CUOTIDIANO

domingo, junho 29, 2008

Os dias adiados

Aqui é o meu sítio, aquele preciso sítio onde vou enterrando em palavras os meus dias adiados. Aqui é – exactamente - o local que me resta, apenas o momento que me sobra e donde, placidamente, adio a minha vida, esperando – até quando? - a chegada dos dias da paz.

Aqui é, só e apenas, o meu sítio, onde me limito a sobreviver, vendo os meus dias adiados a esgotarem-se no tempo e – outra vez - nas palavras. Já nem sei porque ando ou respiro, já nem sei quem espero – ou se espero –, já nem sei, sequer, onde anda o meu olhar outrora meu, por onde navegam os meus sonhos, em tempos meus.

Aqui é, apenas, um sítio. Um sítio só. Onde me sento e espero pelo fim de todos os meus dias.

Adiados para sempre.

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domingo, junho 22, 2008

Há males que vêm por bem

Quando sua mulher se chegou a ele e lhe perguntou, com ar desconfiado, “que raio de cheiro é este?!”, limitou-se a responder que se tinha descuidado, “desculpa lá...”. Felizmente a amante não usava perfume e, melhor ainda, tinha mau hálito.

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sábado, junho 14, 2008

Se faz favor

Quando a minha morte me preencher inteiramente, eu juro-te que morro, não mais vais ter de me aturar. Prometo-te.

Por enquanto, não. Desculpa. Apetece-me ainda ouvir pássaros. E crianças. E nascentes. Quando me fartar, eu aviso. Aliás, morro.

Acredita: quando a minha morte for a melhor saída, quando eu estiver quase, mesmo quase a ficar completamente farto da vida, quando me doerem as pernas, os olhos, a cabeça, as memórias e me tiverem morrido os desejos e os amores que nunca tive, eu prometo-te que morro. Escusas de ficar a tomar conta de mim, um farrapo disfarçado de pessoa, fingindo que um último sorriso me é importante. Não. Quando eu vir que a morte é o meu melhor abraço, morro, fica tu descansada.

Por hoje, desculpa, não me apetece. Prefiro ficar aqui, quase imóvel, quase parvo, quase inerte, mas a ver este último pôr-do-sol, vendo os gestos que vão sobrando do entardecer, vendo quem passa arrastando desejos e sonhos, lembrar-me de quem já passou e nem sequer demos por isso, ouvindo as ondas a despedirem-se do mar. Desculpa, mas não me apetece morrer já.

Eu sei que estás profundamente chateada com o teres de ficar aqui a limpares-me, a veres-me com um ar infinitamente plácido esperando o passar do tempo e das capacidades básicas, tentando beber o que me resta dos prazeres da vida por uma palhinha que me ajudas a pôr na boca. Sei que estás farta de olhar por mim, de olhar para mim, olhando-me a acabar a cada ofegar, a cada passo, vendo os meus olhos estúpidos a percorrerem dementemente os corpos adolescentes e excelsos de vida de todos os passantes – cães incluídos. Desculpa.

Agora pede-me outra limonada, se faz favor. Sabes, só me resta a educação e a humildade. Eu que achei que poderia ter conduzido exércitos, eu que pensei dominar mundos paredes meias comigo mesmo, eu que já fui alguém, espero apenas pela tua complacência e generosidade para mais uma simples limonada. Se faz favor.

Mas, acredita, quando a minha morte me preencher inteiramente, eu juro-te que morro, não mais vais ter de me aturar. Prometo-te. Pede-me é a limonada. Se faz favor.

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quinta-feira, junho 12, 2008

Crise? Qual crise?


- Sr. Primeiro-Ministro, o que tem a dizer sobre as greves nas pescas e nos transportes, os constantes aumentos dos combustíveis e dos preços em geral, o sistemático fecho de fábricas e abandono da agricultura, a imoral morosidade da Justiça, o mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, as reformas cada vez mais reduzidas, o altíssimo valor da taxa de desemprego, o não crescimento da economia ao mesmo tempo que a inflação e o deficit, contrariamente, crescem demais, enfim, sobre todo este cenário de crise?
- Crise? Qual crise? Então não ganhámos ontem à República Checa? Francamente, há pessoas que andam mesmo fora da realidade!

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