(Mais) Insónias
Chega a noite e custa estar vivo - quanto mais adormecer. E muito mais estar dormente, de dor, de vida. De mente.
Passar a noite
com insónias é complicado – os sons dos carros pelas avenidas, os suspiros das
nuvens que lentamente deslizam, os gritos das fábricas, as dores, as pessoas
que se arrastam como se nem merecessem morrer, o vizinho que mija, o
interruptor que, em plena autonomia quase insular, se liga e desliga várias
vezes só para confirmar que está vivo, o sangue que circula à procura de
destino mas que regressa sempre à casa partida, exacta e precisamente com o
mesmo número de glóbulos, os segundos de agulha que se vão espetando nos
minutos, nas horas, o recordar teu corpo em fotografias e, automaticamente, ouvir
teu riso, lembrar tudo que é teu, tão teu e apenas teu,
Tudo me faz
mal, me faz pior, me apaga, me desliga, me faz ninguém.
E não consigo
dormir, seria tão simples poisar a cabeça na almofada e adormecer, sorrindo,
lembrando um cão da infância ou uma mão a vestir-me um casaco, ou um baloiço,
ou um telhado ou, se nada mais houvesse para escolher, um vôo de um oitavo
andar. Mas não.
Por momentos e
por um estranho acaso, adormeço mas, à medida que me vou aproximando do chão,
vou acordando. Até que, a meio milímetro do fim, acordo.
Meio milímetro
depois, adormeço de novo. Mas no chão. Sem nuvens que me embalem.