CUOTIDIANO

quarta-feira, outubro 23, 2013

Poesia Erótica Censurada


Combinámos encontrarmo-nos no mesmo café de sempre. Fui mais cedo, só para garantir o prazer antecipado de a ver aproximar. No fundo, esticando o prazer. Sentei-me. Pouco depois ela chegou, trazendo a maresia, as pedras e o cheiro a estrelas com ela. Ao vê-la cada vez maior meu corpo tremia – controla-te, estúpido! -, só desejando saltar para o seu abraço, qual cão com medo das trovoadas.

Trocámos algumas palavras de ocasião mas os corpos desejavam-se mais, muito mais do que as palavras. Beijámo-nos. Demos as mãos, apertámo-las, beijámo-nos de novo. E agora?

 
No quarto abracei-a. Depois tirámos as roupas, despimo-nos de passados, esquecemos o futuro e ficámos – como sempre assim deveria ser – vivos no presente. E abraçados – como sempre assim deveria ser.

Depois beijei-lhe o que é normalmente inacessível, o que a fez curvar sobre si própria, pés e cabeça bem seguras na cama, qual ponte que nos levaria à outra margem do prazer. Ouvi-a gemer. Por dentro sorri, por fora beijei. Beijei mais ainda.

Depois ainda escalei montanhas, passando lentamente pelo seu tronco, de um branco tão puro quão genuína era a espera. Beijei-as devagar enquanto se eriçavam de desejo. Subi o beijo para o seu pescoço, subi mais ainda e – sempre lentamente - trocámos línguas, trocámos lábios, sabores, sons. Sem saber fomos trocando sonhos.

Então entrei nela devagar, à descoberta do mais profundo dela. Entrei e saí, demorada, saborosamente, enquanto com uma mão lhe segurava a cintura, mantendo o ritmo dos corpos - que suspiravam almas pelos poros sob a forma de um suor da água mais pura – enquanto o cabelo dela esvoaçava, entrelaçado pelas pontas dos dedos da minha outra mão, que suavemente lhe massajavam a nuca, libertando as vontades mais inconfessáveis e que ela havia reprimido até àquele dia.

O ritmo aumentou. O sangue subia-me a tudo o que era extremo. As coxas dela ferviam nas minhas a cada salto de corsa, nem que caíssem tectos e céus e preconceitos eu não conseguiria parar, em silêncio de gemido ela pedia-me – melhor, ordenava-me – para viajarmos até a um qualquer lado – diferente de tudo o que já havíamos experienciado até então - que nos chamava, chamava muito, cada vez mais, mais, mais, MAIS, MAIS, MAIS, mais devagar, devagar, espera, espera… chegámos…

 
Sentámo-nos no mesmo café de sempre, trocámos palavras de ocasião. Curiosamente, os nossos corpos continuavam a desejar-se mais, muito mais do que as palavras. Dissemos adeus. Beijámo-nos.


Ao vê-la partir abracei-a com lágrimas. Dentro dela eu havia renascido.

quarta-feira, outubro 09, 2013

Puta de vida!


Para que ela voltasse ele decidiu fazer tudo o que pudesse excepto, claro, falar com ela pedindo-lhe – eventualmente implorando-lhe - para voltar.

Fez cenas voodoo, escreveu poesia tão sentida quanto má ao ponto de ninguém a ter lido, por confusão, miopia ou alcoolismo declarou-se a uma tipa de alterne, chegou até a fazer sacrifícios de monossílabos ao Douro, lançando palavras em contra-corrente… mas nada.

Ela limitava-se a mirar o mar mas não a ele, ela esperava a vida num outro século que não este, saudava até o senhor da pedra mas não aquele, cantava todas as estrelas extintas, toda a maresia – mas nunca as do presente. Por isso, para ela ele havia deixado de existir – havia passado a “recordação número 27” -, pelo que se limitava a abraçar as palavras optando, desse modo, pela segurança de não amar e apenas sobreviver à conta de sons, encontros de poesia, reuniões de família e obrigações conjugais.

(“É mais calmo e não dá bronca” - citando e não concordando, claro. Adiante. Claro – mais uma vez.)

Enquanto passeava o cão pelas ruas antes que fosse a hora sempre exacta e certa de fazer o almoço sentiu um estranho frio na brisa. Sentiu falta nas mãos. Saudade nos lábios. Tristeza no riso. Então lembrou-o, enquanto as lágrimas que o coração vertia, lentamente se espalhavam pelas suas veias.

O cão fez o que tinha a fazer. Ela recolheu.

(Puta de vida!)
 

sexta-feira, outubro 04, 2013

Momentos

 

Às vezes penso que não há chuva que me chegue, momentos que me bastem, nem sequer recordações de risos que me preencham. Por outras palavras: sinto-me permanentemente vazio mas, simultaneamente, com um estranho lastro que me impede de voar, sequer andar, sequer querer o que quer que seja, adiando-me para outro século.

Às vezes também penso que seria fácil desculpabilizar-me, desculpabilizar-te, dizer a mim mesmo (dentro do espírito de “o copo partiu-se”, como se existissem copos com instintos suicidas…) que as decisões se tomaram, em vez de assumir que foram efectivamente tomadas ou, no mínimo, aceites. Também seria fácil ficar à espera que algo acontecesse, tentando apenas manter-me à tona da mágoa, não me asfixiando na angústia enquanto teu nome placidamente me percorre as veias, como lâmina sem destino.

Mas, felizmente, às vezes não penso. Por isso deixo-me arrastar pela suave ondulação do rio que foi nosso por breves mas incendiados momentos, pelas invisíveis correntes com que ele me abraça e que, todos os dias, inexplicável e implacavelmente, me arrastam até teus lábios de nuvem distante, onde me afogo lentamente com um ingénuo sorriso de criança.

Confesso também: às vezes não penso em mais nada que teu corpo que, num estranho parto e em dias de milagre, nasce dos meus olhos sob a forma de lágrima. E aí espero – por mais que eu o queira racionalmente contrariar - de novo por ti. Por ti Mulher, por ti Sonho, por ti  Desejo – seja o que for, no entanto por certo maiúsculo.

Mas hoje espero prosaicamente apenas por um telefonema teu, a horas ou a desoras – nada demais, não é? -, para, ignorando as palavras que possamos dizer, exclusivamente ouvir as ondulações dos sons da tua voz,

(“estauê?”)

e, assim,  sentir as ondulações do teu corpo – o derradeiro e definitivo rio que, percorrendo as margens da loucura, sem piedade me atrai, como se fora o último abismo da ternura.