CUOTIDIANO

terça-feira, setembro 20, 2011

Numa osmose parva

Com o passar do tempo pintamos de sons as imagens que vivem nos estranhos sótãos de nós – e que, de tão gastas, haviam ficado a preto e branco. Melhor: com os sons que o acaso nos traz, somos obrigados a ir buscar (e rebuscar em) tudo aquilo que nem queríamos relembrar - tanto mais que, provavelmente, naquela altura usávamos calças à boca de sino. Mas, pautas apontadas à cabeça, as cores das canções tingem-nos o passado do que, no momento, mais desejamos – o que, reconheçamos, sempre é melhor do que estalinamente recortar pessoas e momentos que não nos interessam e deitá-los para o caixote do lixo ou um qualquer outro goulag. Ou do que andar de carrossel a tentar acertar nas bolas até morrer de tonturas. Ou cantar uma canção do Tony Carreira. Ou fazer cocó em cima dele, num carrossel, a cantar. (Do que esta última talvez não…)



… E com os sons voltam as boas e velhas cores; melhor, as cores até são novas – só que, entretanto, a tecnologia entranhou-se-nos ao encostar-se às lembranças, numa osmose parva; por isso, o que relembramos afinal não é repetição, apenas ligeiramente parecido e com as mesmas personagens mas que, de tão melhoradas no casco da idade, metamorfoseiam numa outra realidade paralela. Um remake sem maquilhagem e sem make. E sem lagartas. E assim.


A verdade é que nos agarramos ao passado com medo de nos afogarmos no futuro


(frase brilhante esta, não?)


e, nos espaços que sobram, só nos resta sobreviver ao presente, qual galinha a acompanhar o movimento de uma máquina de escrever, olhando fixamente cada momento sem o relacionar com o seguinte, até que – plim! – aí está o momento seguinte e – plim! – já se foi. A verdade maior é que ainda somos piores, basta ver que nem sequer conseguimos pôr ovos. (E, na maior parte dos casos, nem estrelá-los.)



De facto e muito mais cientificamente, somos o cruzamento de um lorde inglês falido com um pássaro dodó. Mas de pior aspecto, com a mania de altos voos, sem conseguir sair do chão - e sem dinheiro que chegue, sequer, para a classe turística dos sonhos de alguém.



Bom, mas tudo isto porque ouvi a (maricônça) canção de quando me “despediste” – na altura ouvi-a vezes sem conta, fazia-me sentir pior portanto melhor, reguei-a com as estúpidas lágrimas que me percorriam o sangue, enquanto o teu reflexo na lua te dava os parabéns em dia de teu aniversário, bipolarmente passado na praia.



(Fui ter contigo a casa mas não estavas, havias acostado num qualquer porto, dos tantos que o mundo da maresia te compõe. Abriu-me a porta uma amiga tua, emprestou-me um degrau e um visque para me sentar, eu disse-lhe ah e tal e não sei quê ou algo ainda mais alcoolicamente imperceptível, e parti - até hoje, que a teu corpo não regressei mas que relembro.)



A canção saiu em 95, disseste adeus em 96, ainda nos encontrámos no Arquivo de Identificação, fizemos o BI juntos,



(depois de teres deixado de fazer amor comigo, foi a melhor aproximação que arranjei – e até que já não foi mau…)



mas depois partiste de vez - e agora, tantos anos e tantos anos e tantos anos depois, tinhas de me aparecer sob a forma de uma canção de colorir recordações a preto e branco… Gandapontaria!


Seja como for, estava eu nestes mariquismos, passou o sacana do Eric Clapton cantando o wonderful tonight só para ti e, claro está, deu-te um beijo de boa noite por mim – decididamente, hoje a noite, vestida de cores e de veias repletas de estrelas, é toda e completamente tua!
Mas enfim, continuo vivo e a gostar de ti – é o que interessa.



(Dorme bem, meu amor.)




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sábado, setembro 03, 2011

(Apenas uma) trilogia insular – nada de relevante

I



Tu gostas de Florença e de máquinas e depois para ficar ainda mais estranho e assim e coisas há óculos que vomitam dioptrias que vão percorrendo o teu sangue à procura de ti

(“perscrutando” também ficava giro…)

enquanto eu simples e camponiamente respiro faço compras no Continente fico pelo Sting e pela incultura assumida e cá me vou arrastando por aqui ou seja algo mais ou menos próximo do Sol mas que afinal Eluard que queima ainda mais que o propriamente dito

(“elefantes são contagiosos”)

pois é por aqui podes evidentemente ver que também passei em Sevilha por causa das vertigens não subi à Giralda o verdadeiro pecado do saboroso minarete original fiquei à porta logicamente tomaram-me por um porteiro ilógico deram-me os bilhetes para rasgar sempre num silêncio reverente ao invisível poder que é comum a qualquer língua que seja

(já agora e a despropósito também não uso sandálias e não me torno pescador de almas mesmo quando desalmadamente rasgo pessoas ao meio enquanto espero por bilhetes em garrafas provindas de uma qualquer ilha que vai murchando embalada pelos ombros do mar)

e subiram para se sentirem vivos ao despejar frenéticos e arfantes acenares às humanas formigas que em baixo olímpica e contagiosamente as ignoravam

(“…….,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,;;;;;;;;;;;;;;;” – para colocar onde vos aprouver sou assim um libertino)



II



Sei que depois da pançada que os moinhos apanharam ficaram subservientes, sei que a minha batalha – qualquer que ela seja - não é jurídica mas sim ridícula, sei que Florença é fabulosa e que o Micas é ainda mais angélico do que o pintam – mas, enquanto me afundo na insuportável lama do quotidiano onde me escondo, felizmente vou lendo coisas novas e geniais e bestiais e assim e coisas como “artur tinha um coelho angorá chamado hércules, um pastor alemão chamado ervilha, um cágado chamado leão e um periquito chamado engenheiro. Na reunião de condomínio, os vizinhos resolveram fazer uma denúncia para a sociedade protectora dos animais, não porque os animais representassem algum incómodo ou estivessem maltratados (muito pelo contrário), mas porque achavam que a escolha de nomes revelava delírios de grandeza e podia gerar confusões psicológicas profundas nos animais.”

É por estas (e não por outras) que perco a batalha - mas ganho a Terra!



III



… Até que um escaravelho leu em voz alta o livro que me havia esquecido de querer escrever e assim, sem mais nem menos e então, achei f***-** afinal o melhor é esquecer essa merda da cultura e deixar andar e mandar para o ar palpites desportivos.

Até que o contacto com a água me provocou sede. Até que o toque me provocou. Até que a sede me devorou - a cada instante, a cada momento sedento e inesperado, a cada temporal sequioso de tempo.

(Depois entrei em overdose de lugares-comuns, tremi à brava e morri.)


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