CUOTIDIANO

domingo, dezembro 25, 2011

MAIS UM ESTÚPIDO CONTO DE NATAL (dedicado à minha amiga APC que, anonimamente, se esforça por alguns - mas todos os - anónimos que são Gente)

A noite era igual a todas as outras, apenas com a diferença de que lhe haviam dito que era diferente de todas as outras – afinal, sempre era Natal...



Mas ele não tinha nascido naquele dia, não conhecia ninguém que o tivesse feito mas, ao que parece, há dois mil anos atrás alguém o havia - e em estilo. Sim, porque a mãe desse, perdão, Desse-com-letra-maiúscula, não o pariu, ele é que mandou a mãe pari-lo naquele preciso e exacto dia (pumba!). Aliás, segundo as más-línguas e ao que consta, era filho do patrão e, por isso, tinha uma golden share na sua vida - contrariamente a todos nós, mortais, que não temos quaisquer acções douradas ao longo de toda a puta da nossa incógnita e miserável vida.



Enfim, ele apenas esperava a carrinha das boas acções. Que nunca mais vinha – “despachem-se, chiça!” - com um pacote de leite e tudo (luxo!). E depois adormeceria enrolado em jornais,



(cheios de notícias de que iríamos ficar ricos depois de ficarmos pobres e moribundos e inúteis e que se não quiséssemos ser pobres e moribundos e inúteis e viver na fantasia de que um dia seríamos ricos e vivos e úteis sempre nos deixavam sair do país e emigrar (luxo!) - mas, em todo o caso, que mandássemos os ordenados para cá…)


sonhando e esperando que a noite fosse igual a todas as outras. Sim, porque surpresas normalmente dão mau resultado, nomeadamente quando aparecem uns ricaços com vontade de bater em alguém, apenas como diversão alternativa à caça à perdiz.


Adormecer. Era preciso adormecer. Que o dia já se havia pirado há muito e a noite, com o seu harém de estrelas, viera – apenas e só - para o embalar. Havia que aproveitar, então. Nem que fosse para esquecer que, no dia seguinte, haveria um tempo cheio de horas e minutos e segundos e chatices do género, fazendo-o explodir a fome desde as entranhas.


Finalmente chegaram. Cumprimentou os tipos da volta, naquele dia particularmente afectuosos. Repetiram-lhe a palavra “acreditar” até à exaustão, até que ele confessasse que leite era melhor que rum – que não é. Bebeu o leite, imaginando-se um lorde inglês. Tapou-se com os jornais, versão culta dos lençóis de seda que nunca havia experimentado. Tentou



Adormecer. Para esquecer a possibilidade de, no dia seguinte, aparecerem uns fiscais da ASAE dizendo que não tinha seguido as (mui) exactas normas da depressão e que, como tal, estava multado.



“Mas porque é que estas lágrimas me perseguem?”, pensou. E elas escorriam, continuavam a escorrer, indiferentes à estranha e absurda felicidade que, naquele momento, sentia. Puta de Natal!




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sexta-feira, dezembro 09, 2011

A rosa


Quando ele descobriu que havia rosas de quatro cores e não apenas uma única e exclusiva cor-de-rosa, veio-lhe à cabeça a hipótese de que sua amada poderia não ser apenas sua mas apenas sua obsessão, eventualmente amante de outro tempo, de outro alguém, de uma outra falta ou desejo maior. Ele, que tanto a amava, só queria que ela o amasse. Mas a verdade é que nem isso (lhe) chegava.


Quando ela descobriu que ele era obcecado por si, não apenas por causa da sua própria obsessão pelas rosas vermelhas (que tanto o fazia rir pelo daltonismo da coisa) mas, se calhar, pela cor avermelhada do seu cabelo naquele estranho corte de homenagem a Rod Stewart (ou por qualquer outra coisa ainda mais estranha), veio-lhe à cabeça a hipótese de afinal, naquela noite, não abraçar a noite sozinha, como em todas as outras noites. Ela só queria voar. Mas a verdade é que nem isso (lhe) chegava.


Quando os seus olhos dançaram pelo cabelo dela, pintado e não naturalmente louro, cor-de-vinho ou avermelhado ou lá o que seria, mesmo assim ele estupidamente pensou que a poderia “domesticar”, torná-la “normal”, na acepção que as pessoas “normais” dão à normalidade – ou seja, serem minimamente estandardizadas e iguais a si próprias. Mas…


Quando depois ela dançou, tornou-se deusa, tornou-se flor. Sem cor ou cores, sem tempo, sem amarras. Sem esperas. Tornou-se ela, tornou-se – aí sim - obsessão. Já não havia tempo nem margem para nada, havia que a aceitar como era, com calças feitas de cortinados, com aquela saudável e invejável ignorância da realidade mais básica, até mesmo com aquele total desprendimento de tudo – que tanto o chocava e que, simultaneamente, tanto o atraía.


Quando depois foram para casa dele, deitaram-se, despiram-se, entrelaçaram-se, despediram-se, “até amanhã”. Mas o beijo na face fez-se beijo na boca e o beijo na boca fez-se corpo e o corpo fez-se desejo e os corpos assumiram o desejo de tudo o que tanto queriam e desejavam. Então o chão tornou-se nuvem os cheiros tornaram-se desejo o cor-de-rosa tornou-se cor-de-fogo e trocaram saliva e trocaram suor e trocaram de corpos e viraram-se totalmente do avesso ao trocarem mais e mais outra vez de corpo quando a noite se fez cor da madrugada quando a madrugada se pintou do rosa do desejo, do rosa do abraço, do rosa do beijo, do rosa do Amor. Ou seja, das quatro cores do rosa.




(Indiferente a tudo, a verdade é que ele se apaixonou definitivamente quando descobriu que, quando ela dançava, havia rosas dentro dela – melhor, que ela mesma era uma rosa de quatro, de todas as cores. E, desde esse mágico instante, não mais deixou de a amar. Como a rosa que, efectivamente, ela era.)

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quinta-feira, dezembro 08, 2011

Aguarrás

Quando Artur lhe confessou – por mensagem telefónica, claro, que a coragem bebida em duas imperiais não dá para mais – que estava cheio de saudades, aproveitou para lhe pedir para se encontrar com ela, nem que fosse só para lhe dar um beijo quente (foi a melhor adjectivação que arranjou, provinda da cultura recente da novela brasileira das 9).


Quando ela lhe respondeu – também por mensagem, claro - “preferia se pudéssemos evitar isso do beijo, traz antes uma garrafa de medronho que é igualmente quente e sempre é mais higiénico”, Artur achou que, afinal, talvez fosse melhor esperar por sábado para o encontro, já que sábado era o dia de banho.


- “Sim, D. Etelvina, o melhor para isso é usar aguarrás” -, aconselhou Artur.

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terça-feira, dezembro 06, 2011

Artur (versão continental)

Quando a namorada de Artur lhe disse que sexo oral só daí a um ano e que anal… - ai, ai! - só daí a dez, conformou-se e foi para casa ver ininterruptamente o canal erótico de Singapura.

Claro está, não sem antes lhe pedir que lhe telefonasse daí a 364 dias.

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