CUOTIDIANO

sexta-feira, maio 20, 2011

Coisas geniais que eu não escrevi mas não sei porquê gostava de o ter feito

A vantagem de tudo ser absolutamente irrelevante é que te posso usar. Nomeadamente para me confessar. (Mas o que é que isto quer dizer?)


Assim, sem nunca te ter visto, sem saber a cor dos teus olhos, a altura ou grossura do teu corpo, assim mesmo, arraçada de pano cru, posso dizer o que me apetece, ou não dizer nada, ou apenas porque sim ou porque é assim ou só porque que me aceitas sem saber que me aceitas – fantástico, não?


(Agora não te deixo um Beijo… depois talvez deixe beijinho...)


Vasculhei a tua Casa, vasculhei, sim, é verdade! Mas – que queres - a porta está aberta e entra quem quer, opções de quem é mesmo educado - e tu, contrariamente a mim, és


Agora que passou a depois, o beijinho passou a Beijo... Fixe!


Pruke te lembro, pruke tenho saudades tuas, pruke agora?


Pruke te li pela manhã, pruke foste caminhar junto ao mar, e não sei bem pruke pensava no que tinhas escrito, apenas pensava "pruke escreveu ela uma frase sem o meu nome?"... já agora… existes?


E cheguei agora da cama, e chegaste agora da caminha - que não a mesma -, e as falésias cantam e gritam e gemem e aqui estou eu a escrever estas palavras, com ou sem sentido


não sei, escolhe tu...


(Quem és tu e como sabes que te amo?)

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sábado, maio 07, 2011

Maria P.

Tenho vontade de morrer mas não de morrer e pronto, pim – ou seja, prefiro mais aquela versão do José Gomes Ferreira de morrer durante 6 meses, nada de definitivo, apenas o suficiente para retomar o fôlego, saber quem apareceria no meu funeral, os poemas que os meus hipotéticos amigos citariam para me homenagear, e depois voltar, com licença que ainda não estou suficientemente morto, apenas o suficiente para continuar vivo,

(Olá, lembras-te de mim?)

apenas o suficiente para não merecer estar morto (como se a vida se conquistasse…), apenas poder dizer-te (que ninguém – nem eu - sabe quem és) qualquer coisa de inteligente. Enfim…

Palitei os dentes com um aviso das Finanças que dizia que passarei a pagar a Taxa Moderadora em mais 150% de cada vez que for atropelado. Divertiu-me imenso; é que ninguém sabe – nem eu - quem és e o que é que isso tem a ver!

(Nem eu, chiça, nem eu!)

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quinta-feira, maio 05, 2011

Helga


Chegou ao barco. Olhou muito lentamente em volta, de olhos semi-cerrados. Inspirou a maresia. Ignorou o tempo, feito de segundos e pensamentos que lhe zumbiam a cabeça. Afinal estava ali, apenas ali, e a cheirar a maresia. Apenas isso. Mais nada. Eram segundos únicos, preciosos, estava só, não tinha que falar com ninguém, muito menos discutir quem é que se levantaria para saber porque é que a criança chorava, resolve lá isso, que chatice, e vai lá tu, e não vou, e estou a ir, chiça, era apenas aquele momento e era seu, o mundo que parasse e que calasse, era o seu momento, não queria lembrar nada, nem que fosse

(o seu bilhete, se faz favor)

Está bem, já compramos um sumo, vá lá, não chores, e o barco lá andava sobre as míseras ondas do estuário que até um lago suíço tem mais personalidade ondulante, que trampa de vida até o rio é uma chacha sem emoção, mas cheirava a maresia ao ponto de parecer real, e o som da sirene e o meio nevoeiro que se ia espalhando pelos olhos e pelas roupas, e tentava que o momento, o tempo fosse de novo seu, mas a criança chorava

(Lembrava-se que, quando pequena, sua Mãe a levava ao Jardim Zoológico mostrando-lhe os animais - mas ela só queria sair dali porque sabia, vá lá saber-se como, que aquele sítio é apenas para adultos e que eles só levam as crianças como desculpas para não parecer mal, que merda, tirem-me daqui)

Vá lá, não chores, estamos quase a chegar, e saiu do barco carregando a criança e dores e sono e despejou-a na creche e correu para o trabalho e sorriu para o computador, para as 8 horas que ainda faltavam para voltar para o barco e para a maresia e para a criança - que todos eles a esperavam – ah, é verdade, e também para o “companheiro” que jazia no sofá em overdose de futebol e anos juntos e de namoro e tirem-me daqui era a cidade mais próxima e não quero esta vida e dêem-na a alguém e agora será que serei o que estou a ser com dúvidas e vozes e coisas estranhas revolvendo o que vou pensando?

(Mas afinal como é que cheguei aqui?)

Amanhã é hoje e ontem e é igual, o que é que eu fiz para merecer isto e entra a sogra em casa com um bolo e sim estamos todos muito felizes e sai a sogra com o prato do bolo e o bolo arrasta-se pelos intestinos de todos como a porra da minha vida se arrasta pelos intestinos deste sítio e tempo mal-cheirosos chiça que merda

(Tenho de adormecer, amanhã acordo cedo)

Bom, boa noite, todos para a cama, rápido que já é amanhã, e beijinhos, e boa noite, e desculpa não me apetece, não é nada sempre assim, agora é que estou morta, então está bem mas despacha-te, sim, para mim também foi óptimo, espera aí que a criança está a chorar, volto já, até amanhã, que é quase dia, quase barco, quase maresia, quase vida quase sem tempo. Quase a minha vida. A que não tenho.

(Eu só queria cheirar a maresia. Por uns míseros segundos. Sozinha. Será pedir muito?!)

Já vou!

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domingo, maio 01, 2011

Dia da Mãe

Ainda estou para perceber porque é que, depois de morreres, nunca mais me disseste nada! Não, não é delírio espírita ou algo do género, é mais “lei das compensações” ou “acerto de contas” ou outra coisa qualquer - desde que parecida.

Lembras-te quando eu era criança e tomava conta de ti? Quando te tirava os comprimidos que te enlouqueciam ainda mais do que a falta deles? Quando intercedia por ti aos deuses imaginários

(sim, tinha de ser a esses, que os reais nunca nos ligam nenhuma)

para que as vozes que te perseguiam e assombravam parassem, não mais dessem ordens, não mais inventassem túneis para que te escondesses? E apenas – só e apenas isso - cantassem canções de embalar feitas de melodias que te transportassem, num barco feito de um azul tão frágil que nunca naufragaria, pelas ondas da madrugada, até que chegasses ao Porto do Despertador, onde a realidade irrompia pelas frestas do estore partido do teu quarto disfarçada de gritos de sol matinal? Lembras-te?

Lembra-te que não querias voltar – nunca - para a Gulbenkian e que era eu quem te empurrava para fora da cama e da casa porque sabia que te aguardavam os Cisnes, os Príncipes, os Quebra-Nozes, e todo aquele estranho mundo que te fazia sorrir e rodopiar em torno do que te preenchia o cabeça e as vozes e as vozes e as vozes, eu sabia que te aguardava um mundo que rodopiava em torno de ti, num pas de un sublime e a ti dedicado – sim, era o mundo que rodava enquanto tu, parada, olhavas e deixavas que o tempo girasse, possuída por uma estranha mas feliz agonia.

Reconheço - de facto, não eras tu quem dançava, era o mundo com sol e pernas e nuvens em forma de aplausos e gritos do director, que te recebia; e tu olhavas em redor, não tinhas nada para dizer, deixavas apenas que o tempo, as imagens, os Cisnes, te sugassem a vida, a pouca vida que te restava sem tu saberes que morrias a cada gota de sangue que te escorria das pontas, das sapatilhas feitas pés, dos pés feitos asas, do olhar feito loucura.

Lembro-me que, quando voltavas a casa, era eu quem te esperava, que te fazia um ovo estrelado que eu sabia ser o suborno ideal para que jogássemos xadrez – o melhor momento do dia, estávamos juntos sem estar, ninguém precisava de falar, apenas mover as peças que rodopiavam pelas casas pretas e brancas e que, sem que se percebesse bem porquê, jorravam a cor dos lilases e da acalmia para dentro de nós. O tempo passava

(cheque ao rei)

e nós ali, juntos mas à distância de um tabuleiro, falando mas calados, deixando que o tempo escorresse pelas peças até que já fosse tarde demais para as minhas horas de criança,

(agora sou eu quem come um ovo, acho que me vou deitar)

e eu deitava-me, deitava-me mas só depois de ir, como sempre, voando com os Cisnes despedir-me de ti, um beijo de até amanhã ou até sempre ou até sei lá quando, que não sabemos nunca o que se irá passar – nem subornando os deuses, reais ou imaginários. Pensando bem, não sabemos, sequer, o que já se terá passado…

E depois havia os dias dos Ensaios Gerais

(parte uma perna!)

em que eu ia para a primeira fila com uma lanterna, para te avisar de alguma coisa que corresse mal – uma flashada, tinhas-te enganado; duas “meu deus, catástrofe!”; sim, eu era the expert do ballet clássico, nada me escapava, fruto das digressões em que íamos “a meias” – tu dançavas e eu espreitava, com os meus olhos adolescentes alucinadamente despertos, as mamas de todas as bailarinas, eram pequenas, é certo, mas naquela idade tudo é surpresa e desejo e sabe-se lá que outras palavras iriam surgir para colorir a fome de um corpo. Se bem que as palavras fossem o que menos interessasse na altura…

(Bem sei, reconheço, que quando elas começavam a desconfiar de tanta - chamemos-lhe - “fixação ocular”, tu me salvavas com aquela máxima de “é só uma criança, o que é que estás para aí a dizer?”)

Olha, estás a ver como eu cuidei de ti? Mesmo quando voaste da janela do último andar eu pedi aos pássaros que te segurassem, eles é que não ouviram, não tive culpa! Não tive, Mãe, a sério que não tive – e eu sei que, agora que morreste e que aí (seja onde for) têm uma espécie de replays para verificarmos foras de jogo e de tempo e opiniões, já percebeste que eu fiz sempre – mas sempre - tudo para te proteger.

Então acertemos contas – quando eu era criança cuidei de ti, agora que estou velho e cansado e farto e com vontade de ir ter contigo, ao teu regaço e consolo que sempre me negaste, é a tua vez de cuidar e de me dizeres que os meus filhos precisam de mim como tu também precisaste, e que tenho de me aguentar até que os Cisnes me levem através dos azuis da madrugada. Sabes porquê? Porque, agora, é a tua vez de mentir, de me dizeres que alguma coisa vale a pena

(sim, ambos sabemos que não há nada que valha a pena, mas que se lixe!)

nem que seja a nossa indomável vontade de não nos vermos nunca mais. Porque dói.

Demais.

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