumo, cheirava-me à proximidade dela, o que já acalmava um pouco a minha ansiedade adolescente.
Depois tocava à porta e, quando a abriam (a mãe, o pai...), todo o cheiro da casa dela, em que se misturavam mil perfumes e aromas diferentes com momentos, com ambientador em spray, com urina de gato, com sons, com a comida do vizinho - o sacana que deixava sempre a janela aberta quando fazia sardinhas assadas; enfim, tudo isso, toda aquela mistura familiar de cheiros me fazia estar mais perto dela, ainda mesmo sem ela.
E então ela surgia, como o nascer do dia - cheirava a manhãs de orvalho, cheirava a fresco, cheirava a ela. E o seu olhar que se aproximava cheirava a beijo e o seu beijo cheirava às estrelas que velam pelos amores puros e as estrelas que se soltavam do seu beijo cheiravam a desejos por expressar e os desejos emergiam da pele e cheiravam a mil cheiros de uma só vida com pouco tempo, com todo o tempo para viver – então o cheiro dela misturava-se com o meu e o meu entrelaçava-se, docemente, com o dela, até que partíamos juntos, à procura de todos os momentos, de todos os cheiros ainda por descobrir.
Eu bem dizia que o cheiro dela não era o cheiro dela
Depois tocava à porta e, quando a abriam (a mãe, o pai...), todo o cheiro da casa dela, em que se misturavam mil perfumes e aromas diferentes com momentos, com ambientador em spray, com urina de gato, com sons, com a comida do vizinho - o sacana que deixava sempre a janela aberta quando fazia sardinhas assadas; enfim, tudo isso, toda aquela mistura familiar de cheiros me fazia estar mais perto dela, ainda mesmo sem ela.
E então ela surgia, como o nascer do dia - cheirava a manhãs de orvalho, cheirava a fresco, cheirava a ela. E o seu olhar que se aproximava cheirava a beijo e o seu beijo cheirava às estrelas que velam pelos amores puros e as estrelas que se soltavam do seu beijo cheiravam a desejos por expressar e os desejos emergiam da pele e cheiravam a mil cheiros de uma só vida com pouco tempo, com todo o tempo para viver – então o cheiro dela misturava-se com o meu e o meu entrelaçava-se, docemente, com o dela, até que partíamos juntos, à procura de todos os momentos, de todos os cheiros ainda por descobrir.
Eu bem dizia que o cheiro dela não era o cheiro dela
5 Commenários:
Pois não... eu sei!
O cheiro del já não é mesmo o cheiro dela... nem sequer a casa nem as escadas já cheiram a ela... Nunca nenhum cheiro se igualará ao dela... eu sempre o disse e repito...
Já não é o cheiro dela!
Eu sei...
By Ana Luar, at 19 de setembro de 2006 às 14:48
Que bonito!
Gostei tanto do que escreveste agora que fiquei (quase) sem palavras e com vontade que continuasse, como um livro que começamos a ler, a gostar do que lemos e não queremos que acabe. Gosto muito dos posts com sentido de humor, mas também quero mais como este (eu comentadora exigente)
Um beijinho
By redonda, at 19 de setembro de 2006 às 20:30
Os lugares como memórias como retalhos como estrelas como o amor sempre tão breve no coração mas que perdura pelo tempo que dura a memória de um singelo sentido.
Neste caso, o cheiro.
Quando a mera presença de uma pessoa não nos traduz o que dela absorvemos, mas todo um conjunto que dela faz parte, é porque essa pessoa é/foi muito maior.
Beijos
By A, at 19 de setembro de 2006 às 23:05
Aquele era o cheiro da "proximidade dela". Pelo q me pareceu, ela cheirava bem melhor q aquele mix de cheiros menos bons...
By Miss Kin, at 22 de setembro de 2006 às 02:20
'Leitura em segundas núpcias, e duvido que a última.
Ai, o cheiro da proximidade...
O cheiro do porvir, do que ainda não se começou mas já se imagina.
Foi um bom momento, este; sim senhor, muito bom momento!
:-)
By APC, at 23 de setembro de 2006 às 18:04
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