CUOTIDIANO

quarta-feira, outubro 20, 2010

No meu bolso

No meu bolso deixei esquecido o amor que por ti tinha, apenas e só para te dar.
Ali estava, bem guardado, estimado, para quando te encontrasse - fosse quando fosse.
Um dia a noite cruzou-nos. Cruzámos olhares e corpos, risos e copos, qual cruzeiro às Américas destinado a não mais voltar. Mas o dia voltou. Com trabalho e coisas e assim. Então
Regressei a casa. Mas
No meu bolso deixei esquecido o amor que por ti tinha, apenas e só para te dar.
Constatei, então, que afinal nada te havia dado. Entretanto
Partiste. Havíamos gasto os cupões d’alma. E já não havia mais. Então
Despejei o bolso, rasguei o bilhete para a Grande viagem Juntos e enjoei-me, definitivamente, de mim – num cruzeiro condenado a não mais partir.
Engasgado de vida, mor
Ri.

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terça-feira, outubro 19, 2010

Uéuéué

- Uéuéué uéuéué e se tu uéuéuéué e também porque uéuéuéué uéuéuéué mas também não admito uéuéuéué uéuéuéué e então o que mais me irrita uéuéué uéuéué sim e o cheiro dos teus pés uéuéué uéuéué mas aqueles teus amigos – ó meu Deus - uéuéué uéuéué olha e digo-te mais: um dia que tenhas uma amante então aí é que nunca mais te falo!

(‘Péraí que esta eu ouvi – nada como um ouvido selectivo!)

Contrariadíssimo, chateadíssimo, lá tive de arranjar uma amante à pressa

(apesar de ser contra os meus princípios e fins católicos, a “recompensa” era enorme)

e, claro está, logo corri a confessar-lhe.


Valeu a pena: agora escuso de estar sempre a aumentar o som da televisão – é que estava a ficar surdo, chiça!

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sexta-feira, outubro 15, 2010

Ao lembrar-te, Mãe

Eu sei que tu estás a velar por mim, como nunca o fizeste em vida. Sei que não me deixas esquecer o quão tudo é relativo, não porque me tivesses dado conselhos definitivos (ou algo assim sob a forma de estupidez) mas apenas e só porque assisti à tua vida, globalmente inútil e absurda, mas de instantes – pontuais, cirúrgicos - feitos momentos para sempre, em que os dedos roçaram a alma, em que os olhos choraram Eternidade a cada rodopiar, a cada cisne renascido.

A verdade é que tenho saudades tuas; não que te quisesse aqui, substituindo este embriagante torpor da solidão, não que lembre algum momento em particular que tivesses tido comigo – porque, estranhamente, nunca o tivemos -, mas só e apenas por hoje eu ter, finalmente, admitido que, dentro de mim, havia uma parte que era tua, algo que foi crescendo comigo sem que tenhas, sequer, reparado, mas que é o que eu realmente sou, para além de todas as capas que uso sob a forma de tem que ser ou, muito mais simplesmente, sorrisos fáceis.

Hoje lembro tudo. Lembro os primórdios da Gulbenkian, as tournées (agora digressões), as casas emprestadas dos Amigos da Arte (agora são só hotéis, sabes?), as camionetas podres em que se arrancava mesmo que alguém que não estivesse levantasse o braço (agora não há alma com ou sem braços, apenas horários). Mais ainda – lembro as piruetas, os “pas de deux”, os quebra-nozes que quebravam as almas mais empedernidas, as belas adormecidas que, de tão acordadas, saltavam sem destino no palco das suas vidas.

Mas, hoje também, por mais que resolva esquecer-te, sei que te estás nas tintas para isso e que continuas a velar por mim. Não porque acredite em deuses, vidas pós-morte ou patranhas do género – apenas e só porque me deste o teu sangue e me deixaste ver-te dançar. Mãe minha. Minha Mãe.


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