CUOTIDIANO

terça-feira, maio 30, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/29)

"Jardim ressuscita separatismo no congresso do PSD-Madeira"

Mais uma vez, o Idi Amin da Madeira veio fazer o seu discurso do costume, esquecendo-se que, tal como numa relação amorosa em que se tem de levar com a pessoa toda e não escolher só algumas partes (do tipo "ela é 'muita' gira, mas cheira mal dos pés, tenho de me aguentar..."), não se pode ser independente por um lado e sacar a massa por outro. O próprio Jardim disse que a Madeira "não deve continuar na pátria portuguesa" mas relembrou que se atingiu o actual nível de vida "no seio de Portugal". Assim, esse grande estadista defendeu o princípio da "unidade diferenciada", ou seja, provavelmente como China e Macau (em termos de um pais, dois regimes) mas com o fluxo de dinheiro ao contrário - no Oriente, dos casinos de Macau para a China, aqui, dos nossos bolsos para os dele, do Jaime Ramos (o rei das retretes) e do restante séquito.
Infeliz e incompreensivelmente, desde presidentes a governos da República, nunca ninguém diz nem faz nada em relação a todas as barbaridades que este senhor continua a dizer. Temo concluir que, contrariamente à frase publicitária "A Madeira é um jardim", seja mais "A Madeira é do Jardim". Mais uma vez, é o país que temos...

sábado, maio 27, 2006

A minha primeira carta de amor

Gostar de ti é complicado, muito complicado mesmo. Já nada esperava a não ser tempo, tempo e mais tempo. Lento, de tanto tempo. Dorido, de tão previsível e maquinal. De manhã (“the show must go on”) ligava o corpo em automático, versão clone de mim mesmo; a partir daí, ia respondendo “sim” e “não”, comia, respirava, aturava parvos, fazia-me igual (se calhar sou igual) e esperava pela happy hour. Então, cada gin tornava-se mais um passo em direcção ao interruptor que apagava as luzes e acendia estrelas e neons podres. Nessa altura, era o instante incendiado em que por ti esperava sem te saber o sabor, sem te saber sequer. Sem sequer saber que te esperava. Princesa de tronos vagos, vagueante e insegura, onde estavas? Agora, fico sem jeito, adolescente tardio sem lembrar passados ou futuros, apenas te querendo, querendo teu corpo, qual cais despido, onde me aguarda um beijo feito do silêncio de mares e de um longo tempo parado. Sabes, gostar de ti é complicado, muito complicado mesmo...


(escrita em 17 de Julho de 1995)

sexta-feira, maio 26, 2006

Lendo o “Público” (2006/05/26)

“Santa Maria poupava 1,6 milhões se reduzisse internamentos”

Sugestões para uma maior poupança:

- Então e se não fizesse mesmo nenhum internamento, demolisse uma ala e contruísse prédios de escritórios?
- Então e se não aceitasse doente nenhum, demolisse todo o hospital e fizesse uma urbanização com condomínios de luxo?
- Então e se fosse proibido adoecer, se se demolissem todos os hospitais e se construíssem urbanizações com campos de golfe?

O dinheirão que se poupava... o dinheirão que se ganhava...
É preciso, é urgente acabar com esta mania que as pessoas têem de adoecer!

quinta-feira, maio 25, 2006

"Caso de Sá Pinto arquivado nove anos depois"

Nove anos foi o tempo necessário para que os processos-crime que envolviam Sá Pinto, Artur Jorge e Rui Águas chegassem à barra do tribunal e fossem... arquivados.
[...] O caso não foi julgado mais cedo porque o Tribunal da Relação de Lisboa demorou seis anos a tomar uma posição [...]”
in "Record"

E esta duração NÃO é um recorde... comentários para quê? É a justiça à portuguesa!

Dia da Libertação

“Desisto do curso”, disse ela peremptoriamente ao jantar, a propósito de nada, entre duas garfadas de perú assado. A familia nem queria crer (o perú também não mas, como lhe tinham cortado o pescoço, não conseguia falar). “O quê?!”, gritou o pai. Nessa altura, já a mãe descrevia incontáveis órbitas à volta do candelabro, como sempre fazia em situações de ‘stress’, pelo que ninguém ligava. “Sim, ouviu bem, assumo que não consigo, não quero mais estudar e, por isso, vou trabalhar para o campo como adubo”, respondeu a filha. “Vais desistir...adubo?!”, gritou, novamente, o pai. “Sim, é que eu sei e assumo que sou uma bosta”. A sala paralisou. Passaram-se curtos, mas intermináveis, segundos de silêncio gélido. De repente, toda a gente na sala se pôs de pé e irrompeu em aplausos delirantes – É que sempre lhe haviam dito que o momento fundamental da vida era quando as pessoas se assumiam como realmente eram e que, a partir daí, tudo seria mais fácil. Então aquele era, de facto, o seu momento de glória, o seu Dia da Libertação.

Pouco depois, a sala ficou às escuras – é que, ao ouvir isto, os electrões das lâmpadas piraram-se para as ruas, em gritinhos histéricos próprios de criaturas baixas.

Aproveitando a escuridão e o balanço da situação, o pai beijou o mordomo e, quando acenderam as velas, ele também se assumiu perante todos, depois de uma vida inteira de enganos e mentiras.

Enquanto a mãe acelerava a órbita, os restantes também aproveitaram aquele momento para se libertarem: o filho fugiu com a gata, o perú com a faca de trinchar (desde aí têm uma relação sado-masoquista linda), a mesa pôs um turbante e casou com todas as cadeiras, a retrete foi viver com uma cheirosa bufita, Ramona, a empregada espanhola, foi fazer novelas mexicanas dobradas em hebraico arcaico, Manuel, o secretário, casou consigo próprio numa cerimónia só para jornalistas acreditados por ele mesmo e, finalmente, surgiu de dentro de um armário, aos saltos, um ‘gay’ que ninguém sabia quem era.

Com a casa deserta, a mãe continuava a orbitar pelas profundezas do candelabro. “Como é solitária esta vida no espaço...”, suspirou.

quarta-feira, maio 24, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/24)

"Procurador do Apito Dourado alvo de processo disciplinar após queixa de Pinto da Costa"
E depois demitiu-se...
Conclusão: ninguém pode levantar a saia ao 'Papa'.
As voltas que isto dá... infelizmente, previsíveis. Aliás, Pinto da Costa prepara mais um livro intitulado "De acusado a acusador - guia prático de metamorfoses".
A Justiça (será que merece a maiúscula?!) em Portugal é um espectáculo, literalmente!

segunda-feira, maio 22, 2006

Lendo o “Público” (2006/05/22)

“Marques Mendes desafia governo a fazer rescisões na Função Pública”

“PSD defende utilização de fundos comunitários para pagar indeminizações aos funcionários”


Isto passou-se ontem. Hoje, Bruxelas já veio dizer que não paga. Concluí-se, então, que a brilhante proposta de Marques Mendes, primeira página de jornais e destaque dos telejornais, afinal só veio aumentar a nossa estatística de nado-mortos – é que não sobreviveu, sequer, 24 horas, coitada...

sexta-feira, maio 19, 2006

Numa de amigos

- ...Mas há que preservar as espécies, não podemos contribuir para que haja mais animais em extinção!
- Sim, eu sei e concordo, mas...
- Nem mas nem meio mas! Você é que está encarregue dele, não é?
- ... Sim, sou
- Você é que tem de resolver o problema, certo?
- ... Certo.
- Gosta do emprego que tem, não gosta?
- Sim, claro.
- Então trate disso. Desenrasque-se, invente qualquer coisa, não quero saber, mas resolva o problema e já!
- Sim, chefe, vou tratar disso imediatamente.

João saiu da sala resignado. Quão longe estavam os tempos de estudante e do seu primeiro emprego (primeiro e único, pelo menos até ao momento)... ainda se lembrava do dia da sua licenciatura em “Zoologia” e de quando, depois disso, cheio de sonhos e ilusões de salvar as espécies, havia tirado o Mestrado em “Animais em Extinção”. Bons tempos, esses... e a seguir, esse momento de glória, o do doutoramento com uma tese denominada “Hipopótamos Carentes, Extinção ou Solução – Uma Dieta à Base de Amor e Cenouras”. O que esse trabalho havia dado que falar – era, até, considerado revolucionário para a altura, o que lhe valeu uma oportunidade de emprego, no Jardim Zoológico, como psico-nutricionista não só de animais obesos como, também, de todos os que pintassem as unhas dos pés. Desde então nunca mais procurou outro lugar – aquele era, definitivamente, o sonho e a ambição de uma vida – pelo menos até aquele dia...

João parou de sonhar, estava no momento de encarar a realidade e essa, infelizmente, era bem clara - Hip, o hipopótamo-fêmea, havia morrido ia já para três anos e ainda não tinha sido possível, por mais ‘Jardins’ à volta do Mundo que se contactassem, arranjar nova companheira para Hop, o hipopótamo-macho; este, já de idade avançada, não estava a aguentar a sua perda – havia, inclusive, emagrecido até às três toneladas, o que o deixava praticamente esquelético. Mas, pior ainda, é que, por mais sessões de psiquiatria, hipnotismo, acupunctura, jacuzi ou sapateado lateral que lhe ministrassem, nada parecia resultar - cada vez se alimentava menos e raramente dormia. Não havia qualquer dúvida - estava, efectivamente, em perigo de extinção, era preciso fazer alguma coisa... e rápido!

João não quis, não podia esperar mais e, nesse fim de tarde, foi ter com Hop, seu velho amigo. Olhava-o fixamente, pensando como haveria de resolver o problema, enquanto o animal, com um ar triste, ia suspirando naquele estranho dialecto dos hipopótamos africanos, linguagem incompreensível para a maior parte dos humanos mas que João, profundo conhecedor desses meandros, já conseguia, facilmente, decifrar. De repente, e vindo do nada, ouviu-se “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez....” João deu um salto, assustado. Então, mas... agora o hipopótamo fala?! E outra vez:: “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez...” Aquilo não podia estar a acontecer! “Eh pá...”

Algum tempo depois, já a noite começara a deitar-se sobre a cidade, João, pensando na ameaça de perda de emprego e meio convencido por aquelas belas palavras, deitou-se junto ao lago artificial, ao lado de Hop e abraçou-o. Bem vistas as coisas, nem tudo era mau - a causa era nobre (havia que salvar as espécies!), a noite estava estrelada, o hálito era a cenouras, enfim.... “se calhar até pode ser giro, sei lá, diferente”, pensou João. Hop, ser irracional que era, não pensou – agiu.

No dia seguinte, Zé Pedro, o bêbedo oficial da zona e que era, simultaneamente, tratador de macacos, acordou de ressaca no banco de jardim imediatamente ao lado da cerca do hipopótamo, ainda com o sonho da noite anterior na cabeça (para além de alguns resquícios de álcool). Que sonho angustiante – estava rodeado por vários amigos, cada qual com sua garrafa, e ele sem nenhuma, desesperado, pedindo que, ao menos, o deixassem dar um trago. E por mais que gritasse “Eh pá, vá lá, deixa lá, nós somos amigos, só uma vez...”, nada. Enquanto se espreguiçava, um pensamento, apenas, flutuava pelo seu cérebro ainda alagado - “Será que gritei alto e alguém me ouviu?”. De facto, temia perder o emprego, o que decerto aconteceria, caso tivesse sido descoberto naquele lindo estado. “Será que gritei alto, será?”

Uma semana depois, João continuava, teimosamente, sem comer, dormir ou sair de casa, aguardando, ansiosamente, por um ramo de flores ou, no mínimo, uma cenoura – é que, para ele, o que havia acontecido era tudo menos “numa de amigos”...

O hipopótamo, por sua vez, tinha acabado de comer mais uma enorme refeição. Por entre arrôtos e como ser irracional que era, receou pela extinção da espécie humana – numa de amigos, claro!

quinta-feira, maio 18, 2006

Lendo o “Público” (2006/05/18)

“Chimpanzés e humanos fizeram sexo depois das espécies começarem a separar-se”

Romeu, o chimpanzé e Julieta, a humana, quando há cerca de seis milhões de anos (até parece que foi ontem) se encontraram pela última vez, olharam-se demoradamente e, de mãos entrelaçadas, beijaram-se e trocaram pequenos e comoventes grunhidinhos de despedida – é que haviam sido proibidos pelos pais dela, o casal Darwin, de continuarem envolvidos. Nessa tarde, debaixo de um chaparro (Darwin, como o próprio nome indica, é um apelido tipicamente alentejano), pela última vez fizeram amor – e não sexo, como depravadamente seria escrito séculos depois. Então, e depois de se limparem com cuidado às folhas e de terem dado pequenas bufitas - um ritual de despedida que, nessa altura, era apropriado para esse tipo de ocasiões, para além de estar muito na moda - partiram, tristes e cabisbaixos, cada um para seu lado.

No entanto, seis milhões de anos depois, gerações e gerações de cientistas passadas, as grandes questões continuam em aberto. A saber:

- O pai de Julieta separou-os porque tinha inveja da dimensão do instrumento do Romeu?
- Terá sido este o primeiro caso de zoofilia?
- O Darwin da história era parente do Darwin da História?
- Em que posição é que a gaja pinou com o macaco?

Mistérios da ciência...

quarta-feira, maio 17, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/17)

"Crianças marcham em Lisboa contra a obesidade"

Boa ideia, deviam fazê-lo mais vezes. Assim, enquanto marcham, sempre vão emagrecendo.

Mais a sério: Fundamental era que, nas escolas e dando o exemplo para dentro das próprias casas, as 'ementas' não fossem constituídas à base de fritos, sem verduras, que não fosse permitida a venda de refrigerantes, pacotes de batatas fritas e afins, para além de todo um conjunto de medidas que é necessário implementar, conducentes a uma 'educação' da forma de alimentação, medidas essas coordenadas, eventualmente, por nutricionistas. Talvez assim não tivéssemos, daqui a uns anos, o problema que já existe nos EUA de obesidade e consequente conjunto de doenças associadas que não só prejudicam a economia (devido, nomeadamente, ao aumento do absentismo), como também destroem a saúde à população e conduzem a mortes precoces.

Parafraseando o Hino: Contra a gordura, marchar, marchar!

terça-feira, maio 16, 2006

Quando ele trouxe a noite

Quando ele trouxe a noite para lhe oferecer
Ela nem queria crer no que acontecia
E enquanto ele falava, quase sem querer
Ela quase sem crer, apenas ouvia

Trocaram sorrisos, trocaram recados
Trocaram de corpos, trocaram segredos
E no dia seguinte, com os sonos trocados
Trocaram de sonhos, só tocando os dedos

E desde então, sem ninguém se aperceber
São um só ser, Homem e Mulher
Apenas Amantes, sem mais nada querer
Que crer num Amor, que só a eles quer

segunda-feira, maio 15, 2006

No teu casamento

Vi-te ao longe. Estavas feliz, sorrindo para todos, cantarolando enquanto andavas. Passavas por toda a gente mas, na verdade e em sentido literal, nem sequer andavas – limitavas-te a flutuar. Eu olhava-te, disfarçadamente. Era o teu casamento e eu, obviamente, não existia - contentava-me em ver-te assim, ao longe, feliz, estranhamente vestida, disfarçada de estrela, de luz, de pão, ou tão somente de ti.

Vi-te de perto. Continuavas feliz, não me havia enganado – sim, estavas feliz e eu, estranhamente outra vez, estava feliz por ti. Disse palavras de circunstância, que há estupores de circunstâncias que nos obrigam a ter palavras para elas, como se valessem mais do que pessoas – há algumas que nem nome têm – e enquanto tentava dizer qualquer coisa com graça, por mais parva que fosse, reparei que já não estavas lá. Tinhas voltado ao teu mundo, no teu estado flutuante, como alma aproveitando um desconto em vôo charter para ateus – olha, se calhar esta tinha tido graça para te dizer!

Vi-te partir. No entanto, quem partiu fui eu; tu limitaste-te a encolher sempre no mesmo sítio, o último em que te recordo, feito de ténues sombras – é que o fim da tarde havia chegado, como susto ou sobressalto, o Sol já não dava voltas comemorativas do 13 de Maio e eu, anti-social como sempre, não queria ver mais ninguém ou, se calhar, não queria ver-te com mais ninguém.

Vi-te hoje. Mas conforme já sabíamos - até há, provavelmente, um decreto-lei que o determina - pessoas de mundos diferentes não se tocam. Deixa, não faz mal - vi-te hoje.

Vejo-te chegar. Adormeço

Lendo o “Público” (2006/05/15)

“Palestinianos casados com israelitas perdem direito de residência”

Mais um grande contributo para a paz - nada como separar famílias para pacificar a zona!
Mas...visto por outro prisma, esta decisão do Supremo Tribunal de Israel pode ter algumas vantagens, por exemplo:
a) Sempre que alguém se quiser ver livre do(a) namorado(a), pura e simplesmente casa com ele(a);
b) A taxa de divórcios por “diferenças irreconciliáveis” diminui para zero, já que marido e mulher nem sequer se vêem;
c) A violência doméstica também diminui, porque só de pensar em atravessar a fronteira, com todas as revistas e humilhações públicas, depois fazer dezenas de quilómetros a pé, tudo isto só para bater na/no mulher/marido... não há cu que aguente;
d) Pelas mesmas razões anteriores, o controlo da natalidade aumenta, ainda por cima do modo que a Igreja Católica recomenda – a abstinência.

Estes israelitas são cá uns crânios...

domingo, maio 14, 2006

O crime do padre Abralho

João levantou-se cedo. Tinha dormido em sobressalto pois as expectativas estavam bem altas, tanto mais que tudo se conjugava para um óptimo dia de trabalho – muita clientela, espaços apertados, bom tempo, todos os santos a ajudar. “É o meu melhor dia do ano”, pensou, irradiando felicidade - “todos os 13 de Maio, aqui em Fátima, é sempre a mesma coisa, ganho para o mês inteiro!”. Despediu-se da mulher com um curto “até logo!”, que não havia tempo a perder, tendo partido tão confiante que nem ouviu o conselho que ela habitualmente lhe dava, o costumeiro “tem cuidado!”. Ah, esqueci-me de dizer – João era carteirista.

José também madrugou. Pelas mesmas razões, iria ser um excelente dia para o negócio. A sua loja de venda de artigos religiosos – “tudo material certificado... e abençoado!”, não se cansava de repetir – teria o seu pico de clientela anual, tendo tal facto permitido, até, o luxo de “benzer” os preços; enfim, coisa pouca para quem todo o ano esperava por este dia para vender como nunca, desde crucifixos a velas coloridas, de santinhas a Bíblias com capas de couro, tudo isto aos mais diferentes preços e para os mais diversos gostos. Enfim, era quase garantido que seria um dia inesquecível de lucros. Abriu a loja ainda a manhã começava a raiar e ficou, calmo e confiante, aguardando o seu primeiro cliente.

Quando o resto da família acordou, Pedro já tinha vindo do mercado, encontrando-se a escamar quilos de douradas, robalos e linguados, “que o dia promete!”. Era ele que, pessoalmente, escolhia toda a comida que entrava no seu restaurante, onde a mulher ajudava na cozinha, a filha e o genro serviam às mesas e o filho, o intelectual da família, tratava das contas na caixa registadora e das ementas no computador - “o rapaz vai longe na Informática”, babava-se Pedro aos amigos, “até já tirou um curso em Lisboa...”, rematava orgulhoso.. “Vamos lá a despachar, hoje é 13 de Maio, nada pode falhar!”, berrou ele para a sua sagrada família.

Enquanto isso, Abralho, o padre milagreiro, ainda ressonava, consequência de, na véspera, ter aproveitado o resto do vinho da missa para brindar aos mais diversos santos; o problema é que se havia despistado, tendo perdido a conta aos brindes. “A culpa não é minha, há é santos a mais!”, desculpou-se quando foi acordado, em sobressalto, pelo sacristão. Vestiu-se à pressa e partiu a correr para a Capela dos Milagres, onde havia ganho a alcunha de “milagreiro” não pelo nome da capela mas porque, um dia, fez com que um cego andasse. “13 de Maio, hoje a caixa das esmolas vai ficar cheia de certeza!”. Tão absorto ia nos seus pensamentos que até tropeçou num fiel em joelhos, vindo sabe-se lá de onde. “Porra de peregrinos!”, blasfemou – à noite iria pagar esta frase com umas quantas “Avé Maria”.

Ao fim da tarde, João (que, no grupo, se auto-intitulava de “O empresário”), José e Abralho, amigos já de há longa data, sentaram-se, exaustos, na mesa do costume, a do canto, no restaurante do seu amigo Pedro, bebendo umas imperiais. “Junta-te a nós”, pediu Abralho ao seu velho companheiro de petiscadas. “Então, grande dia para todos, não?” perguntou retoricamente Pedro, do alto do seu vozeirão, provavelmente a única consequência agradável dos seus cento e quarenta quilos, indo ter com eles. “Bom? foi mais que bom, foi milagrosamente óptimo!”, respondeu José, entre gargalhadas, secundado pelos outros companheiros, enquanto Pedro se ia sentando à mesa, comendo uns tremoços e coçando os seus enormes pés. A conversa ia prosseguindo no mesmo tom leve e descontraído quando, subitamente, Abralho interrompeu, angustiado - “Vocês desculpem, eu sei que isto vai parecer muito estúpido, mas há tantos anos que nos reunimos aqui a 13 de Maio, depois da enchente louca de pessoas como a que tivemos hoje, que já me esqueci porque carga de água é que é nesta data que, invariavelmente, vem cá o povo todo. Alguém se lembra?”. Fez-se um silêncio sepulcral. Ninguém sabia. “Eu sei que tem a ver com qualquer coisa religiosa...”, alvitrou João. “Se calhar...”, disse o padre Abralho. “Mas que chatice, é que não me consigo lembrar!”

Era a gota de água - algures nos Céus, Cristo converteu-se ao Budismo.

Lendo o “Público” (2006/05/13)

“Candidatura portuguesa ao Conselho de Direitos Humanos teve o êxito possível”

... Mas China, Cuba e Arábia Saudita, conhecidos campeões dos direitos humanos, tiveram mesmo êxito, não ficaram de fora como nós! Imagino como teria sido uma eventual entrevista feita por um dos países de um Concelho anterior (onde já esteve, pasme-se, a Líbia, mais um reconhecido campeão dos direitos humanos) aos candidatos ao lugar, por exemplo, a efectuada ao representante português:

- Então, no seu país há presos políticos? Não? E tortura, existe? Não outra vez? Mas ao menos há uns bons espancamentos arbitrários? Também não? Mas desculpe, vocês estão à espera de quê? Como é que querem ter assento neste Conselho se não têm a experiência necessária para o lugar?! Ele há cada um... Seguinte!

sexta-feira, maio 12, 2006

Extermínio

- Ei, olha, acho que vi ali passar um engenheiro!
- Não pode ser, ainda a semana passada esteve cá o Lopes.
- Tens razão, o Lopes deve tê-los exterminado a todos. Sabes, é que ando a ver cada vez pior, deve ser da idade.
- Deve ser, ‘tás mesmo velho!
- E eu, que em novo não deixava escapar um... mal o via, pumba, era logo acabar com ele! Malditos engenheiros!.
- E lembras-te? Os piores eram os Hidráulicos; a luta que esses davam até morrer. Em contrapartida, os de Minas eram de caras – parece que já nasciam mentalizados para a desgraça! Ah, ah, ah!
- É verdade. Bons tempos...

Lendo Pablo Neruda

Chegastes à minha vida com o que trazias,
feita de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti

Pablo Neruda

Lendo o "Público" (2006/05/12)

“Outros milhóes anunciados”
“Depois da lista de investimentos PIN anunciados pelo Governo e da grande semana do investimento [...], um novo pacote de investimentos foi anunciado”

“3 jackpots”
“Esta semana €25.000.000 (euro milhões), €700.000 (loto 2) e € 540.000 (joker)”

Haverá relação? Pelo menos em comum têm:

- Uma grande semana de investimento;
- A potencialização da capacidade de sonhar sem necessidade de recurso a drogas;
- A enorme improbabilidade de se ganhar alguma coisa com isso;
- Feitas as contas, no fim fica-se mais teso.

terça-feira, maio 09, 2006

Grandes mistérios da mente feminina (II)

Porque será que elas ficam íntimas à primeira conversa (e inimigas à segunda)?


De facto, este é um dos mistérios que mais apaixonam os homens desde há milhares de gerações a esta parte - porque será que, após uma simples troca de frases do tipo “olá, eu sou a Joana”, dois beijos, “eu, a Lúcia”, não seja preciso passarem três minutos para que o diálogo passe a ser “sabes, tive a minha primeira menstruação aos treze, lembro-me que até chorei”, pausa para gargalhadas, “tu nem imaginas com que idade tive a minha primeira experiência sexual com um camelo...”? Estranhíssimo...

Um dos óbvios indícios desta obsessão pela intimidade, digamos, inter-feminina, é a velocidade com que mudam de forma de tratamento – uma mulher que tratava outra na terceira pessoa, começa a tratá-la por tu mais rapidamente do que um homem começa a tratar uma pneumonia. Curiosamente, se a relação fosse com esse mesmo homem, o tratamento por tu poderia ser adiado quase indefinidamente – é absolutamente vulgar, por exemplo, em pleno acto, ouvir uma mulher dizer coisas do tipo “ah, Prof. Dr. Pereira dos Santos, o seu pénis é eloquentemente grandioso, ah, ah, Prof. Dr. Pereira dos Santos, licenciado em Química e doutorado em Física Quântica, com um curriculum de fazer inveja a muitos operários, o seu órgão sexual é obra de um Deus Maior”, mentindo, evidentemente (pelo menos avaliando pela minha experiência pessoal..., hélas).

Sobre este assunto, existe um estudo efectuado pelo Departamento do Clitóris Psicótico do M.I.T. norte-americano que conclui, com algum grau de certeza que, contrariamente ao que se passa na amizade entre dois homens (apenas amigos, suas mentes maldosas...), comparável a umas escadas que é preciso, passo a passo, degrau a degrau, ir conquistando, a que existe entre mulheres é semelhante a um elevador – basta tocar num botão para se passar, quase instantaneamente, do rés-do-chão para o último andar. No entanto, e quase por consequência, o inverso também é verdade – é apenas necessário carregar num outro para se regressar ao rés-do-chão. Assim, é possível passar-se, à velocidade da luz, de um diálogo do género “nunca tive uma amiga como tu...”, pausa para suspiro, “os homens são todos um cagalhão!”, pausa para vómito, para um desabafo com uma terceira mulher (séria candidata à próxima melhor amiga de sempre) do tipo “aquela víbora... nem sei como a aturei este tempo todo!”

Mas que razões podem levar a estas súbitas mudanças, de extremo a extremo, na relação entre mulheres? Na minha opinião, os homens, evidentemente, principalmente aqueles que, os mais sérios candidatos a “Vítima do Ano”, nunca se quiseram envolver nessa história da amizade instantânea, tipo Tang sem ser preciso misturar água. Os homens, digo bem, os homens. Senão vejamos - qual é o maior gozo de uma mulher? Fazer olhinhos ao namorado da grande amiga e pô-lo em ponto rebuçado. “Eu?!”, responderá com um ar inocente e indignado, quando confrontada com a situação. “Achas que eu seria capaz de te fazer isso, amiga, sublinho, amiga, torno a sublinhar, amiga?”. A continuação do diálogo depende, agora, do nível de alcoolémia que tenham na altura – se estiver abaixo dos 0,5 mg/l, ficam numa troca de olhares fatais e afastam-se; entre 0,5 e 1,5 mg/l, abraçam-se a chorar, pedindo desculpas recíprocas por tudo e mais alguma coisa, incluindo o tiro no olho do Camões; acima dos 1,5 mg/l, esgatanham-se até que o desgraçado do namorado as separe. Curiosamente, e como duas horas depois o nível alcoólico terá baixado, abraçam-se, choram, e voltam a achar que os homens são os culpados de tudo, incluindo a cegueira do Camões, crime que, curiosamente também, haviam confessado horas antes.

Existe, também, uma outra teoria para a explicação do mistério – as mulheres têm menos pêlos que os homens (à excepção da minha). Agora desculpem, não posso continuar, ela precisa que eu lhe faça um bolo para levar a casa da sua melhor amiga, quase de infância – conheceu-a já faz agora uma semana, no ginásio.

“Já estou a ir, querida!”

Mulheres!

segunda-feira, maio 08, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/08)

“Casa Branca diz desconhecer conteúdo da carta enviada pelo presidente do Irão”

Razões possíveis:

a) Não chegou a ser recebida - Os serviços secretos julgaram que era propaganda de um restaurante árabe de tele-coalhada e não a entregaram ao presidente. “Quando quisermos encomendar comida, encomendamos pratos típicos americanos, como pizza!”, afirmou, peremptório, o director da CIA;
b) Não chegou a ser lida - George W Bush recusou-se a fazê-lo porque vinha escrita em árabe. “Já me vejo aflito para ler em Inglês, quanto mais naqueles hieróglifos doidos... ainda por cima nunca mais acabava, eram duas páginas e sem bonecos!”, justificou-se o presidente norte-americano;
c) Não chegou a ser aberta – Vindo de quem vinha, mais vale não arriscar que podia explodir quando fosse aberta;
d) Não chegou a ser enviada – O iraniano que a ia pôr no correio foi abatido por um raio lançado por um satélite-espião norte-americano;
e) Não chegou a ser escrita – O presidente do Irão só escreve a mulheres com burka; o facto de Geoge W. Bush usar lingerie preta feminina não conta.

sexta-feira, maio 05, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/05)

“ONU questiona EUA sobre tortura”

“Os Estados Unidos vão ser questionados hoje pelo Comité da ONU contra a tortura sobre o seu cumprimento da proibição total da tortura. Os EUA são signatários da Convenção contra a Tortura. A ONU vai focar o inquérito nas alegações das prisões secretas da CIA e das possíveis transferências de presos dos EUA para países onde pudessem ser torturados. Responsáveis americanos serão questionados sobre a interpretação que fazem do que é a tortura...”


Algumas perplexidades de um cidadão normal:

- O torturador é o mesmo. O torturado é o mesmo. Por se mudar de país, torturar alguém torna-se aceitável? Será que o que interessa é se aí se fecha ou não os olhos ao acto ou a repugnância do acto em si ?
- Porque está a Europa tão preocupada em saber quais os países que os aviões com os prisioneiros sobrevoaram em vez de pensar mais no cerne da questão, que é o seguinte - os EUA, nossos queridos amigos, aliados e quase amantes torturam barbaramente prisioneiros ?
- Se o que os EUA fazem é tão legal e decente, porque é que as prisões têm de ser secretas ?
- A inquirição “sobre a interpretação que fazem do que é a tortura” é completamente ridícula. Faz lembrar a desculpa que Clinton deu para justificar que não tinha tido sexo com a secetária, ou seja, sexo oral não era sexo porque não havia contacto entre órgãos sexuais! Provavelmente, vão inventar qualquer definição como “um acto de interrogatório só é considerado tortura se a 40m de distância do prisioneiro forem ouvidos gritos de dôr com intensidade sonora superior a 50 decibéis, medidos em aparelhagem electrónica calibrada e manobrada por um perito norte-americano creditado pela CIA”

Curiosamente, “os EUA são signatários da Convenção contra a Tortura”. Não é lindo o Mundo em que vivemos ?

segunda-feira, maio 01, 2006

Lendo o "Público" (2006/05/01) / Amélia, a explorada

"João Proença [secretário-geral da UGT] - Precarização é pior em Portugal"
"[...] as pessoas continuam a recear, por exemplo, a perda do trabalho [...]" (2006/05/01)

"Câmara do Porto recusa-se a aposentar funcionária"
"A Câmara do Porto recusou-se a aposentar compulsivamente uma funcionária que reapareceu no seu posto de trabalho após quatro anos de ausência, para 'combinar o horário parcial que mais lhe conviesse, dado que tinha algum tempo livre e pretendia retomar o serviço'. O presidente da autarquia disse que a trabalhadora - uma desenhadora - 'metia cunhas' para ser 'castigada' com a aposentação compulsiva" (2003/02/12)

Amélia, a explorada

- Aqui tem, Sôdótor, o seu texto batido à máquina.
- Obrigado, Amélia. Mas... espere aí; há uma semana eu dei-lhe duas páginas manuscritas para pôr em processamento de texto e a senhora apresenta-me este papel com duas palavras, escritas numa máquina de escrever do século XIX?!
- O Sôdótor está concerteza a brincar comigo; para conseguir acabar isto a tempo não pude ir hoje ao cabeleireiro e ainda ontem saí já eram quase quatro horas da tarde... francamente! E se for ver a minha ficha de avaliação anual, na parte dos objectivos, lerá “Passar a limpo uma palavra por semana”. Não se esqueça que os aprovou e me deu a clasificação de “Muito Bom”.
- Mas, Amélia, ainda por cima estas duas palavras nada têm a ver com o que lhe dei, você escreveu “Excrava Isaura”. Diga-me: qual é a relação disso com o ofício jurídico que era para passar ?!
- Desculpe, Sôdótor, mas só lhe dou razão numa coisa - há um erro ortográfico. É que, de facto, sendo a Isaura uma mulher com “H” grande, deveria ser “Hisaura”.
- Isausa, mas quem é a Isaura?
- É inacreditável! Será o senhor tão insensível ao ponto de ignorar, completamente, o sofrimento e a exploração da Mulher que há por este Mundo fora? Será o senhor mais um daqueles machistas imundos que só querem ver as mulheres na cozinha e a serem rebaixadas constantemente?
- Mas, ó Isaura, desculpe, Amélia ....
- Está a ver? Já me estava a dar nome de escrava! Eu vi logo, por detrás dessa conversinha mansa estava um homem das cavernas, sem qualquer decência ou sensibilidade. O senhor, deixe que lhe diga, deve ser daqueles que chega a casa, põe as pantufas e fica a ler o jornal à espera que a mulherzinha lhe ponha a comida na mesa!
- Mas eu nem sou casado, vivo sózinho e...
- Isso não interessa e faça favor de não me interromper. Estou mesmo a ver, o senhor é daqueles que acham que as mulheres só podem falar depois de ter autorização do macho, um marialva que anda por aí a engatar todas e depois chega a casa e ainda quer sexo, provavelmente anal. Sim, porque o senhor tem mesmo carinha de apreciador de sexo anal.
- Ó Amélia, oiça, eu só queria o meu texto no computador...
- Queria, diz bem, queria... Mas agora, népias. Está-me a ver a rasgar esta página que me deu tanto trabalho a escrever? É para aprender, seu explorador da condição feminina. Aposto que é daqueles que também é contra a licença de parto, dos que julgam que as mulheres deveriam trabalhar até ao último dia de gravidez, parir e aparecer no dia seguinte com um sorriso na cara! Você é mesmo nojento!
- Mas, Amélia, o que é que he deu? Eu só queria....
- Queria, mas agora não leva nada. Já passa um minuto das três, acabo de fazer um minuto extraordinário e não estou para ficar aqui a ser explorada. Amanhã, depois da manicure, eu decidirei se refaço este trabalho
- Deixe estar, Amélia, não se incomode, eu próprio escrevo o texto...


“Estes gajos precisam é de ouvir umas verdades bem ditas!”, pensou Amélia, em glória, enquanto esperava pelo marido que a vinha buscar de carro à porta da repartição pública.
- “Estás atrasado!”
- “Desculpa, querida!”