CUOTIDIANO

quinta-feira, setembro 30, 2010

peniche (sim, com minúscula)


Foi hoje.

(Daí a urgência de contar. Adiante.)

Ela sentou-se à minha beira, olhando-me ternamente. Pouco depois, e durante deliciosos ronronares, aconchegou-se por entre os meus braços e desejos e assim e coisas. Então, feito transparente e mais coisas ainda, achei que o beijo era apenas e só o que faltava para passar à fase seguinte - ou seja, jantares.

“Eu adoro peniche”, disse-me ela enquanto, com um ar de freira confessional – o que quer que isso signifique -, atirava com os sapatos, as meias e algo para mim desconhecido até então – e que assim continua -,

(mas a que propósito vem isto de peniche, será para dar uma de nostálgica da infância? Mas ela nem é dessa zona…)

para o fundo da sala. Achei estranho mas

(que se lixe!)

devia ser das grutas, das igrejas, do Baleal. Enfim, como estava tudo a correr tão bem e tão próximo do (minimamente) planeado, resolvi alinhar. Disse-lhe que “sim, peniche é fixe”, tanto mais que a retrosaria “O Manel” estava então com promoções e que - ganda Internet! -, para além de tudo,

(depois desta ela iria ficar louca por sexar comigo, de certeza!)

a residencial D. Maria em Peniche tem bons quartos para que possa passar uns bons dias em Peniche na companhia da sua família ou amigos e que tem para si várias casas com diferentes valores e condições para que possa escolher o que mais lhe agrada e que Peniche é uma bonita cidade plantada à beira-mar onde pode ir à praia fazer surf comer bons peixes e marisco e conhecer o artesanato de Peniche como a renda de bilros mas que era urgente tomar medidas senão Peniche ir-se-ia perder.


Quando o Ministro das Coisas Parvas entrou no conselho e disse “está tudo lixado, temos de tomar medidas e parar de fingir que nada está a acontecer!” começaram-se todos a rir. Não é que aquele palerma tinha um sentido de humor fantástico, mais ainda do que a própria realidade?


Acabada a minha brilhante – chamemos-lhe - jogada, esperei pela dela. Recebi, em troca, estupefacção. Paralisia facial. Boquiabertismo. Seria da minha genialidade? Não sei, não percebi – aliás, como sempre acontece aos homens, fiquei na ignorância, que esta graçola das mulheres terem menos pêlos (excepto as espanholas, claro!) é, indubitavelmente, um sinal de maior evolução.

(Não dizes nada? ‘Tou feito…)


Mais tarde, o Ministro da Estupidez Congénita e Também da Sífilis resolveu entrar em overdose de impacto no concelho mas, logo aí, deu bronca – por mais que não fosse pela simples razão de que estava no sítio errado. Claro está que, apesar da hora absurda (para aí 45,7…), o seu motorista, de salário penhorado à conta de um crédito para caracóis, foi buscá-lo, não só porque a amante estava com o período como porque a consoante estava errada. Ao encontrá-lo, explicou-lhe que, até mesmo com o extraordinário assordo hortográfico, havia coisas que não tinham mudado – nomeadamente a palavra “pepino” e o facto de a sua mulher ser loira postiça. Como a dentadura. Ou como a pose da Pitucha, antes da orgia com cavalos lusitanos. O Ministro ficou muito mais descansado. E feliz.


De repente, rasgando o silêncio, a decência e um preservativo colorido, e qual nadador olímpico sedento de vitória, ela lançou-se ao meu vizinho de baixo, de tal forma que a própria voracidade – estou certo disso e dos números do totoloto - se envergonharia. Claro está, entrei em pânico, duvidando se teria fulgor adolescente em dose suficiente para a hercúlea tarefa que se adivinhava; é que, afinal, peniche era só – digamos assim - uma forma de expressão. “Eu avisei-te, sou louca por peniche!”


Impondo a ordem, entrou em cena o Ministro das Cenaças Inúteis. Protestou, gesticulou, berrou o fígado todo. Depois, e em consequência de tão brilhante intervenção, a unanimidade votou, concluindo que a crise económica era, apenas e só, culpa dos ciclistas. Desde que estrangeiros, claro.


Fiz amor como nunca antes. Ah ganda Peniche!


(Claro está, arruinámo-nos, e só mesmo o sexo foi e será droga suficiente para esquecermos a desgraça.)

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sexta-feira, setembro 24, 2010

O meu lobo frontal

Comecei por esquecer o teu aniversário. Depois esqueci-me de ti nas mais variadas formas em que te vais transformando – desde o cheiro do teu cabelo, passando pela tua canção preferida,

(acho que era uma dos Beatles)

pelo perfume que sempre namoraras mas que nunca compraste porque era caro ou porque eu sempre to havia oferecido, até mesmo pela viagem que nunca fizeras, provavelmente de propósito porque a querias fazer comigo e apenas comigo,

(tenho a impressão que era o “And I love her”)

ou, inclusivamente, na simples – mas tão boa quanto insana - sensação de pele em cada olhar que trocámos, quando nos queríamos. Muito.

Agora passou tempo, tanto tempo, tanto que, de arrumação em arrumação, de esquecimento em esquecimento, consegui criar um estranho espaço dentro de mim para que coubessem as memórias – mas só as que interessam -, deitando fora não só aquelas lembranças inúteis do tipo do que almoçámos na véspera como – pior ainda! - os disparates disfarçados de conhecimento que a professora primária que todos tivemos, e que vivia por detrás dos óculos sob a forma de funil, nos obrigou a engolir - como seja a divisão das nuvens em estratos, cirros, cúmulos e nimbos, ignorando a óbvia realidade de coelhinhos, leões, algodão e sonhos.

(sim, era o “And I love her”, agora tenho a certeza)


… Até que o meu lobo frontal entrou em auto-gestão. Mandou uns quantos obscuros lacaios pelo meu corpo fora, conquistou os pulmões, o fígado (esse também era fácil…) e um testículo, e convenceu-me que eu nunca te havia amado – riu-se à brava, o cretino! -, que as mulheres eram apenas um up-grade das mamas e que memórias só as de elefante – por mais que não fosse porque haviam sido escritas pelo Lobo Antunes, o primo dele do lado lobar.

Apesar disso tudo, e por mais anos que passem desde que nos separámos sob a forma de “a vida acontece”, neste exacto e preciso dia - se calhar graças ao meu lobo frontal fatalmente entrar, nesta data, em coma alcoólico comemorativo -, sei sempre que é o teu aniversário e, claro está… chega a esta hora, enrosco-me na cansada memória do cheiro do teu cabelo e embalo-me para dormir, assobiando – baixinho para não te acordar - o “And I love her”.


(Sim, eu amo-a, agora tenho a certeza.)

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